'O hermetismo do governo é expressão
do viés autoritário do Estado brasileiro'
ÁLVARO
KASSAB
2-
O
momento político parece complexo e exige uma
discussão aguda. No entanto, o governo mostra-se
refratário ao debate acadêmico, instrumento
que historicamente sempre ocupou um papel central
na formulação e circulação
de idéias da esquerda brasileira. Como o senhor
analisa essa dicotomia?
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Octavio Ianni
O sociólogo Octavio Ianni é considerado
um dos mais importantes pensadores brasileiros.
Professor emérito da Unicamp, onde é
titular do Departamento de Sociologia do IFCH,
é autor, entre outros livros, de O Colapso
do Populismo no Brasil, Estado e Planejamento
Econômico no Brasil, Sociologia da Sociologia
Latino-Americana e A Luta pela Terra. |
Octavio Ianni –
Essa reação que é freqüente
nos meios políticos com relação
ao que eles chamam de academia é perfeitamente
compreensível. O economista, o cientista político,
o historiador, o sociólogo, entre outros, estão
refletindo sobre o que realmente está acontecendo.
Bem ou mal esse “acadêmico” está
discernindo o que ocorre. E para o burocrata da política,
que é o que todos eles são, é
muito incômodo, muito chato, cria problemas.
O problema desse governo é que ele herdou uma
administração nacional que não
tem nada a ver com a sociedade civil. Essa administração
federal está muito mais vinculada principalmente
às injunções dos blocos mundiais
de poder, que podemos traduzir em organizações
multilaterais – como FMI, Banco Mundial e grandes
corporações transnacionais– do
que com os reais problemas nacionais. Tanto que a
ampla impressão da opinião pública
é de que Brasília é um outro
mundo. O estado está totalmente dissociado
da sociedade civil.
Trata-se de um processo que começou
com a ditadura militar e que se acentua, no plano
econômico, com os governantes civis. É
uma situação profundamente anômala
– o estado não é uma instituição
da sociedade nacional. Os governantes ou sabem e não
dizem, ou não estão entendendo que não
estão governando um país soberano, mas
sim uma província do globalismo. Eles não
são governantes, são administradores.
No Brasil Colônia não houve uma administração
portuguesa? No século 19 e começo do
20 não tivemos governos arredios a discussões
sobre o imperialismo, porque o Brasil era uma província
do colonialismo no passado e foi durante muito tempo
uma província do imperialismo?
De 1930 a 1964, o Brasil ensaiou um vigoroso projeto
nacional, na base de um conjunto de circunstâncias.
Esse projeto começou a ser desmontado pelos
militares que se encarregaram de degolar todas as
lideranças comprometidas com as mudanças,
tanto que cassaram os direitos políticos de
Juscelino. E os governantes seguintes, dóceis
ao Consenso de Washington, ao FMI e ao Banco Mundial,
acreditando ou maliciosamente dizendo que o Brasil
ia entrar no primeiro mundo, desmontaram as bases
econômicas do projeto nacional. O quadro hoje
é aterrador porque a dissociação
entre o estado e a sociedade é visível.
O estado não tem nenhuma capacidade de criar
empregos; ele tem-se dedicado exclusivamente a atender
as injunções do neoliberalismo. Estão
aí a privatização da saúde,
privatização do ensino, modificação
das leis trabalhistas, privatização
da previdência. Os governantes estão
alugando o país, pedaço por pedaço,
às corporações. É uma
situação entre cômica e trágica.
Cômica porque os governantes não parecem
interessados, e trágica porque o custo para
o povo brasileiro é muito grande. E vai continuar
sendo.
Plínio de Arruda Sampaio Júnior
– No primeiro ano, o governo Lula foi
impermeável às críticas que vêm
das ruas, da intelectualidade, dos movimentos sociais,
dos sindicatos e de importantes segmentos do próprio
Partido dos Trabalhadores. A extraordinária
dificuldade de dialogar com os críticos reflete
o divórcio entre as esperanças geradas
pela eleição de Lula e o aprofundamento
das políticas liberalizantes inauguradas por
Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso. O hermetismo
do governo é expressão do viés
autoritário do Estado brasileiro. Como o governo
do Lula näo mudou o Estado, o Estado mudou o
governo. Um Estado anti-nacional e anti-popular não
pode conviver com o debate democrático.
