Pesquisador desenvolve extrato
concentrado de café solúvel
Professor
garante que tecnologia inédita produzirá
produto com sabor e aroma semelhantes aos da bebida
coada
MANUEL ALVES FILHO
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O professor Roberto Hermínio
Moretti, da FEA: transferência de tecnologia
para o setor privado pode ocorrer imediatamente |
Os apreciadores
de café poderão encontrar, dentro de
pouco tempo, uma excelente novidade no mercado. Assim
que sentirem aquela irresistível vontade de
tomar uma dose da bebida, bastará que saquem
da carteira um pequeno sachê, que conterá
café solúvel na forma de extrato concentrado.
Este, possivelmente, trará incorporado o açúcar
ou o adoçante. O passo seguinte será
adicionar água fervente ao “xarope”,
numa proporção de 9 para 1. Pronto.
O consumidor terá um café com sabor
e aroma exatamente iguais ao da bebida que acaba de
sair do coador. Quem garante é o professor
Roberto Hermínio Moretti, da Faculdade de Engenharia
de Alimentos (FEA) da Unicamp, que desenvolveu um
processo inédito para a produção
de café solúvel.
A tecnologia concebida pelo professor Moretti é
o resultado do seu talento e persistência. Ele
levou 28 anos para chegar ao extrato concentrado de
café. Só para se ter uma idéia,
o equipamento utilizado nos experimentos foi custeado
pelo próprio docente. O único auxílio
veio das bolsas de estudos concedidas aos seus alunos
de iniciação científica e pós-graduação,
por meio do CNPq e Fapesp, respectivamente. Conforme
o pesquisador, durante todo esse tempo a indústria,
em todo o mundo, investigou diversas maneiras de tentar
conferir ao café solúvel o sabor e o
aroma da bebida coada na hora, mas nunca obteve sucesso.
Finalmente o antigo desejo do setor produtivo está
próximo de ser realizado, assegura o especialista.
Para entender melhor
o processo desenvolvido pelo professor Moretti, antes
é preciso saber como o café solúvel
é produzido convencionalmente. Funciona assim:
o café torrado e moído é colocado
numa coluna extratora, por onde é injetada
água a uma temperatura de 190 graus centígrados.
Acontece, porém, que a água a essa temperatura
hidrolisa algumas substâncias insolúveis
do café, transformando-as em solúveis,
como é o caso da celulose. É exatamente
esse tratamento térmico que dá ao café
solúvel o seu gosto e aroma característicos.
Além disso, para chegar à forma granulada,
esse café ainda é submetido a um processo
de secagem, o que também provoca perda de aroma.
O docente da FEA resolveu esses problemas reduzindo,
primeiramente, a temperatura da água. A partir
de um equipamento similar ao empregado pela indústria,
ele descobriu que a água a 98 graus centígrados
extrai apenas as substâncias solúveis
do café. Resultado: o gosto e o aroma da bebida
não são alterados. A única perda
é em relação ao rendimento. Pelo
processo convencional, o índice é de
45%. Já através do modelo desenvolvido
pelo professor Moretti essa taxa cai para algo em
torno de 30% a 32%. Assim que o extrato concentrado
é obtido, explica o pesquisador, ele é
imediatamente submetido à refrigeração,
o que conserva as suas propriedades. Mas o “pulo
do gato” dessa nova tecnologia, apressa-se em
dizer o docente, não está exatamente
na forma de produção.
Sabendo que basta reduzir a temperatura da água
para obter um café solúvel com aroma
e sabor de café fresco e que, ao ser refrigerado,
o extrato concentrado mantém as suas propriedades,
qualquer um poderia produzi-lo. Mas surge aí
um outro desafio. Esse “suco concentrado”
tem uma vida extremamente curta, coisa de dois a três
dias. Ou seja, seria economicamente inviável
produzi-lo para comercialização. É
aí que entra novamente a capacidade e a persistência
do professor Moretti. Ele também desenvolveu
aditivos que atuam como antioxidantes e conservantes
do café, aumentando o seu prazo de validade
para seis meses, sem comprometer o aroma e o sabor.
“Essa fórmula é exclusiva”,
diz o docente da FEA, revelando nos olhos a mesma
satisfação de uma criança diante
de uma nova descoberta.
Ainda de acordo o pesquisador, os aditivos seguem
rigorosamente as normas estabelecidas pelas autoridades
de saúde pública, tanto no plano nacional
quanto no internacional. O professor Moretti explica
que o extrato concentrado obtido pelo novo processo
já foi objeto de testes sensoriais. Nos quesitos
sabor e aroma, ele bateu todas as marcas de cafés
solúveis. Atualmente, esclarece o docente,
os trabalhos encontram-se em fase de produção
contínua, em escala piloto. Segundo ele, a
transferência de tecnologia para o setor privado
pode ocorrer imediatamente, desde que haja interesse.
“Nesse sentido, nós já estamos
conversando com uma indústria de café
instalada em Campinas”, adianta.
Uma vantagem adicional proporcionada pelo novo processo
é que a produção de café
solúvel pode ser feita em escala mais tímida
do que a atual. A menor coluna extratora utilizada
pelas indústrias comporta 500 quilos de café
torrado e moído. Normalmente, uma bateria extratora
conta com cinco colunas. A tecnologia desenvolvida
pelo especialista da Unicamp permite introduzir máquinas
mais compactas, com capacidade para produzir 200 quilos
de café solúvel por dia, por exemplo.
“Isso deve beneficiar principalmente as micro
e pequenas empresas”, imagina o docente.
Isso sem mencionar que o novo processo pode ajudar
a aliviar a balança comercial brasileira. Ainda
hoje o Brasil exporta a maior parte da sua produção
de café na forma de grãos. Lá
fora ele é torrado, moído e transformado
em café solúvel. Se o País passar
a exportar diretamente o extrato concentrado, estará
agregando valor a um dos seus principais produtos
agrícolas. Conforme o professor Moretti, uma
bateria extratora com capacidade para produzir 30
quilos de extrato concentrado por hora deverá
custar cerca de R$ 50 mil. Num cálculo rápido,
ele diz 12,5 quilos de café torrado e moído
geram 22,5 quilos de extrato concentrado. Este, por
sua vez, renderá 200 litros de bebida com gosto
e aroma de café fresquinho. Agora só
resta ao consumidor esperar para ver e, claro, degustar.