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Campinas, maio de 2001 - ANO XV - N. 162.........
     
   
 

.Um grito de alerta
O brasileiro precisa cuidar melhor da voz, atentando para rouquidão e dores; País é um dos líderes em mortes por câncer de laringe

FRANCISCO BELDA

er preocupação com a saúde vocal não é um hábito do brasileiro. Mas basta o uso constante da voz, aliado a fatores como o tabagismo e o consumo de bebidas alcoólicas, para que se crie uma situação de alto risco, talvez irreversível. O problema geralmente começa com uma rouquidão, algumas dores, e acaba indo muito além. O Brasil já ocupa o segundo lugar no ranking mundial de mortes causadas por câncer de laringe, atrás apenas da Índia. São 15 mil casos diagnosticados por ano, mais da metade deles fatais. E, mesmo feita a ressalva de que muitos países ainda carecem de dados para comparação, minimizar a dimensão das moléstias vocais no País é como remar contra a maré.

Pensando nisso, profissionais de saúde que lidam com o tema em todo o país deram, entre os dias 16 e 21 de abril, um grito de alerta. Foi a terceira edição da Semana Nacional da Voz, uma iniciativa da Sociedade Brasileira de Laringologia e Voz. Só em Campinas, a campanha envolveu 200 pessoas, entre médicos otorrinolaringologistas, fonoaudiólogos, enfermeiras e assistentes, todos voluntários. A palavra de ordem foi prevenção. Em seis dias, mais de três mil pessoas receberam orientação e exames gratuitos em 15 postos de atendimento montados em pontos estratégicos da cidade. Resultado que, de tão positivo, já transportou a idéia para países como a Argentina e a Espanha.

“Este trabalho busca condições de inferir números reais em termos de freqüência, incidência e mortalidade em decorrência de patologias vocais”, aponta o professor de Laringologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, Reinaldo Gusmão. Coordenador local da campanha, ele acredita que a incidência de câncer de laringe entre brasileiros seja ainda maior que a apontada pelas estatísticas oficiais. “A gente sabe que no Brasil esses estudos são incompletos”, ressalta.

O esforço para reverter tal quadro passa necessariamente pela orientação da população e a reciclagem dos profissionais da rede primária de saúde. “O diagnóstico precoce é feito através de um exame médico simples e, freqüentemente, o primeiro sintoma é a alteração vocal, que pode ser percebida pelo fonoaudiólogo”, afirma Aline Wolf, fonoaudióloga e também coordenadora da campanha. Segundo ela, quando o problema é prontamente detectado, o sucesso no tratamento é praticamente certo, sem necessidade de se recorrer à extração da laringe. “O recomendado é que se procure um médico ou um fonoaudiólogo sempre que houver rouquidão por mais de 15 dias.”

Incidência – Reinaldo Gusmão identifica três fatores que, em ordem de importância, contribuem decisivamente para a incidência de tumores na região de laringe. O principal é o tabagismo, presente em cerca de 90% desses diagnósticos, conforme estimativa. “O álcool e o cigarro geralmente vêm acompanhados de uma certa indisciplina alimentar, um certo descuido geral”, ressalta. Mas ele confirma que apenas o hábito do fumo já funciona como um bombardeio direto sobre a região que envolve as pregas vocais. “Além dos gases do cigarro, há o problema da alta temperatura e dos produtos químicos que são tragados pelo organismo.”

Outro fator que dificulta o combate ao câncer de laringe, segundo o médico, é a dificuldade de acesso da população aos especialistas, o que faz com que o diagnóstico seja muitas vezes tardio e o tratamento, então, pouco eficaz. “Para um povo que tem fome, que ainda morre de desnutrição, falar em precaução com a saúde da voz é bastante complicado”, ressalta, apontando ainda para a precariedade estrutural da rede pública de saúde, tornando mais difícil a assistência médica primária.
E neste mesmo sentido influiria, de forma geral, o despreparo de agentes de saúde do país. “Muitas vezes não se identifica a rouquidão como um dos principais sinais do câncer”, diz Gusmão.