Ricardo Antunes – Só
posso entender que esse governo é levado pelo
pragmatismo contingente imposto pelo “maravilhoso
mundo do mercado”. E o que é ser pragmático?
Fazer o que os mercados querem. A universidade tem
um sentido diferente. Ela é o laboratório
e o experimento do espaço científico,
da ousadia, da reflexão, da tentativa de tentar
compreender o sentido da sociedade. Nas áreas
mais tecnológicas é voltada para o incentivo
daquilo que é fundamental para o salto técnico-científico
do país. É evidente, portanto, que a
universidade, felizmente, não tem, no pragmatismo,
a sua mola mestra. O seu tempo é o da ciência,
não o do mercado, do mundo do capital-dinheiro,
que é um tempo cada vez mais virtual e sempre
supérfluo e destrutivo.
Como esse governo fez o caminho de ser pragmático
ao inserir-se no mundo globalizado dentro da lógica
financista, parece não haver espaço
para a universidade crítica, reflexiva, científica.
O sistema financista considera a universidade como
sendo uma perda de recurso. Consideram-na improdutiva,
acham que a universidade, como a previdência,
deve estar sob o comando da lógica privatizada.
A universidade que interessa ao país, dentro
dessa lógica do Banco Mundial, é a universidade
privada, em sintonia com os interesses do mercado.
Os grandes gestores do capital vão fazer seus
cursos nas grandes universidades do exterior, onde
se moldam as cabeças que vão trabalhar
no mundo privado.
O nosso papel é outro. A desqualificação
do trabalho acadêmico tem muitas explicações.
Acabo de vir de uma pequena estada na Inglaterra.
Qual o papel da universidade inglesa hoje, pensada
sob a ótica do projeto do New Labor, que é
muito assemelhada à tragédia brasileira,
com a diferença que aqui é uma terceira
via do tipo tropical? É desconsiderar a universidade
pública. A Margareth Thatcher conseguiu privatizar
a universidade inglesa pela margem – seja cobrando
taxas ou exigindo que ele tivesse vínculos
com o mercado para sustentá-la. Para que o
mercado precisa das ciências humanas, crítica
e reflexiva? Ele não precisa deste nível
de sabedoria científica que se acumula nos
cursos de filosofia, história, ciências
sociais, das humanidades.
O mercado quer uma universidade em sintonia com a
lógica destrutiva do mercado. E parece que
foi nesse discurso que o governo Lula também
embarcou. O atual ministro da educação,
Tarso Genro, vai pegar um abacaxi enorme. Se o seu
papel é desmontar a universidade pública,
não vai ser fácil. Tarso Genro é
uma pessoa politicamente qualificada, experiente,
e sabe que vai lidar com um conjunto, que é
a universidade pública, que tem muita força
intelectual e moral, para lembrar Gramsci. O governo
Fernando Henrique, que veio da universidade, tentou
durante os oito anos desmontar a universidade pública
e não conseguiu.
Wilson Cano –
Primeiramente, o PT incorporou ao governo um número
muito pequeno de seus intelectuais e acadêmicos,
e um número expressivo de sindicalistas. Por
outro lado, o debate, quando existe, é mínimo,
recluso, e pouca divulgação tem na mídia.
É como se tivessem jogado água fria
na esquerda intelectual e acadêmica: parte dela
está muito confusa, diante de uma série
de atitudes e fatos ocorridos nestes últimos
14 meses; parte tem consciência, mas tem sérias
limitações formais para sua manifestação
(acesso à mídia, vínculo partidário,
pressões da militância dogmática,
etc.); e outra já deixou o partido, de fato
ou de jure.
Quanto à mídia,
em sua maior parte fortemente endividada, está
carente (ou desejosa) de recursos financeiros públicos
e pródigos, o que a torna mais dócil
e menos crítica. Por outro lado, não
bastasse a reforma previdenciária, agora estamos
diante de novas ameaças concretas: a reforma
política, que trará restrições
ao processo eleitoral (sistema de candidaturas, número
de partidos, etc.), a trabalhista e sindical, cujos
debates já põem à mostra, novos
constrangimentos à classe trabalhadora, e a
do ensino público superior, cujas linhas já
anunciadas, são desanimadoras.
3-
O
governo parece ter trocado o discurso mobilizador
e metafórico do primeiro ano por uma linguagem
de prudência, quando não pelo mutismo,
após os últimos acontecimentos. Como
o senhor analisa o discurso do primeiro ano e essa
aparente guinada?
