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Como foi criada e se desenvolveu uma das
principais escolas de lingüística e teoria literária do país

Onde a linguagem
é o eixo da pesquisa

CLAYTON LEVY
O crítico Antonio Candido na biblioteca de seu pai, doada à Unicamp: escalando o time de professores de Teoria Literária (Fotos: Cedae-IEL/Unicamp)

Carlos Vogt olhou para a paisagem e pensou: “Meu Deus, onde vim parar?!”. O lugar, praticamente um pasto com alguns barracões, contrastava com a efervescência urbana da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Um ano antes, em outubro de 1968, ele havia testemunhado a invasão do prédio na rua Maria Antonia por membros do Comitê de Caça aos Comunistas. Como estudante de letras, participara ativamente das agitações políticas que, entre outras coisas, discutiam a reforma universitária, nos moldes do que já vinha ocorrendo em Paris e Berkeley. Agora, do alto da colina em que avistava o campus da Unicamp, ao final da estradinha de terra que principiava no bucólico distrito de Barão Geraldo, a única agitação presente vinha do vento morno sacudindo as touceiras de capim colonião.

O susto, porém, durou pouco. Alguns meses depois, no início de 1970, já como professor contratado, Vogt embarcaria para a França junto com os colegas Carlos Franchi, Haquira Osakabe e Rodolfo Ilari. A viagem era parte da estratégia do filósofo Fausto Castilho para constituir a área de ciências humanas da Unicamp. No ano seguinte, após concluírem a pós-graduação em Besançon, os quatro retornariam a Campinas para estabelecer as bases do Departamento de Lingüística que, ao lado da Economia e das Ciências Sociais, compunham a área de Humanidades da Unicamp, enfeixada no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH).

Carlos Franchi, professor emérito: consolidando os três departamentos do IEL depois da saída do parceiro Candido O grupo foi responsável por introduzir os estudos da lingüística contemporânea nas universidades brasileiras. Também foi o primeiro departamento de lingüística criado no Brasil, já então responsável por um bacharelado em lingüística bastante especializado e por um mestrado que, rapidamente, ganhou  repercussão nacional. Começava a se formar, no IFCH, o embrião que faria surgir, em 1977, o Instituto de Estudos de Linguagem, o IEL.

Entre a consolidação do Departamento de Lingüística e o desmembramento que resultaria na criação do IEL, ocorreram dois movimentos cuja conjugação reuniria, numa única universidade e no mesmo período, um grupo de intelectuais de rara densidade no cenário acadêmico da época. O primeiro teve início em 1972, com a chegada de professores e estudantes que integravam o Programa de Lingüística do Museu Nacional, no Rio de Janeiro. O segundo, ocorrido a partir de 1975, foi marcado pela vinda do grupo de teoria literária, liderado pelo crítico Antonio Candido. Vogt, Franchi e Osakabe participaram diretamente dos dois movimentos.

A chegada do grupo carioca, formado por Aryon Rodrigues, Antonio Quícoli e Bryan Head, entre outros, não passou despercebida. Arestas tiveram de ser aparadas. Mas no fim prevaleceu o objetivo principal, que era desenvolver um projeto diferente, no qual todas as tendências teóricas pudessem conviver e trocar informações entre si. Enquanto Quícoli, discípulo de Noam Chomsky, cuidava da lingüística gerativo-transformacional, Aryon ficava com a lingüística indígena e Bryan com a sócio-lingüística.

Carlos Vogt quando reitor: da agitação da Maria Antonia para o canavialAs áreas foram crescendo. Indicada por Aryon, Karel Sthol promoveu um bem-sucedido curso de psicolingüística financiado pela Fapesp. Claudia Lemos, aluna brilhante de Letras Clássicas na USP, teve contato com a psicolingüística e foi para a Inglaterra. Voltou doutora e acabou contratada pela Unicamp. Osvaldo Porchat formou o Centro de Lógica e Epistemologia. Outros nomes chegaram, como Fernando Tarallo, Tânia Maria Alkimin, Marco Antonio de Oliveira, Marcelo Dascal e Edson Françoso. Em pouco tempo estavam consolidadas as áreas de gerativa, sociolingüística, lingüística indígena, semântica argumentativa, introdução à lógica e semântica formal.

2º movimento – Era hora de dar início ao segundo movimento, que criaria as condições para a formulação e implantação do IEL. Desde 1973, o plano diretor da Unicamp já previa a criação de uma faculdade de Letras. A idéia de Zeferino era criar uma instituição nos moldes tradicionais, seguindo o modelo da USP. Entretanto, era consenso no Departamento de Lingüística do IFCH que a nova unidade deveria ter um caráter inovador, estruturando-se em torno da questão da linguagem. O desafio, agora, era convencer Zeferino de que valia a pena mudar o foco. Foi quando Antonio Candido entrou em cena.

