| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 325 - 29 de maio a 4 de junho de 2006
Leia nesta edição
Capa
Artigo: Semicondutores
Cartas
Instituto de Computação
Mundialização
Mandarim 26
Futebol
Estudo: Jornal da Unicamp
Painel da semana
Teses
Unicamp na mídia
Livro da semana
Portal da Unicamp
Inglês para crianças
Leis para refugiados
Cárie e gengivite
Educação moral
 


8-9

Briga entre corintianos e santistas no Tobogã do Pacaembu em 1998: tolerância zeroDaqui a poucos dias, mais precisamente em 9 de junho, terá início a Copa do Mundo, evento mais importante do futebol. A competição, que ocorre a cada quatro anos, movimenta cifras impressionantes, além de mexer com a rotina de centenas de milhões de pessoas em todo o planeta. No Brasil, país onde o esporte merece a predileção da população, está tudo pronto para que os torcedores acompanhem a trajetória da seleção em busca do hexacampeonato. Ruas e casas estão sendo enfeitadas e empresas e instituições já definiram expedientes reduzidos. Só resta agora esperar que o time dirigido pelo técnico Carlos Alberto Parreira confirme o favoritismo e conquiste mais uma vez a taça. Aproveitando o clima proporcionado pelo Mundial, o Jornal da Unicamp reserva nesta edição um espaço privilegiado ao futebol, tema que tem merecido cada vez mais atenção por parte da academia. Nos textos que seguem, três pesquisadores e um especialista em marketing esportivo falam sobre questões relacionadas à modalidade, como estratégia de jogo, violência, dom e ginga. Com a bola, o leitor.

O desafio de controlar a violência

Marco Aurélio Klein:mudar a legislação (Foto: Antoninho Perri)Quando a seleção brasileira iniciar a disputa da Copa do Mundo, no dia 13 de junho, diante da Croácia, os principais dirigentes do futebol brasileiro e as autoridades do Planalto terão os olhos na Alemanha e os pensamentos em 2014, ano em que o Brasil pretende sediar a competição. Mas para que ganhe o direito de organizar o Mundial, o país terá que cumprir diversas exigências impostas pela Federação Internacional de Futebol (Fifa), entre elas dotar os estádios nacionais de infra-estrutura adequada. Outro ponto igualmente importante será controlar a violência, especialmente aquela relacionada ao esporte. “A violência constitui um sério impedimento à pretensão do Brasil de organizar a Copa”, reconhece Marco Aurelio Klein, coordenador-executivo da Comissão Paz no Esporte, criada pelos ministérios do Esporte e Justiça para propor soluções ao problema.

No último dia 4 de maio, Klein, que é especialista em marketing esportivo e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), ministrou palestra na Unicamp a convite do Grupo de Estudos sobre o Futebol (GEF) da Faculdade de Educação Física (FEF). Na oportunidade, ele apresentou os resultados do primeiro ano de atividades da Comissão. Nesse período, segundo ele, foram ouvidos representantes de diversos segmentos ligados direta ou indiretamente ao futebol. O objetivo da iniciativa foi tomar contato com as diferentes visões sobre o problema da violência relacionada ao esporte e colher contribuições para o enfrentamento do problema. De modo geral, ficou constatado que a situação é grave e apresenta múltiplas dimensões.

Feito o diagnóstico, a Comissão partirá agora para a segunda etapa do trabalho, que consistirá na criação de grupos de estudo para sugerir mudanças na legislação e definir meios para a obtenção de receitas que permitam a execução de projetos voltados à ampliação da segurança nos estádios e no seu entorno. De acordo com Klein, o combate à violência relacionada com o futebol é fundamental para o desenvolvimento do esporte nacional e indispensável para um país que deseja sediar a Copa do Mundo da modalidade em 2014. Na avaliação dele, embora o problema seja complexo e de difícil solução, o Brasil tem condições de enfrentá-lo. Baseado na experiência da Inglaterra, que adotou variadas medidas para combater o hooliganismo, ele defende a idéia segundo a qual a partida de futebol deve ser encarada como um espetáculo, a exemplo do que acontece com um show musical. Dessa forma, o espaço [estádio] destinado ao evento precisa oferecer conforto, segurança e higiene aos consumidores [torcedores]. Ou seja, exatamente o contrário do que acontece atualmente.