Octavio
Ianni – Diz a sabedoria popular que
passarinho, quando está na muda, não
canta.... Lula afinal foi obrigado a ficar quieto,
descobriu que estava vivendo só um teatro.
Ele se deu conta de que o teatro ao qual foi induzido
por seus assessores, inclusive os de marketing, a
esse espetáculo ao qual se dedicava gostosamente,
mostrou-se inócuo e falso; de repente, Lula
caiu das nuvens. O mais o grave disso tudo, falando
no plano acadêmico, é que a impressão
que passa é a de que ou os governantes sabem
o que está acontecendo no mundo e não
traduzem, ou desconhecem esses processos avassaladores
que estão em marcha e que, se não forem
devidamente avaliados, o país não pode
definir algo que o faça andar. Aliás,
parece-me que este governo, tal qual o anterior, não
tem projeto porque não tem análise.
Os hindus e os chineses têm projeto e têm
análise. O discurso de Lula de uma certa maneira
encobre essa falta de projeto. Daí o apelo
ao sentimental e ao piegas. Mais: às vezes
é um discurso que tem cheiro de água
benta.
Plínio de Arruda
Sampaio Júnior – Há um
denominador comum entre os dois discursos: o ocultamento
da realidade e a enrolação. No ano passado,
o governo ocultou sua opção estratégica
pela política econômica ditada pela comunidade
internacional sob o véu de que estavam sendo
preparadas as condições para um “espetáculo
de crescimento” com distribuição
de renda. Neste ano, esconde sua adesão aos
padrões éticos da política burguesa,
procurando passar a idéia de que o governo
está sendo atacado única e exclusivamente
porque defende os interesses da população
mais desfavorecida. Trata-se de uma retórica
populista para acobertar uma política convencional.
Ricardo Antunes –
Não diria que houve uma guinada. No primeiro
ano houve uma lua-de-mel do governo com seu eleitorado,
com a chamada opinião pública. Machado
de Assis dizia numa crônica no império
que a “opinião pública expressa
30% da opinião do povo. Falta saber o que pensam
os outros 70%...”. Fica aí esse lembrete
machadiano como contraponto. O discurso de primeiro
ano, portanto, era um discurso de lua-de-mel. Lula
abusava do carisma, das metáforas, abusava
do tom coloquial; deixava de lado o discurso preparado
e ia para aquela fala metafórica, popularesca,
que é compreendida pelo grande público.
|
Ricardo Antunes
O sociólogo Ricardo Antunes é
professor titular do Departamento de Sociologia
do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
(IFCH) da Unicamp e autor de O Sentido do Trabalho
(Boitempo), Adeus ao Trabalho? (Cortez/Unicamp)
e O que é sindicalismo (Brasiliense).
Coordena atualmente a pesquisa Para onde vai
o mundo trabalho?. É filiado ao PT.
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Agora se começa a entrar numa segunda fase,
na qual o povo vivencia o aumento do desemprego, a
informalização do trabalho, empobrecimento
maior do país em decorrência do pagamento
da dívida externa, além da diminuição
do parque produtivo e do salário real, etc.
Tudo isso toca na vida cotidiana do eleitor, e este
é o problema. Quando o governo se depara com
uma política econômica que tem uma redução
de 0,2% do PIB, vemos que ao invés da falácia
do crescimento, temos o espetáculo do empobrecimento
e da retração; ao invés do espetáculo
dos dez milhões de empregos, que era pura manipulação
discursiva, tivemos milhões de desempregados
e precarizados. E, acrescido ao recente episódio
envolvendo Waldomiro Diniz, o halo do governo PT foi
abalado, como disse recente matéria publicada
no The Economist. Por quê? Porque o PT estava
fazendo direitinho o que os capitais globais esperavam,
em especial seu setor financeiro. Mas se deleitam
quando o governo do PT, no que diz respeito ao mundo
da corrupção, tem em seu núcleo
central um assessor direto do ministro da Casa Civil,
com vínculos com o abjeto mundo da indigência,
o mundo dos bingos e assemelhados. Tratava-se de um
assessor direto da Casa Civil, que negociava com o
status de quase ministro, na dança do Parlamento.
O PT mostrou que não é
tão diferente quanto ele dizia das outras agremiações
partidárias – PFL, PSDB, PMDB, PTB e
PP – que fazem negociatas há décadas.
