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Professor critica ênfase na estética e relaciona maloclusão
com danos ao sistema nervoso e outras partes do corpo

A ortodontia voltada para a
saúde e longe de modismos

LUIZ SUGIMOTO

Alunos da FOP em serviço comunitário: somente o Departamento de Ortodontia atende entre 500 e 600 pessoas numa única sexta-feira (Fotos: Antoninho Perri)Se o leitor estiver à mesa do desjejum, convém que mastigue algumas idéias, e mastigue bem. O professor e ortodontista Darcy Flávio Nouer, quando examina os dentes de uma pessoa, por vezes a surpreende perguntando se ela sofre de problemas na coluna vertebral. Nouer poderia estar aposentado, mas permanece à frente da área de Ortodontia da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP) para sustentar uma filosofia de ensino que outras escolas do país não empregam: a de que as condições da dentição, via de regra, refletem na saúde geral do indivíduo e que cabe ao ortodontista valorizar os aspectos preventivos, contra a cultura atualmente direcionada a uma mecânica ortodôntica limitada à estética que vem transformando aparelhos ortodônticos em adereços de moda. “Em cinco anos, a nossa especialidade deverá trabalhar conjuntamente com áreas da medicina como a ortopedia, neurologia, otorrinolaringologia, pediatria e pneumunologia”, profetiza o professor.

Filosofia da FOP valoriza aspectos preventivos

Para justificar sua previsão, Darcy Nouer narra casos que são tratados há muitos anos exclusivamente pela área médica, mas que refletem desequilíbrios e disfunções do arranjo do arco dentário e funcional do crânio e da face. “Esses casos devem ser avaliados conjuntamente pelas áreas médicas e odontológica, visto que muitos sintomas observados podem ser de origem do desequilíbrio da dentição – as chamadas maloclusões. Na maioria das vezes, dores nas regiões frontais e laterais da cabeça, como no pescoço (região cervical), podem ser resolvidas com aparelhos ortopédicos móveis e ortodônticos fixos confeccionados por especialistas”, afirma.

Ortodontia é a especialidade da odontologia que busca o equilíbrio, a harmonia e a reabilitação natural do sistema dentário. É esta a concepção seguida pelos professores da FOP, todos eles membros da Fundação Charles H. Tween, localizada na cidade de Tucson, Arizona, criada no início do século passado, quando já valorizava a dentição como sendo a porta inicial da energia e da saúde do ser humano. “Estamos mantendo uma filosofia simples e objetiva, que prima pela qualidade e excelência desses procedimentos. Queremos entregar à sociedade um profissional com uma formação que valoriza os aspectos preventivos com implicações na saúde geral”, diz Darcy Nouer.

Se antes o profissional pensava apenas na reconstrução da dentição como parte isolada do corpo, sabe-se hoje dos reflexos da maloclusão pelos sistemas nervoso e respiratório e mastigatório, assim como na coluna e nos próprios órgãos internos. Nouer explica que anomalias no sistema mastigador interferem em funções básicas como mastigar, deglutir, respirar e falar. “São interfunções que agem estimulando todo o conjunto de articulações com os níveis cerebral e sistêmico (dos órgãos), em especial o sistema digestivo. Se há equilíbrio na formação e posição dos dentes, a pessoa vai mastigar, respirar e falar bem. Mas havendo desequilíbrios a partir de deficiências dos arcos dentários na mastigação – a exemplo dos causados por obstrução nas vias aéreas superiores e inferiores – eles podem levar a alterações na cavidade pulmonar. Então, diferentemente de apenas ‘arrumar os dentes’ colocando um aparelho, o ortodontista estará atuando indiretamente em todo esse sistema”, observa.

O professor Darcy Flávio Nouer: “Em cinco anos, a ortodontia estará servindo de apoio à área médica”.De acordo com o professor da FOP, podem ser identificados até 35 sintomas de desequilíbrios da região da articulação têmporo-mandibular (ATM), como dores nas regiões frontal e temporal, dores de ouvido, crepitações e estalidos nas áreas auriculares, labirintite e dores contínuas na região cervical (pescoço). “As dores de cabeça intermitentes, que na medicina chegam a ser tratadas por anos como cefaléias ou enxaquecas, podem estar relacionadas na grande maioria com as articulações dentárias e ATM. Tais situações levam também à incapacidade mastigatória e cansaço durante esse ato”, informa.

Em relação à capacidade respiratória, Darcy Nouer explica que maloclusões também determinam uma postura anormal da língua (atipias linguais), com possíveis situações de distúrbio do sono – apnéia, hipoapnéia, ronco noturno e insônia – que podem ser resolvidos com o arranjo dentário. “A apnéia nada mais é do que uma obliteração, com uma postura mais posteriorizada da língua na glote e epiglotes. Muitas mortes em crianças, atribuídas como súbitas, estão relacionadas a essas deficiências das vias respiratórias e posicionamento da mandíbula posteriorizada”, ressalta o professor.

Sobre a estética – Na opinião de Darcy Nouer, por todos esses motivos, a ortodontia precisa chegar principalmente à população pobre, mas numa massificação com qualidade, vsem modismos. “Para nós, no patamar de prioridades, a estética encontra-se em 12º lugar. Prioritariamente devem ser consideradas as correções dos desequilíbrios que alteram as funções básicas de saúde e do bem-estar. Nosso enfoque se dá principalmente na parte sistêmica do tratamento e não na parte mecânica, como se apregoa em quase toda a ortodontia mundial”, insiste.