Além disso, prossegue Klein, é necessário estabelecer mecanismos operacionais e legais que permitam a identificação e punição dos torcedores que cometem atos violentos no interior ou nas proximidades das arenas esportivas. “Temos que aperfeiçoar a legislação, incentivar o trabalho de inteligência das polícias, dotar os estádios com câmeras e profissionalizar as pessoas que mantêm contato com a torcida. Evidentemente, isso tem que ser implementado aos poucos, possivelmente por meio de projetos-piloto. Conforme as experiências forem dando certo, bastará sistematizá-las e estendê-las para outros pontos. Em um dado momento, os ingleses tinham problemas muito parecidos com os nossos. Se eles conseguiram resolvê-los, nós também podemos”, prevê.

Saldo dos confrontos – Conforme os dados apresentados pelo coordenador-executivo da Comissão Paz no Esporte, entre 1995 e 2006 os confrontos entre torcedores deixaram um saldo de 22 mortos e 107 feridos. Pesquisa feita em conjunto pelo jornal Lance e pelo Ibope revela que 79% dos fãs de futebol apontam a violência como a principal causa do seu afastamento dos estádios. Outros 14% disseram que o motivo é a falta de conforto. Atualmente, a taxa média de ocupação das arenas esportivas no país é de 20% durante do Campeonato Brasileiro. No Campeonato Espanhol, esse índice atinge 78%. “Se atacarmos essas questões com eficiência e inteligência, penso que poderemos ampliar as receitas dos times nacionais em R$ 80 milhões num primeiro momento, sem promover qualquer aumento no preço dos ingressos”, projeta Klein.

Para controlar a violência associada ao futebol, na opinião do coordenador-executivo da Comissão Paz no Esporte, não é preciso acabar com as torcidas organizadas, como defendem algumas correntes. Ele lembra que são essas agremiações de torcedores que ajudam a dar beleza e emoção ao jogo. Apenas para se ter uma idéia, o Corinthians tem atualmente apenas 2,8 mil associados. Já a Gaviões da Fiel, maior torcida organizada do time, conta com 60 mil sócios. “As organizadas não são a causa da violência, mas a conseqüência de um conjunto de fatores. O que precisamos fazer é utilizar meios eficientes de identificar e punir o torcedor violento”, insiste.

Tolerância zero – Klein defende a adoção do conceito de tolerância zero em relação aos fãs de futebol que promovem brigas ou atos de vandalismo no interior e imediação dos estádios. Para justificar sua posição, ele cita a “teoria da janela quebrada”, que sentencia que se o responsável pela destruição de uma simples janela não for punido e a peça não for consertada imediatamente, a falta de providência incentivará novos e, possivelmente, piores ataques. O coordenador-executivo da Comissão paz no Esporte participou do ciclo de palestras promovido pelo GEF, que tem coordenação da professora Heloisa Helena Baldy dos Reis. Segundo ela, o objetivo do grupo é aprofundar o estudo do futebol a partir dos referenciais proporcionados pelas ciências humanas.

Pesquisador contesta crença
de que brasileiro é bom de bola por natureza


José Florenzano (esq) e Ariel Damo (dir): contestando a crença do talento nato (Foto: Antoninho Perri)Considerada favorita para a conquista da Copa da Alemanha, a seleção brasileira tem tido a sua superioridade cantada em prosa e verso pela crítica esportiva mundial e até mesmo pelos adversários. Nem o eterno ranzinza Diego Maradona, ex-jogador da seleção argentina e eterno opositor do futebol tupiniquim, deixou de reconhecer que o time dirigido pelo técnico Carlos Alberto Parreira é o maior candidato à taça, o que, se confirmado, fará com que o país bata seu próprio recorde e passe a somar seis títulos mundiais. Boa parte desse favoritismo é creditada ao perfil do jogador brasileiro, que segundo crença relativamente generalizada teria um dom natural para jogar bola. Mas será que é assim mesmo? Não, na opinião do educador físico Arlei Sander Damo, professor da Universidade de Santa Cruz do Sul. Segundo ele, para se tornar um profissional do futebol, o candidato a craque passa por um longo, penoso e custoso processo de formação.

Damo participou, no último dia 16 de maio, de um debate sob o tema “Copa do Mundo”, promovido em conjunto pela Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp, Grupo de Estudos sobre o Futebol (GEF) e Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE). Em sua fala, o pesquisador lembrou que o dom tornou-se uma categoria importante tanto no esporte quanto na arte, pois se considera que ele está na gênese das duas atividades, embora ninguém saiba explicar exatamente o que é. No caso do futebol, quando o atleta é incorporado pelo mercado do espetáculo, dom passa a ser sinônimo de talento.