Mas, ao mesmo tempo, é um sinal de que no arco
das alianças que o governo PT fez, isso é
só o começo. José Dirceu é
o campeão da modalidade, é ele quem
manda, é o Luxemburgo das alianças.
Basta ver os acordos com ACM, Quércia, Jader
Barbalho, Sarney, etc. Dá para imaginar os
quadros do governo ocupados com nomes indicados por
esses aliados na troca de votos? O que deve ter de
coisa feia no segundo escalão, então...,
indicados pelo esquema de alianças que é
o completo desvertebrar do PT. Não há
limites na sua política de alianças,
basta ver o número de apoiadores diretos do
esquema Collor que hoje freqüentam o Palácio.
O PT aliou-se com deus e o diabo.
Wilson Cano –
O mutismo, penso, decorre do abandono das bandeiras
antes desfraldadas: desenvolvimento econômico,
emprego, distribuição e justiça
social, substituídas por algo de que não
se pode falar muito: estabilidade, estabilidade, estabilidade....
Em síntese, o “mutismo” decorre
da forte submissão à finança
nacional e internacional, que leva ao descaminho já
apontado. Ainda assim, ele tem sido quebrado, sempre
que novas promessas (impossíveis, como a do
espetáculo do crescimento “casado”
com a política monetária) são
anunciadas. Para 2004 eram anunciadas taxas de crescimento
entre 3,5% (para os menos otimistas) e 4% ou mais,
para os mais crédulos; bastaram dois meses
de mesmice na política econômica para
que as taxas já passassem por reduções.
A propósito, lembremos que o Banco Central
apregoava no início de 2003, taxa de crescimento
de 2,8% e a realidade mostrou deprimentes –0,2%...
A guinada não é aparente,
como diz a pergunta, e sim real, efetiva, causada
pela apontada submissão e prática de
uma política econômica suicida. Agora
mesmo, diante da crise exposta, o governo tenta quebrar
o mutismo, anunciando a retomada de investimentos
na construção civil, mas os recursos
adicionais apresentados (R$ 1,6 bilhão) mal
dariam para construir algo em torno de 60 mil casas
populares, uma cifra tímida, tanto diante do
déficit habitacional quanto do problema do
desemprego. Como se vê, as decisões sempre
passam pelo crivo financeiro, fazendo parecer que
existiriam dois governos: o democrático, eleito
pelo povo, e o da finança, que, segundo se
depreende, é o que realmente manda. Foi muito
triste para mim, ver a foto e matéria publicada
pela imprensa em 2/3/2004 (p.ex. Correio Popular,
de Campinas, p. B 3) que mostra Horst Köhler
(diretor do FMI) entregando leite a famílias
pobres em Montes Claros (MG), a convite do governo
daquele estado. Até que ponto chegamos!
4-
Na
década de 90, o país cresceu em média
2%. Mesmo na década de 80, considerada “perdida”,
o país cresceu 2,1% e, entre os anos 50 e 80,
a média foi de 7% ao ano. O governo assumiu
prometendo a retomada do crescimento, quase em curso
pleno. No entanto, os indicadores de 2003 apontam
para um recuo de 0,2%. Em seu ponto de vista as promessas
foram inconseqüentes?
Octavio Ianni –
O governo não tem análise. Do contrário,
teria um mínimo de responsabilidade sobre o
que estaria dizendo. Teria que ponderar para, depois,
equacionar. A frase retumbante valia – e valeu
– muito no estádio da Vila Euclides.
Naquela época, contra a ditadura militar, era
muito importante. Mas agora não dá mais.
A história é outra.
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Plínio de Arruda Sampaio
Júnior
Plínio de Arruda Sampaio Júnior,
professor no Instituto de Economia da Unicamp,
é autor do livro Entre a Nação
e a Barbárie: Uma leitura da contribuição
de Caio Prado Jr., Florestan Fernandes e Celso
Furtado à crítica do capitalismo
dependente (Editora Vozes). Um dos mais jovens
ideólogos da esquerda, é filiado
ao PT. |
Plínio de Arruda
Sampaio Júnior – As promessas
não serão cumpridas. Os problemas do
povo brasileiro não serão resolvidos
pela retomada do crescimento. Primeiro, porque não
há base objetiva para supor que estejamos na
iminência de um “espetáculo do
crescimento”. Segundo, porque mesmo que o crescimento
sustentado fosse retomado – o que, insisto,
não está posto – ele não
resolveria os problemas do povo. Se não houver
uma mudança radical no padrão de acumulação
implantado nos anos 90, não há razão
para esperar um desempenho econômico qualitativamente
distinto do verificado na última década.