Corria o ano de 1975. Sabia-se que Zeferino alimentava o desejo de um dia trazer Antonio Candido para os quadros da Unicamp. Ao mesmo tempo, Candido nunca escondera sua admiração por Zeferino. Vogt, que fora aluno de Candido na USP e agora ocupava a chefia do Departamento de Lingüística no IFCH, enxergou nesse vínculo a chance de atingir dois objetivos com uma única tacada. Em consenso com os colegas do departamento, expôs a situação a Candido. O crítico deu sinais de interesse e ficou aguardando o desfecho.

Uma semana após conversar com Candido, Vogt recebe um telefonema. Era Arnaldo Camargo, ex-delegado do DOPS e agora chefe de gabinete de Zeferino: “Meu jovem, o professor está querendo falar com você”. Na reitoria, numa conversa reservada, Zeferino foi direto ao assunto. Precisava definir a formação da faculdade de Letras. Respaldado pelos colegas do departamento, Vogt disse a Zeferino que Candido estava disposto a vir, desde que a nova unidade não seguisse o modelo tradicional.

Haquira Osakabe na década de 70: no grupo enviado à França Zeferino não hesitou. Segurou a piteira num gesto característico e, entre uma tragada e outra, deu sinal verde. O crítico não só concordou em vir para a Unicamp como passou a escalar o time de professores de Teoria Literária que pretendia trazer. O grupo não era trivial: Roberto Schwarz, Modesto Carone, Berta Waldman, Adélia Bezerra de Menezes e José Miguel Wisnik, entre outros.

Quadro invejável – Agora, além de reunir um invejável quadro de competências para o desempenho da Lingüística nas diferentes áreas, o Departamento também reunia um seleto grupo de intelectuais voltados para a teoria literária, o que atendia o requisito básico para uma faculdade de Letras, que era oferecer cursos de licenciatura. A nova unidade chegou a existir no papel para satisfazer o estatuto da Universidade, mas tudo não passou de um artifício legal. A idéia era ganhar tempo até que fossem reunidas as condições ideais para a formação de um instituto com perfil diferenciado, separado do IFCH, o que não demorou a acontecer.

Em 30 de novembro de 1976, Wilson Cano, então diretor do IFCH, encaminhou a Zeferino ofício com o projeto de constituição do IEL. O novo instituto era definido como “unidade de ensino e pesquisa, nos níveis de graduação e pós-graduação, destinada a formar docentes e pesquisadores no domínio dos estudos sobre a linguagem humana em suas diversas manifestações”. No ano seguinte, após aprovação pelo Conselho Estadual de Educação, o IEL entra em atividade sob a batuta de Antonio Candido.

Pesquisas dentro da Biblioteca do IEL em 1989: escola da linguagem humana já reconhecida No IEL, Candido faria dobradinha com Carlos Franchi. O crítico dirigia o instituto, vindo a Campinas duas vezes por semana, enquanto Franchi, como diretor associado, cuidava da parte administrativa. Aos poucos, a nova unidade foi assumindo as marcas de seu diretor, unindo sobriedade e exuberância intelectual. Com o IEL o grupo adquiriu prestígio acadêmico e espaço institucional, embora os físicos e os matemáticos ainda o olhassem um pouco de lado.

Consolidação – Candido, que se comprometera a ficar como diretor pelo período de dois anos, até que o novo instituto estivesse estruturado, deixou o cargo em 1979. Franchi assumiu o posto em seu lugar, dando continuidade ao plano traçado, consolidando os três departamentos que formam a unidade: Lingüística, Teoria Literária e Lingüística Aplicada. Para o IEL, esse foi um período não só de definição institucional e administrativa (foi nessa época, por exemplo, que a totalidade do corpo docente passou a atuar em regime de período integral, uma opção que foi aberta inclusive aos professores de línguas), mas ainda o período de gestação de alguns importantes projetos coletivos de pesquisa (como o Projeto “Estudo da Aquisição da Linguagem”) e de realização de encontros memoráveis (por exemplo, o Primeiro Encontro Internacional de Filosofia da Linguagem, de 1981).

Rodolfo Ilari ao microfone,ladeado por Francisco Hardman e Vogt em sua posse como diretor em 91O mandato de Franchi, estipulado para quatro anos, foi suspenso por um ato do então governador Paulo Maluf, que em 1981 determinou intervenção na Unicamp. Para exercer o papel de interventor no IEL, o estado nomeou o professor Soares Amora, da USP. Antes que rumasse para Campinas, porém, chegou a ele a “sugestão” para que não tentasse assumir o comando do IEL, a menos que estivesse disposto a sofrer um desgaste desnecessário. O interventor achou melhor seguir a sugestão e ficou em São Paulo.

Franchi morreu vítima de câncer, aos 69 anos, em 25 de agosto de 2001, 22 dias depois de receber o título de Professor Emérito da Unicamp. Em entrevista à Revista GEL [Grupo de Estudos Lingüísticos do Estado de São Paulo], ele resumiu numa frase bem-humorada o esforço do grupo: “Está tudo aí, agora é só não deixar morrer”. O humor de Franchi tinha qualquer coisa de sério. O IEL tornou-se, em muito pouco tempo, uma das mais vivas escolas de estudos de língua e literatura no mundo lusófono e fora dele.

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