O docente da Universidade de Santa Cruz do Sul defende a necessidade de superar a idéia de que o brasileiro é bom de bola por natureza ou porque a sua habilidade está relacionada à sua herança étnica. Segundo ele, o processo de formação do atleta é longo e penoso, além de exigir investimentos de risco por parte dos clubes. “Para transformar um menino num atleta profissional são necessários dez anos e cerca de 5 mil horas de treinamentos. Essa carga horária é semelhante à de um curso de nível superior com cinco anos de duração”, compara.

Ainda conforme Damo, esse tipo de investimento dificilmente tem reconversão. Se um garoto não se transformar num jogador de sucesso, diz, todo o tempo, treinamento e dinheiro empregados na sua formação não serão recuperados. Em terras tupiniquins, prossegue o docente, esse processo é especialmente problemático para os aspirantes a astros dos gramados por deixar a educação em segundo plano. Enquanto no Brasil os garotos das categorias de base dos clubes normalmente freqüentam as aulas no período noturno, ficando o dia todo à disposição dos treinos, na França os jovens atletas dividem seu tempo entre o campo e a escola. “Dessa maneira, aqueles que percebem que não terão futuro no esporte podem dar seqüência aos estudos e buscar outra profissão”.

O técnico Carlos Alberto Parreira comanda treinamento da seleção na Granja Comary: para pesquisador Ariel Damo, o jogador brasileiro tem um "corpo musical" (Foto: Antônio Gaudério/Folha Imagem)Segundo dados fornecidos por Damo, o futebol brasileiro dispõe atualmente de 10 a 12 mil postos de trabalho. No máximo mil deles proporcionam remuneração acima de 20 salários mínimos, que equivalem a R$ 7 mil. “O restante dos jogadores submete-se a empregos sazonais, que pagam salários extremamente precários”. Entre os que se destacam no mundo da bola, conclui o pesquisador, muitos seguem para o exterior, o que faz do Brasil um dos principais fornecedores de “pé-de-obra” para países como Espanha, Alemanha, Itália, França e Inglaterra. Atualmente, 20% dos estrangeiros que atuam em equipes da Comunidade Européia são brasileiros.

Corpo musical – Quem também participou do debate na Unicamp foi José Paulo Florenzano, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, que falou sobre a ginga no futebol. De acordo com ele, assim como o dom, a ginga não pode ser considerada uma qualidade natural dos jogadores nacionais. Em sua opinião, essa característica é forjada na arquitetura das rodas de samba e capoeira, entre outras atividades normalmente exercidas pelas crianças que vivem majoritariamente nas periferias das cidades brasileiras. “O jogador brasileiro tem um corpo musical. O menino que bate bola também samba ou dança funk. Trata-se de um processo inacabado, um diálogo passível de incorporar novas expressões. O Brasil apresenta essa diversidade de práticas que se interpenetram e se influenciam mutuamente”, explica.

No entender de Florenzano, a ginga também pode ter uma dimensão política. O drible dado em campo, com o objetivo de superar o adversário, também pode ser dado fora dele, com o intuito de protestar contra uma determinada situação, por exemplo. É o que fizeram, segundo ele, atletas como Afonsinho, Paulo César Lima (mais conhecido como Paulo César Caju) e Reinaldo. Os dois primeiros foram considerados “jogadores-problema” por contestarem, respectivamente, o mecanismo da lei do passe e a falta de soberania dos futebolistas para gozar, da forma como achassem melhor, a vida privada. Já Reinaldo foi o primeiro jogador a criticar publicamente a ditadura, em uma entrevista para o então jornal O Movimento.

Os andarilhos – Incompreendidos em suas respectivas épocas, esses atletas, afirma Florenzano, não se conformavam em seguir determinadas regras, sendo uma em especial: a que determinava que os futebolistas não deveriam pensar, mas apenas jogar bola. “Sócrates, um dos líderes da ‘democracia corintiana’, enfrentou inúmeros problemas quando se transferiu para a Itália, para atuar pela Fiorentina. Como era uma pessoa esclarecida e politizada, ele se encontrou com representantes de movimentos sociais e do partido comunista italiano. Isso provocou a reação do técnico do time, que afirmou que não queria um jogador que pensasse, mas que jogasse”, exemplifica.