Isso não significa que a economia brasileira
não possa ter espasmos de crescimento. O que
não está no horizonte é a possibilidade
de uma expansão sustentada e muito menos ainda
a possibilidade de conciliar crescimento com equidade.
As esquerdas devem tirar todas as conseqüências
da tragédia em curso. Não existe a menor
perspectiva de melhoria das condições
de vida do conjunto da população sem
uma profunda ruptura com o modelo econômico
atual.
Ricardo Antunes –
Dois comentários. O primeiro deles é
que a trajetória do PT vem se alterando desde
o início dos anos 90. Nos anos 80, o PT foi
muito ligado às lutas sociais, foi um partido
que nasceu da crítica que fazia ao stalinismo
sem abandonar a perspectiva de um mundo melhor. Isso
tudo foi sendo abandonado nos anos 90. As alianças
foram ficando cada vez mais sem conteúdo, até
chegar à descaracterização do
governo eleito em 2002. Ela consolida um conjunto
de mudanças que ocorreram ao longo nos anos
90.
Ainda assim é surpreendente.
Depois da Carta aos Brasileiros, o sinal começou
a ficar mais claro – de que não haveria
sequer um desenvolvimentismo, mas poderia haver um
pragmatismo do tipo negocial-financista, cara no que
Chico de Oliveira chamou de ornitorrinco, esse animal
feioso, meio disforme, que tem como núcleo
forte o setor financista e, no pólo mais débil,
a barbárie social. O segundo ponto, que me
parece importante, é que é ilusão
imaginar que crescer o país vai resgatar a
dívida social que temos com nossas classes
trabalhadoras. É um profundo equívoco.
Crescimento nunca foi sinônimo de algo que lembre
equanimidade e fim da desigualdade social.
A ditadura militar, por exemplo,
cresceu até 12% ao ano, concentrando enormemente
a riqueza. Aumentando brutalmente a desigualdade social.
O Brasil pode crescer, com concentração
de terra, com concentração de renda,
com concentração do sistema financeiro
e do sistema produtivo. O PT, se quiser honrar seus
compromissos dos 20 anos anteriores, teria como redesenhar
o modelo novo modelo econômico, alternativo,
para o país. Teria que ferir, confrontar interesses
dominantes, que são aqueles que concentram
a propriedade industrial, financeira, intelectual,
que concentram a propriedade da terra etc. São
vários os interesses. O PT não feriu
nenhum, ao contrário – mostrou-se servil
em relação a todos. Veja-se o triste
caso dos transgênicos, onde o PT era contra
e nem bem instalado no poder, muda como um camaleão.
Residem aí o problema e a tragédia do
PT.
Wilson Cano –
Elas não foram inconseqüentes,
até o momento em que o PT prometia o que havia
escrito em seu Programa, oficialmente aprovado. A
necessidade de ruptura com o atual modelo, substituído
por alternativa de crescimento e distribuição
de renda. Contudo, a partir dos compromissos assumidos
com o FMI e a finança privada, é inconseqüente
afirmar que haverá “crescimento sustentável,
persistente e alto”, mantida a atual política
econômica.
|
Wilson Cano
O economista Wilson Cano, professor titular
do Instituto de Economia da Unicamp (IE), é
autor de Raízes da Concentração
Industrial em São Paulo (Unicamp), Introdução
à Economia: uma abordagem crítica
(Unesp) e Soberania e Política Econômica
na América Latina (Unesp/Unicamp). |
O núcleo central do
PT sabe muito bem disso, pois a questão foi
discutida, à exaustão, durante muito
tempo, no Grupo dos Economistas do PT, e de cujas
reuniões participava a maior parte dos membros
da cúpula do partido. Como as promessas realmente
não podem ser cumpridas, é obvio que
a esquerda pagará alto preço político
por isso, a despeito do “eficiente” trabalho
dos marqueteiros de plantão, que insistem em
fazer da política, um marketing semelhante
ao usado para vender qualquer bem ou serviço.
Não é demais lembrar o enorme desgaste
sofrido pelo MDB após o fracasso do Plano Cruzado
e a embromação política praticada
posteriormente.
CONTINUA