Para salvar
o que
restou
Pesquisador identifica ecorregiões prioritárias para a conservação de espécies
MANUEL ALVES FILHO
No Brasil, as reservas ambientais são frequentemente delimitadas sem que sejam observados critérios científicos. Quase sempre, prevalecem outros aspectos, como interesses políticos, belezas naturais ou preços das terras. Graças a um estudo desenvolvido para a tese de doutoramento do biólogo Rafael Loyola, defendida recentemente no Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, a demarcação de áreas para a preservação de espécies vegetais e animais não precisa continuar obedecendo ao antigo receituário. No trabalho, orientado pelo professor Thomas Lewinsohn, o pesquisador identificou, em diferentes escalas geográficas (regional, continental e global), ecorregiões prioritárias para a conservação de vertebrados terrestres. “O que nós fizemos foi oferecer o necessário suporte científico para a tomada desse tipo de decisão”, afirma.
De acordo com Rafael Loyola, o estudo adotou critério único para a seleção das ecorregiões, qual seja, o quanto uma determinada área representa da diversidade do espaço mais geral onde ela está inserida. Dito de outro modo, o biólogo mensurou, por exemplo, a importância dos Andes em relação à América Latina, tendo como perspectiva a conservação dos vertebrados, com exceção das espécies marinhas. “O procedimento independe do país ou do continente, pois as espécies não se distribuem de maneira homogênea. A Mata Atlântica no litoral paulista, por exemplo, abriga um número maior de espécies do que a dos campos ao Sul do Brasil”, compara. O objetivo principal do trabalho, prossegue, foi resolver o seguinte problema: como conservar o maior número de espécies, usando a menor área possível.
Para
chegar a essa resposta, o pesquisador trabalhou com duas
dimensões diferentes. Primeiro, ele analisou o planeta
como um todo, para que pudesse ter uma ideia aproximada
do custo econômico de eventuais projetos. Assim, ele estabeleceu
uma equação que lhe deu o valor, em dólar, do quilômetro
quadrado para a criação de áreas de conservação. “Chegamos
a várias possibilidades”, diz. Além disso, Rafael Loyola
também selecionou as ecorregiões a partir de dois outros
critérios - as que detinham muitas espécies e as que abrigavam
espécies mais vulneráveis. “De maneira geral, algumas
áreas se repetiram, independentemente da estratégia de
preservação traçada”, informa.
Segundo ele, Sul do México, Andes, América Central e Sudeste Asiático sempre surgem como áreas prioritárias, a despeito do parâmetro escolhido. “Esses territórios necessitam de rápida intervenção, visto que são alvos de desmatamentos e abrigam espécies ameaçadas de extinção, sendo que algumas são únicas no mundo”, adverte Rafael Loyola. Em relação ao Brasil, emergiram do estudo as ecorregiões representadas pela Mata Atlântica, Cerrado e, obviamente, Amazônia. O autor da tese destaca, porém, que a pesquisa deve ser encarada como uma espécie de primeiro filtro. “Evidentemente, a proposta não é preservar essas macrorregiões como um todo. A partir dessa identificação, é preciso aplicar um segundo filtro, que determinará os segmentos que devem merecer uma ação de conservação propriamente dita”, explica.
Rafael Loyola assinala que embora não tenham sido delimitadas com base em critérios científicos, as áreas de preservação já existentes no país não devem ser desconsideradas e muito menos extintas. “Elas cumprem um papel, ainda que não seja da melhor maneira possível. Ou seja, têm que ser mantidas e complementadas”. Conforme o biólogo, o conceito de planejamento sistemático de conservação, no qual a sua tese está inserida, surgiu no final dos anos 80, mas ficou inicialmente restrito ao âmbito da academia. Somente uma década depois a sociedade começou a discutir mais amplamente e a colocar em prática os seus pressupostos. “O maior exemplo nesse sentido é a Austrália, onde temos experiências muito positivas. Na América Latina em geral e no Brasil em particular, muito pouco tem sido feito nessa linha”, considera.
Em parte, acrescenta o pesquisador, isso ocorre porque os tomadores de decisão nem sempre recorrem à comunidade científica para formular políticas públicas de conservação ambiental. As definições nessa área, diz Rafael Loyola, deveriam ser precedidas de uma análise multidisciplinar. “O que nós fizemos foi dar uma contribuição do ponto de vista biológico. Obviamente, um projeto de preservação pode envolver outros aspectos, como a eventual transferência de comunidades ou a eliminação de barragens. Nesse caso, seria necessário o aporte de outros campos do conhecimento, como a sociologia, antropologia, engenharia etc”.
Recentemente, de acordo com o biólogo, o Ministério do Meio Ambiente divulgou uma relação de áreas consideradas importantes do ponto de vista conservacionista, que foram definidas com base em algum critério científico. “Essas áreas não foram delimitadas com base no que estamos propondo, mas de toda forma representam um avanço em comparação com o que vinha sendo feito até então. Isso significa que, ainda que de forma incipiente, o conceito de planejamento sistemático de conservação começa a chegar aos órgãos governamentais. Ainda não estamos no mesmo patamar da Austrália, mas já é algo positivo”, avalia, acrescentando que é otimista quanto ao avanço dessa compreensão no país.
Artigos
A tese desenvolvida por Rafael Loyola rendeu nada menos do que sete artigos científicos, sendo que seis já foram publicados por revistas indexadas internacionalmente. Um deles também foi amplamente divulgado por jornais não especializados, causando uma grande repercussão junto à sociedade. Nele, o biólogo e seus colaboradores propuseram pela primeira vez a definição de áreas prioritárias para a conservação de anfíbios na América Latina. “Esse tipo de divulgação é importante, pois rompe os muros da academia e atinge a sociedade como um todo, o que de alguma forma também ajuda a sensibilizar as autoridades públicas para o problema”, afirma o pesquisador, que atualmente é coordenador do Laboratório de Ecologia Aplicada e Conservação da Universidade Federal de Goiás (UFG) e professor de Ecologia e Evolução da mesma instituição.