O
coral de cinco notas
Um
grupo de pessoas vítimas de câncer de laringe
no Rio de Janeiro vem fazendo do árduo processo
de reabilitação vocal também uma
lição de arte e de vida. Há oito
anos elas formam um coral composto apenas por pacientes
que sofreram laringectomia total, ou seja, tiveram toda
a laringe extraída devido à doença.
O projeto foi idealizado e é até hoje conduzido
pela fonoaudióloga Célia Schwarz Seif, há
29 anos integrante do Centro de Reabilitação
Fonoaudiológica do Instituto Nacional do Câncer
(Inca).
O
objetivo central do coral é oferecer aos pacientes
uma oportunidade de desenvolverem a voz esofágica
emitida por meio do esôfago e, ao
mesmo tempo, criar um ambiente de integração
social útil ao processo de recuperação
psicológica que procede a operação.
Não é um coral artístico, mas
sim científico, explica Célia, também
professora de pós-graduação em Voz
e Fonoaudiologia Hospitalar da Universidade Estácio
de Sá. Fazemos tudo isso para tentarmos devolver
a qualidade de vida dos pacientes, completa.
O
grupo se reúne semanalmente e é composto
por cerca de 15 pessoas, número que varia de acordo
com o processo de recuperação dos indivíduos.
No entanto, a grande maioria é de homens. As
mulheres têm uma certa timidez em expor a voz esofágica,
que no início é um tanto frágil,
diz Célia. Isso porque com a remoção
da laringe é perdido o fluxo de ar dos pulmões
até a boca. A voz precisa então ser adaptada
à corrente digestiva, um processo muitas vezes
traumatizante, como explica a coordenadora do projeto.
Célia
garante, porém, que a dedicação dos
pacientes a projetos como o do coral, além de positiva
para a recuperação pós-operatória,
é sobretudo gratificante. Vemos que os encontros
e as atividades do coral acabam valorizando muito a vida
deles. O resultado tem sido positivo em todos os sentidos,
sublinha.
Limitações
- No repertório estão canções
como Cidade maravilhosa e a inevitável
Parabéns a você, já que
as apresentações externas são feitas
geralmente em festas de aniversário, a partir de
convites. Contudo, o rol de peças ensaiadas pelo
grupo não pode ser muito extenso devido às
próprias limitações da voz esofágica.
Os pacientes só alcançam cinco notas,
de dó a sol. A sexta nota (lá) às
vezes sai e às vezes não, explica
Célia. Temos que escolher nosso repertório
sempre em função disso. Essa situação
chegou inclusive a impedir que um regente, especialista
em música, passasse a reger o coral no lugar da
fonoaudióloga. O maestro levantava as mãos
esperando que os cantores subissem o tom da voz. Eu não
tenho pretensões de ser maestrina, mas acabei ficando
porque sei exatamente as limitações vocais
do grupo, conta.
Atualmente,
a equipe está tentando introduzir uma menção
ao projeto no Guiness Book, o livro dos recordes inglês.
Seria o primeiro coral de laringectomizados do Brasil,
pelo menos. Não posso dizer que foi o primeiro
coral deste tipo no mundo, mas até hoje também
não fiquei sabendo de nenhum outro, aponta
Célia. Há cerca de dois anos a idéia
de formar um grupo como o do Inca chegou a ser cogitada
pela Associação de Laringectomizados de
Leon, na Espanha. Na ocasião, a entidade solicitou
a orientação de Célia para a criação
do coral. O contato, porém, não evoluiu.
Reabilitação
No Rio de Janeiro, o coral dos pacientes do Inca
é, na verdade, parte de um projeto maior, dividido
em sucessivas fases para reabilitação vocal
de pacientes com câncer e que necessitam ter a laringe
removida. O mais importante em qualquer etapa desse
processo é vermos a pessoa como um todo, considerando
sua parte corporal mas também o seu relacionamento
com a família e tudo mais que seja importante para
ela, explica Célia.
Ela
diz que o trabalho para a recuperação da
auto-estima dessas pessoas deve começar ainda antes
da operação. É muito importante
que haja uma integração entre as equipes
de oncologistas (médicos especialistas em câncer)
e de fonoaudiólogos, a fim de que o paciente seja
ouvido e preparado para saber o que vai acontecer com
a sua voz, diz. Para Célia, isso se tornaria
ainda mais importante em países como o Brasil,
onde a população dispõe de uma educação
média incapaz de garantir o conhecimento dos processos
médicos e dos métodos empregados para a
recuperação da saúde. Recebemos
pessoas que muitas vezes não sabem o que é
a laringe ou como funciona o mecanismo da voz, conta.
