| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 390 - 31 de março a 6 de abril de 2008
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Objetivo de equipe de pesquisadores do IB é
buscar terapias específicas para combater protozoário


'Bunker tecnológico' mapeia
pontos fracos de parasito
causador da Doença de Chagas

MANUEL ALVES FILHO

A professora Fernanda Ramos Gadelha, coordenadora das pesquisas na Unicamp: “É como montar um quebra-cabeça” (Foto: Antoninho Perri)Em A Arte da Guerra, tratado que teria sido escrito no século IV a.C, o estrategista militar chinês Sun Tzu ressalta a importância de se conhecer bem o inimigo para tentar subjugá-lo. Embora longe dos campos de batalha e avessa à violência, a professora Fernanda Ramos Gadelha, do Departamento de Bioquímica do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, instalou no laboratório que coordena “trincheiras tecnológicas”, por assim dizer, contra o Trypanosoma cruzi, parasito causador da Doença de Chagas. O objetivo dela e de sua equipe é estudar determinadas características do protozoário, de modo a identificar seus eventuais pontos fracos. O passo seguinte é usar esse conhecimento para desenvolver terapias específicas que possam enfim derrotá-lo.

A tarefa da professora Fernanda e de seu grupo não é das mais prosaicas. Identificada em 1909 pelo médico sanitarista Carlos Chagas, portanto há praticamente um século, a Doença de Chagas segue desafiando a ciência, que ainda não descobriu a cura para o mal. Atualmente, de acordo com dados coletados pela docente, o Brasil soma entre 3 e 5 milhões de chagásicos. Como se trata de uma enfermidade altamente debilitante, sua persistência provoca enormes prejuízos sociais ao país. Outro dado importante diz respeito ao tratamento até aqui disponível. “O fármaco utilizado é efetivo apenas na fase aguda da doença, apresentando efeitos colaterais significativos”, explica.

Mitocôndria e defesas antioxidantes são estudadas

Para tentar superar essas dificuldades, a equipe comandada pela professora Fernanda, em colaboração com pesquisadores da própria Unicamp, Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), dedica-se à busca de novos alvos que permitam atacar o T. cruzi de maneira mais eficaz. A linha de pesquisa adotada pelos cientistas se baseia em duas frentes. A primeira é o estudo da mitocôndria, organela que tem destacada função nos processos de sobrevivência celular, como a geração de energia. “Ao estudarmos a mitocôndria, buscamos esclarecer os mecanismos do parasito envolvidos na obtenção da energia necessária para a sua sobrevivência. Como existe uma grande diferença entre as cepas desse organismo, nós analisamos várias delas para tentar identificar algum alvo que possa servir de ponto de partida para o desenvolvimento de um fármaco em potencial”, esclarece a docente do IB.

A segunda via investigada pelo grupo é o estudo dos mecanismos de defesa antioxidantes. No caso do parasito, os pesquisadores querem saber como ele se defende contra os radicais livres produzidos pela reação do hospedeiro no momento da invasão. “Ao analisarmos esses dois fatores, que são importantes para a sobrevivência celular, nós esperamos ter condições de descobrir os pontos fracos do T. cruzi, o que levaria ao desenvolvimento de fármacos mais específicos e, portanto, com menos efeitos colaterais para o homem”, ilustra a professora Fernanda. Mas em que estágio está a pesquisa neste momento? De acordo com a docente do IB, pode-se dizer que o estudo está numa fase intermediária.

Graças às colaborações em curso, prossegue a pesquisadora, novas abordagens sobre os processos bioquímicos e bioenergéticos do parasito estão sendo obtidas. “É como montar um quebra-cabeça, onde cada grupo de pesquisadores acrescenta uma peça relativa à sua especialidade, contribuindo para o melhor entendimento do todo, ou seja, do parasito”, afirma. “Em paralelo, juntamente com pesquisadores da Universidade Federal de Alfenas [UNIFAL], estamos testando compostos de origem vegetal, para saber se algum deles tem efeito no parasito. Caso o resultado seja positivo, vamos investigar como isso ocorre e futuramente, quem sabe, esse composto poderá ser utilizado em um novo tipo de tratamento”, acrescenta.

A despeito de tal terapia específica ainda não ter sido identificada, a professora Fernanda continua firme no seu objetivo de derrotar o T. cruzi, por quem ela se diz “fascinada” cientificamente. A julgar pelos ensinamentos deixados pelo estrategista militar chinês Sun Tzu, a docente e sua equipe estão trilhando o caminho certo. Afinal, assim como na guerra, na ciência também é preciso dispor de um arsenal composto por capacidade, paciência, tática e determinação para atingir o objetivo traçado.

A doença – A Doença de Chagas tem este nome por ter sido identificada, em 1909, pelo médico sanitarista brasileiro Carlos Chagas. A enfermidade é causada pelo Trypanosoma cruzi, que é transmitido com maior freqüência ao homem pelas fezes do inseto conhecido popularmente como barbeiro. O nome do protozoário é uma homenagem de Carlos Chagas ao também sanitarista e epidemiologista Oswaldo Cruz. A Doença de Chagas, ressalte-se, não é transmitida ao homem diretamente pela picada do barbeiro, que se infecta com o parasito quando pica animais contaminados. A transmissão se dá no momento em que a pessoa coça o local da picada e as fezes eliminadas pelo inseto, contendo a forma infectiva da doença, entram em contato com a pele lesada ou com a mucosa.

A transmissão também pode ocorrer por intermédio da transfusão de sangue contaminado ou durante a gravidez, de mãe para filho. Recentemente, foi identificada no Brasil a transmissão oral da doença, por meio da ingestão de caldo de cana e suco de açaí. Acredita-se que, em razão da falta de cuidados higiênicos, alguns insetos contaminados foram triturados durante o preparo ou que suas fezes destes contaminaram as bebidas. Os sintomas mais comuns apresentados pelos chagásicos são febre, inflamação e dor nos gânglios, inchaço nos olhos e aumento do baço, fígado e coração. Na fase crônica, a enfermidade pode levar à morte. O diagnóstico pode ser feito a partir de um simples exame de sangue.

O tratamento da Doença de Chagas é medicamentoso e deve ser prescrito e acompanhado pelo médico. Na etapa aguda, os remédios costumam proporcionar resultados relativamente satisfatórios contra o parasito, mas causam importantes efeitos colaterais ao doente. Na fase crônica, eles não são eficazes. A terapia, nesse caso, fica voltada ao controle dos sintomas, na tentativa de evitar complicações ao paciente. Como ainda não existe cura para o mal, as medidas preventivas ainda são a melhor alternativa para combater a doença.

Em 2006, o Brasil foi o primeiro país da América Latina a receber a Certificação Internacional de Eliminação da Transmissão da Doença de Chagas pelo Triatoma infestans, conferida pela Organização Pan-Americana da Saúde. A certificação representa somente a interrupção momentânea da transmissão da doença especificamente pelo barbeiro, mas não a sua erradicação. A eliminação pressupõe a manutenção de alguma ação de controle e vigilância para que a interrupção se mantenha. A medida mais recomendada é a eliminação dos criadouros do vetor. O barbeiro costuma viver em ambientes silvestres ou nas frestas das paredes sem revestimento, principalmente de casas simples. Como se alimentam de sangue, alojam-se com freqüência em locais onde possam obter alimento com facilidade. Os barbeiros são insetos largamente difundidos nas Américas, sendo encontrados desde o sul dos Estados Unidos até o sul da Argentina. No Brasil, habitam em maior número as regiões rurais do Norte e Nordeste.

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