Segundo o professor Eduardo Guimarães, presidente da Comissão Unicamp 40 Anos, a programação tem vários objetivos, entre os quais desenvolver uma programação cultural importante que não se restrinja à Universidade. “No caso da mostra, que será fora do campus, a idéia é exibir filmes que privilegiem a arte e a história no cinema, levando o nome da Universidade para a comunidade de Campinas”. Os ciclos de cinema acontecerão sempre na última semana de cada mês, até outubro.
Nesta entrevista, Brant fala sobre sua obra e revela que acaba de rodar outro filme, “Cão sem dono”, cujo lançamento está previsto para o ano que vem.
Jornal da Unicamp Você sempre exibiu seus filmes fora do circuito comercial. Como vê a oportunidade de mostrá-los à comunidade da Unicamp?
Beto Brant Não abro mão da minha integridade apenas para me inserir na grande mídia. Não negociamos com co-produtores de televisão e de grandes estúdios. Liberdade criativa não se negocia. Sabemos que o número de espectadores não consta no caderno do Filme B, não levamos esses indicadores em conta. Eles são enganosos, mesmo porque os filmes continuam a ser exibidos depois de muitos anos. Agora, por exemplo, a rede do Sesi está exibindo uma retrospectiva dos meus filmes em 11 cidades do interior de São Paulo. Eu aposto muito nessa coisa de mostrar o meu trabalho para quem de fato está a fim.
No caso da Unicamp, por exemplo, já mostrei “O Invasor” e “Ação entre amigos”. Este último foi exibido no Ginásio de Esportes para jovens do MST que participavam de um encontro nacional de sem-terra. A exibição foi feita numa tela pequena para mais de mil pessoas. Tinha gente de todos os lugares. Foi muito marcante o público, que estava muito concentrado, participou depois de um debate. Eu nunca havia tido uma experiência como essa.
JU Você se considera tributário do chamado Cinema da Retomada?
Brant Comecei a me envolver com o roteiro de “Os Matadores” em 1993; as filmagens tiveram início em 1995, ano da Lei do Audiovisual e no qual quatro estreantes e alguns veteranos foram premiados. Entre os estreantes, estavam, além de mim, os diretores de “Carlota Joaquina”, “Baile perfumado” e “Revolta dos demônios”, que depois seria rebatizado. Realmente, 1995 marcou o reinício da produção de longa-metragem depois que o Collor bagunçou geral a atividade. Muitos cineastas da geração 87/90, que faziam curtas, participaram dessa rearticulação da política cinematográfica.
JU Que balanço você faz do período?
Brant Não sou um analista de cinema, mas acho que, de alguma maneira, está havendo uma descentralização da produção, que hoje não se restringe ao eixo Rio-São Paulo. Várias outras cinematografias emergentes começaram a ganhar espaço nos últimos anos, até por conta dessa política recente do Ministério da Cultura. Estados como Bahia, Pernambuco, Brasília, Rio Grande do Sul, Ceará e Santa Catarina têm hoje uma produção bastante representativa, com filmes marcantes.
O documentário também ganhou muito espaço nos últimos anos. Além de valorizado, conquistou o público. O cinema digital permitiu que muita gente produzisse. O momento histórico também pesa. Houve um amadurecimento da sociedade brasileira, que quer buscar uma informação mais rápida e que transcenda os interesses corporativos dos jornais.
JU Apesar das diferentes ambientações e temáticas, seus filmes têm uma característica comum, entre as quais o olhar atento sobre a realidade brasileira. Algum projeto permeia o conjunto da obra?
Brant O cinema que estamos fazendo eu digo nós porque tem o Renato Ciasca, companheiro de longa data, e Bianca Villar [produção] tem a parceria do escritor, jornalista e roteirista Marçal Aquino. Existem aspectos da literatura do Marçal que estão muito ligados ao contemporâneo e ao olhar jornalístico. Seu olhar literário, entretanto, transpõe essa matéria jornalística que o inspira.
JU Nesse sentido, como você classificaria “Crime Delicado”, filme cujo andamento é diferente e que parte da crítica acha intimista?
Brant Trata-se da adaptação de um livro do Sérgio Sant’Anna, que foi proposto pelo Marco Ricca. Caímos de cabeça no projeto, tentamos fazer o melhor possível. É um filme mais subjetivo, enquanto os outros eram mais narrativos, com uma idéia central e questionamentos que vinham da literatura do Marçal falam da violência rural (“O matador”), da violência urbana (“O invasor”) e da história recente do país (“Ação entre amigos”). Meus filmes têm sim um projeto estético e político. Já “Crime delicado” tem como tema central a busca de outras questões, entre as quais o universo da arte.
JU - O que significa ser um cineasta autoral num país como o Brasil?
Brant O processo de confecção de meus filmes é aberto. Todo mundo pode se expressar, não é uma coisa fechada. Cinema autoral parece aquela coisa de o sujeito ter realizado tudo. Não é o meu caso. A gente filma no set; não gosto de filmar no papel. Meu processo de criação é o mais aberto possível. O autoral, no caso, está presente na liberdade e na integridade. “Crime Delicado”, por exemplo, reuniu, além do Marçal e do Renato, grandes artistas: o artista plástico Felipe Ehrenberg, os atores Lílian Taublib e Marco Ricca (também produtor), o teatrólogo Maurício Parone, Walter Carvalho (direção de fotografia) etc.
JU A literatura sempre esteve presente em seus filmes. Como se deu essa aproximação?
Brant Não sou um grande leitor, mas, de todos os filmes que fiz, desde os curtas, o ponto de partida foi a literatura. Agora, por exemplo, acabo de rodar em Porto Alegre um filme feito a partir do livro “Até o dia em que o cão morreu”, do escritor gaúcho Daniel Galera. O longa vai se chamar “Cão sem dono”. A previsão é que seja exibido no ano que vem.
PROGRAMAÇÃO:
Bate-papo Beto Brant Dia 24, às 15 horas, no Centro de Convenções da Unicamp
Crime Delicado Todos os dias, a partir de 26/05, às 15h40 e 21h15
Os Matadores Dias 26 e 27/05, às 19h40
Ação entre Amigos Dias 28 e 29/05, às 19h40
O Invasor Dias 30 e 31/05 e 1/06. às 19h40
(No Cine Paradiso Barão de Jaguara, 936, Centro. Telefone: 3234-4741)