A respeito da ênfase na parte mecânica, Nouer denuncia um grande interesse mercantilista, com o incentivo de dez ou doze indústrias de aparelhos ortodônticos que controlam o setor no mundo. “A indústria atualmente passou a desenvolver aparelhos sofisticados e caríssimos, cada qual com sua ‘novidade’”, critica. Na FOP também são utilizados aparelhos corretivos, mas estes são dos mais simples. O que se considera essencial é que o profissional, com sua capacitação e conhecimentos clínicos e científicos, desenvolva o tratamento necessário e não centralize no aparelho como uma panacéia. Vários aparelhos são elaborados na própria unidade (leia artigo a respeito na página 2).

À comunidade – Por outro lado, professores e alunos de graduação e pós-graduação prestam um serviço essencial para a população de Piracicaba. Somente o Departamento de Odontologia Infantil, que congrega as áreas de Ortodontia e Odontopediatria, atende entre 500 e 600 pessoas numa única sexta-feira, dia reservado aos que necessitam dessas especialidades. Segundo Darcy Nouer, embora denominado infantil, o departamento atende pessoas de todas faixas etárias, desde a infantil até a chamada ortodontia geriátrica.

Existe também um trabalho de orientação às gestantes, que o professor considera primordial. “O recém-nascido deve ser amamentado no peito materno até no mínimo os seis ou oito meses, desenvolvendo o ato de sucção (mastigação) e a respiração nasal, sem os quais há grande possibilidade de comprometimento do seu desenvolvimento e das dentições e articulações. A ausência da amamentação, por exemplo, significa uma ruptura desta fisiologia respiratória e mastigatória, trazendo riscos de distúrbios das vias aéreas, tais como bronquite, renite, amigdalites, desvios da posição lingual, da deglutição e fatalmente do equilíbrio dentário”, explica.

A mastigação e o mal de Alzheimer

A orientação para que os alimentos sejam bem mastigados não é conversa para crianças. A mastigação, além de estimular as articulações dentárias, propicia, por meio do sistema nervoso dentário, a comunicação com o sistema nervoso central. Ela influi também na parte fisiológica e bioquímica, com a salivação ao mastigar e deglutir. “No desequilíbrio da maloclusão este ato não se completa. O princípio da mastigação está em triturar os alimentos maiores para a formação de enzimas salivares que auxiliam na digestão, que se inicia na boca e se completa na região estomacal, propiciando a absorção dos elementos nutritivos pelos intestinos e, no sangue, pelas células e órgãos. Quando se mastiga mal, a saliva tem seu pH alterado, tornando-se ácida ou excessivamente alcalina, o que é prejudicial para o organismo, predispondo-o a doenças diversas”, adverte o professor Darcy Nouer.

Nouer presidiu no início de abril o 2º Congresso Internacional e 3o Paulista de Especialistas em Ortodontia e Ortopedia Facial. O evento foi realizado em Campinas pela Associação Paulista de Especialistas em Ortodontia e Ortopedia Facial (APEO), atualmente presidida por Paulo Roberto de Aranha Nouer, professor colaborador da FOP. Entre os principais palestrantes esteve o professor Kazuo Tanne, coordenador de um importante centro de pesquisas sobre crescimento e desenvolvimento do crânio e da face da Faculdade de Odontologia da Universidade de Hiroshima.

Ao ministrar na FOP um curso pré-congresso para pós-graduandos da Ortodontia, Kazuo Tanne falou sobre um trabalho de grande impacto na área, que relaciona as eficiências e deficiências na mastigação com o mal de Alzheimer. Os resultados demonstram que nessas degenerações, tanto no homem como nos animais de laboratório, observa-se a formação no sistema nervoso central de placas da proteína denominada Beta, que são indicadoras do Alzheimer. Essas placas causam degeneração dos neurônios como se fosse uma hemorragia. “O governo do Japão está investindo muito em pesquisas com a proteína Beta, precursora desta doença, cuja incidência aumentou numa população que tem expectativa de vida acima dos 80 anos”, esclarece o professor da FOP.

Kazuo Tanne realizou um primeiro experimento com ratos de laboratório, comparando um grupo de animais anômalos, sem dentes, com um grupo de animais normais, oferecendo aos primeiros alimentos moles e aos outros alimentos fibrosos. Examinando lâminas microscópicas de tecidos do córtex cerebral, observou que os neurônios dos ratos desdentados estavam degenerados pelas placas de proteína Beta, enquanto que os ratos normais não apresentavam nenhum sinal de alterações, com ausência das placas.

Num segundo experimento, Tanne comparou dois grupos de ratos com dentições sadias e mesmo peso e idade, oferecendo alimentos moles aos primeiros e alimentos duros e fibrosos aos segundos. “As placas apareceram novamente nos ratos que foram servidos com alimento moles, ou seja, que não mastigavam, levando a uma degeneração do sistema nervoso central. Esse trabalho só veio confirmar a importância da preservação do equilíbrio e da função mastigatória para a manutenção da saúde geral, o que já vínhamos observando nos trabalhos clínicos da FOP”, conclui Darcy Nouer.

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