A Moradia Estudantil da Unicamp nunca foi um espaço exclusivo dos estudantes. Eles próprios sempre tomaram a iniciativa de transformar o benefício que recebem em ações sociais para a comunidade, oferecendo, por exemplo, cursos preparatórios para o vestibular e para exames supletivos à gente da vizinhança. Contudo, desde a inauguração da área com suas 253 residências, em 1989, nunca se viu número tão grande de projetos contemplando os moradores e, em grande parte, também a comunidade do entorno. Ao todo são 30 projetos de extensão dentro do Programa de Moradia Estudantil (PME), implementados ou em vias de implementação.
Um canteiro de plantas medicinais e uma horta orgânica comunitários, orientações para cuidar de hortas e jardins nas residências, gerenciamento de resíduos sólidos, biblioteca, laboratório fotográfico, cineclube, programas de atividades físicas, curso de dança de salão, capoeira para mulheres, atividades educacionais e de recreação para as crianças, educação musical infantil, organização de uma creche, eventos culturais, aulas de violão, canto coral, aulas de xadrez, oficinas de xilogravura, orientação e prevenção de doenças, a convivência com animais domésticos, música popular brasileira (aulas, palestras e workshops), mapeamento ambiental, um Jornal da Moradia.
O objetivo dos estudantes, segundo Fabiano Lourenço Crespilho, membro do Conselho Deliberativo, é seguir as premissas da Unicamp que se configuram a partir das atividades do ensino, pesquisa e extensão. “É o que estamos conseguindo com os projetos que não surgiram por acaso. O grupo se concentra em estratégias para viabilizar trabalhos que impliquem em responsabilidade social”, frisa. Lourenço acredita que essas iniciativas permitem ao aluno não apenas oferecer à comunidade um retorno do benefício do acesso ao saber acadêmico universitário, mas também atuar na geração de novos conhecimentos a partir da troca de informações. “Estamos imbuídos do intento de construir um novo paradigma de integração, vivência e compartilhamento de conhecimentos”, destaca Fabi Jesus, assessora técnica para a viabilização de projetos do PME.
Na opinião da assessora, a Moradia oferece a oportunidade de vivenciar a Universidade de forma mais marcante. “A convivência diária com pessoas de cursos diferentes que investem em sua formação científica e artística nas diversas esferas do saber, e também pessoas de culturas e lugares diversos, fazem com que a Moradia se constitua num espaço onde as trocas acadêmicas e culturais aconteçam de forma potencializada”, argumenta. Residente há três anos na Moradia, Fabi Jesus acredita que está se vivendo ali um momento singular, pois até o final do ano passado eram apenas sete projetos em andamento. “Além do aumento considerável de iniciativas dos estudantes no sentido de praticar o saber acadêmico, transformando-o em benefício à realidade social na qual estamos inseridos, o alcance dos projetos tem sido ampliado. Pretendemos cada vez mais aumentar os laços com a comunidade”, argumenta.
Aproximação Atualmente, uma estrutura foi montada para dar suporte aos trabalhos, com o total apoio da Coordenação Executiva. Fabi Jesus, encarregada de estudar alternativas para angariar os fundos necessários, é responsável pela elaboração de projetos, cujo objetivo é o de buscar recursos que auxiliem nas demandas deste trabalho. “A Moradia vislumbra hoje outros horizontes. Seremos contemplados com recursos para utilização nas propostas de trabalho dos estudantes e também obtivemos verba, este ano, para a realização do evento de recepção dos calouros”, esclarece.
A professora Kátia Stancato, coordenadora executiva do PME, acha que o momento é de aproximação e vê como um novo paradigma a vivência, integração e compartilhamento de saberes socialmente produzidos no espaço da Moradia. Daí a preocupação da administração em pautar suas ações a partir da participação ativa dos moradores. “É fundamental dar aos estudantes a oportunidade de utilização do espaço com projetos que resultem em uma comunidade saudável. Há diversos problemas de estrutura a serem enfrentados, mas acredito que estamos no caminho certo para que todo o trabalho reverta também em bom desempenho acadêmico dos estudantes”, destaca.
Programas reúnem 37 crianças que dividem o mesmo espaço
Quem percorre as ruas da Moradia Estudantil logo vai atentar para um alegre detalhe no cenário: é o grande número de crianças que ali residem com os pais estudantes. São 37 meninos e meninas, de várias faixas etárias, o que levou a Comissão de Projetos a elaborar três atividades especialmente voltadas para elas, no intuito de facilitar sua integração.
Desde abril, Adriana do Amaral e Luciana Holland vêm reunindo uma grande roda de crianças em atividades que envolvem arte-educação e educação musical. “De forma lúdica e contextualizada dentro do universo da criança, promovemos encontros semanais em que procuramos trabalhar temas relacionados à coletividade, violência e gênero, dentre outros”, explica Adriana, a respeito do projeto batizado de Cidadania e Ação Social na Infância.
Outro projeto que Adriana do Amaral vai implementar nas próximas semanas é a horta escolar. Já foi escolhido um canto para que os pequenos recebam aprendam sobre as espécies de plantas e a plantá-las. Luciana Holland, por sua vez, dedica-se a passar noções de música às crianças, com teclado e violão. Nesse primeiro momento, apenas as crianças da Moradia participam das atividades infantis, mas a idéia é estender o programa para a comunidade externa. “Para nós, este trabalho também abre espaço para uma futura especialização”, diz Luciana.
Capoeira para mulheres gera pesquisa acadêmica
Mais do que projetos sociais para a comunidade, alguns deles se destacam porque também constituem um rico material para a pesquisa acadêmica, como o projeto Capoeira para Mulheres. Camila Rocha Firmino, ao mesmo tempo em que proporciona para as mulheres noções básicas de defesa pessoal por meio da capoeira, já elabora a partir desta atividade na Moradia o seu projeto de mestrado, que deve iniciar no próximo ano. Camila faz Ciências Sociais em Antropologia, sendo que as questões de gênero chamam mais a sua atenção. “À medida que me aprofundei no tema, percebi o potencial de uma pesquisa relacionada à influência negativa dos discursos sobre a fragilidade feminina no aprendizado de capoeira”, antecipa.
Capoeirista desde os 15 anos de idade, Camila Firmino argumenta que, embora a atividade oferecida vise à defesa pessoal das mulheres, não deve haver diferenciação no ensino da arte em relação aos homens. “O ensino que se pratica baseia-se nos discursos médicos que pregam a diferenciação biológica dos sexos, o que já não condiz com a realidade. Esses discursos há muito perderam força científica. Por isso, a proposta é criar espaços em que essas reflexões surjam de maneira espontânea”, afirma. Cerca de dez jovens participam das oficinas oferecidas por Camila Firmino aos domingos pela manhã.