Disfonias – Apesar de sua letalidade, o câncer está longe de ser a única patologia relacionada à falta de cuidado com a saúde vocal. Nesta lista podem ser incluídos os calos, pólipos e edemas como causadores de disfonias em geral, que, embora de tratamento mais simples, requerem cuidado sistemático. Essas disfonias são alterações da voz que geralmente decorrem de seu uso constante, sendo velhas conhecidas de profissionais como cantores, professores e advogados. A medicina aponta como sendo improvável a evolução de disfonias ocupacionais até a incidência de um câncer. De qualquer forma, a abrangência deste que se considera seu grupo de risco e os reflexos sociais do problema fazem com que ele mereça atenção.

Pesquisa realizada recentemente pela Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro mostrou que 26% dos professores sofrem ou já sofreram com a disfonia. Pior: num universo de 120 mil profissionais do magistério daquele estado, 300 estão atualmente afastados de seus cargos por problemas relacionados à voz. “Isso representa um custo de R$ 3 milhões por ano para o poder público, que tem de substituir esses professores e remanejá-los para outros postos”, completa o otorrinolaringologista Ariovaldo da Silva, que integra, com outros dois professores da Unicamp, um programa voltado à prevenção e controle de disfonias ocupacionais.

Ele explica que são classificados quatro níveis de profissionais da voz. No primeiro, que envolve cantores e atores, por exemplo, a voz é tida como o próprio instrumento de trabalho. A seguir estariam professores e operadores de telemarketing, entre outros profissionais cuja voz, embora essencial, é um meio de atuação. O terceiro nível é composto por advogados, médicos, jornalistas, também dependentes da voz. E, por último, aqueles trabalhadores que não têm a voz como algo importante do ponto de vista profissional. “A maioria dos problemas que detectamos está dentro do segundo nível, com professores principalmente”, diz Silva. “Cantores e atores são sempre preocupadíssimos com a voz, tomam cuidado, enquanto outras categorias às vezes não sabem de técnicas para o uso adequado desse instrumento.”

Professores – E a correspon-dência prática desta observação ficou nítida durante a Semana Nacional da Voz, chegando inclusive a surpreender alguns especialistas. “Praticamente todos os professores que estamos examinando têm algum problema de disfonia funcional”, apontou o médico residente em Otorrinolaringologia pelo Hospital das Clínicas (HC) da Unicamp Marcelo de Oliveira, que prestou atendimento voluntário na sede da Associação dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) em Campinas. Ali, em apenas um dia de atendimento, foram exa-minados 150 profissionais, número que só não foi maior devido à falta de adesão oficial das secretarias de ensino público à campanha.

“O problema é que não há no país uma consciência de que a voz é um instrumento de trabalho e que, como tal, tem que ser preservado”, expõe o médico Luís Miguel Chiriboga, pós-graduando pela Universidade de São Paulo (USP) e também voluntário na campanha. “A prevenção é justamente o que diferencia o primeiro mundo do terceiro”, completa o médico. Ariovaldo da Silva, da Unicamp, amplia a análise, incluindo, até certo ponto, também a classe médica nesta defasagem. “Só nos últimos dois anos é que a questão da saúde vocal deixou de ser apenas uma idéia para ser encarada como um problema real de medicina do trabalho”, indica, lembrando que o tema deverá motivar um Consenso Médico de Disfonia Ocupacional ainda este ano.

E como prevenção continua sendo a palavra-chave, não há como fugir do diagnóstico e receituário finais. “Tudo isso deve ser encarado como um grande alerta”, sublinha o coordenador da campanha em Campinas Reinaldo Gusmão. “Estamos jogando uma semente entre a população e principalmente entre os agentes de saúde, que muitas vezes vêm de faculdades de medicina sem um bom embasamento. A idéia é que eles se reciclem e que em médio prazo esse quadro atual possa se reverter.”

 

 

 
 
 

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