Precisamos usar o discurso do paciente para saber
o que ele está e não está preparado
para saber.
É
após a cirurgia para retirada da laringe que o
paciente passa a ter uma integração ainda
mais efetiva com o Centro de Reabilitação
Fonoaudiológica, para realmente começar
a reabilitar sua voz. Primeiro realizamos atendimentos
individuais, dando exercícios para que a pessoa
comece a manejar a voz esofágica, com uma, duas
sílabas, explica Célia. Segundo ela,
a duração desse estágio inicial de
reabilitação é bastante variável.
Tem paciente que na primeira vez já consegue
emitir som, cita. Nesse processo, aos poucos, a
pessoa vai tendo oportunidades de falar em público
e interagir com outros pacientes. A integração
ao coral é o ponto alto da reabilitação.
Em todos esses momentos vamos estar visando o bem-estar
do paciente, ressalta a coordenadora do grupo. A
voz segue sempre um comando. E este comando tem que estar
bem para que o resto funcione.
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A
voz como instrumento de trabalho
Problemas
com o uso da voz são uma constante na vida
de
Minervina Gil Freitas. Professora de geografia de
um colégio
estadual em Campinas, ela já perdeu a conta
de quantas vezes ficou rouca após forçar
a voz em sala de aula. O exame que fez durante a Semana
Nacional da Voz, na sede da Apeoesp, no último
dia da campanha, garantiu que, apesar do desgaste
e da inevitável disfonia, sua laringe não
tinha nenhum problema mais grave.
Mas
sua situação, assim como a de milhares
de professores da rede de ensino no país, não
deixa de ser preocupante. Para
eles, a orientação principal dos fonoaudiólogos
é que se evite falar em meio ao barulho ou
por um longo tempo seguido. Minervina, porém,
lamenta. Isso foge completamente da nossa realidade,
diz, citando o ambiente explosivo de uma sala de aula
e a sobrecarga a que muitas vezes se sujeitam os professores
para garantirem um salário satisfatório.
De
cada dez alunos, nove vão à escola só
para bagunçar. E a gente chega a trabalhar
nos três períodos, de manhã, à
tarde e à noite. Não há a mínima
condição para um professor manter cuidado
com a voz, afirma, taxativa.O
otorrinolaringologista Luís Miguel Chiriboga
reconhece o transtorno. Já vivi a experiência
de atender professores que não tinham mais
qualquer condição de dar aulas, estavam
completamente impedidos de exercer a profissão,
conta. E o problema, segundo ele, não pode
ser considerado apenas como uma fatalidade da profissão.
Nós sentimos muito a ausência de
uma disciplina de impostação vocal no
currículo dos professores, diz.
Também
o modelo arquitetônico das escolas tem sua influência.
As janelas das salas de aula, na maioria das vezes
voltadas para o pátio, tornam o ambiente de
ensino ainda mais barulhento, exigindo esforço
extra da voz do professor. Mesmo
quando a saúde vocal está claramente
afetada, são poucos os professores que procuram
auxílio ou o devido repouso. É
difícil perder tempo correndo atrás
de uma licença, observa Minervina. O
que acontece é que a gente acaba passando o
trabalho para os garotos de acordo com a nossa condição.
Se não temos a voz, usamos mapas ou a lousa.
Canto
Esse tipo de preocupação não
é exclusividade de professores. E que o diga
a regente do Coral Municipal Em Canto
de Morungaba, Ana Salvagni. Manter a voz em forma
é praticamente uma exigência da profissão.
Para isso, além das orientações
tradicionais, vale seguir também uma cartilha
de exercícios específicos para cantores.
Eles são feitos geralmente antes dos ensaios
e, como aponta a fonoaudióloga Aline Wolf,
fundamentais para o aquecimento da musculatura vocal.
As pregas vocais são um músculo
e devem ser aquecidas como em qualquer outra atividade
física, ensina.
É
como um aviso prévio do organismo para que o
músculo entre em funcionamento, completa,
recomendando também distância de álcool,
fumo e poluição. Normalmente,
se um cantor fica rouco, isso é um sinal de que
ele não está usando a voz corretamente,
reconhece Ana, que também trabalha à frente
do coral Da Boca para Fora, de Barão
Geraldo.
Neste
meio artístico, ela considera de primeira importância
a busca pela orientação de um fonoaudiólogo,
por exemplo. Nós precisamos ter o controle
da nossa voz, ter consciência do que acontece
com ela, afirma.
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