Florenzano considera esses jogadores como “andarilhos do futebol”, aproveitando uma definição de Nietzsche para o termo andarilho, entendido pelo filósofo como “aquele que é habitado por um espírito livre”. E a propósito de liberdade, o professor da PUC-SP encerrou a sua conferência citando um outro personagem famoso, o cineasta e poeta italiano Pier Paolo Pasolini, para quem “o futebol faz parte da bagagem cultural de todo o homem livre”.

Treinadores e jornalistas não se entendem
quanto a tática, estratégia e sistema de jogo


Caroline Vendite: eterna polêmica (Foto: Antoninho Perri)Mais comum do que o gol no futebol, só mesmo a polêmica. Que o digam treinadores e jornalistas esportivos, protagonistas contumazes de controvérsias que envolvem elementos relacionados à própria natureza do esporte, a saber: tática, estratégia e sistema de jogo. Ao analisarem esses componentes, os primeiros normalmente discordam dos segundos e vice-versa. “Isso ocorre porque esses profissionais têm formação diferenciada e, por isso mesmo, conhecimentos mais ou menos aprofundados acerca desses temas”, explica a jornalista Caroline Colucio Vendite, que acaba de apresentar dissertação de mestrado na Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp. Em seu estudo, ela concluiu que tanto técnicos quanto representantes da imprensa fazem confusão ao interpretar os referidos conceitos, com maior dificuldade por parte dos últimos.

De acordo com Caroline, quando o assunto é tática, estratégia ou sistema de jogo, treinadores e jornalistas esportivos falam linguagens diferentes. A origem do desentendimento, diz, está na formação dos profissionais. Boa parte dos técnicos passou pelo campo de jogo ou cursou Educação Física. Já repórteres e comentaristas não têm a mesma vivência. “Normalmente, os jornalistas migraram para a cobertura esportiva apenas porque gostam da área”, explica. Durante a pesquisa desenvolvida para a sua dissertação, a autora entrevistou 11 treinadores de times que disputaram a Série A do Campeonato Brasileiro de 2004 e oito jornalistas esportivos da Grande São Paulo, contratados por três diferentes veículos de comunicação: jornal, rádio e TV.

A jornalista pediu aos entrevistados que dissessem o que entendiam por tática, estratégia e sistema de jogo. Antes de revelar o resultado da sondagem, entretanto, convém definir esses três elementos, conforme dados contidos na literatura consultada por Caroline. Sistema de jogo é o posicionamento físico dos jogadores em campo, normalmente expresso por uma seqüência numérica do tipo 4-3-3 ou 3-5-2. Estratégia é a movimentação dos atletas no gramado, como ocorre quando o lateral avança em direção ao ataque ou o centroavante se desloca para receber o passe. Por fim, tática equivale à estratégia, mas é aplicada quando a bola está parada, como por ocasião da cobrança de uma falta ou escanteio. Conforme a pesquisadora, treinadores e jornalistas esportivos cometeram algumas confusões ao tentarem explicar esses pontos.

Da parte dos técnicos, afirma Caroline, os conflitos foram menores. “De modo geral, eles demonstraram uma boa compreensão sobres os três componentes. Um ou outro confundiu tática com estratégia e houve quem considerasse que sistema é tudo, pois seria o principal aspecto que leva à vitória numa partida”, relata. Já entre os jornalistas esportivos o desconhecimento foi bem maior. A maioria, segundo a autora da dissertação, não soube diferenciar tática de estratégia. Também houve quem não soubesse o que é sistema de jogo. “Como esses profissionais têm entendimentos diferentes sobre temas tão importantes para o futebol, é natural que haja divergências e, conseqüentemente, tensões entre eles. Penso que o conflito só será superado se as duas partes passarem a falar a mesma língua”.

A própria pesquisadora, que foi orientada pelo professor Antonio Carlos de Moraes, tem a intenção de produzir futuramente uma espécie de guia ou almanaque sobre o futebol que traga uma série de informações para o público interessado ou envolvido diretamente com o esporte. “O principal objetivo da publicação será uniformizar termos e conceitos, de modo a facilitar o diálogo principalmente entre as pessoas que trabalham com a modalidade”, antecipa Caroline.

SALA DE IMPRENSA - © 1994-2005 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP