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Mercado de trabalho formal exclui pessoa
com deficiência, revela estudo
Tese mostra que “lei de cotas”
e políticas públicas não garantem a inclusão
Pesquisa
conduzida pelo economista Vinícius Gaspar Garcia revela que,
apesar dos avanços ocorridos nos últimos anos com a implementação
de políticas públicas e, também, pela chamada “lei de cotas”,
a participação de pessoas com deficiência no mercado de trabalho
formal ainda é muito baixa. Segundo o autor do trabalho, se
for levada em conta a faixa etária considerada “produtiva”
– entre 15 a 59 anos – e os critérios “técnicos-jurídicos”
que estabelecem quem tem uma deficiência, teríamos cerca de
seis milhões de pessoas nestas condições no Brasil. De acordo
com os dados obtidos da Relação Anual de Informações Sociais
(Rais) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em 2007
o número de pessoas com deficiência contratadas formalmente
era de 350 mil pessoas; em 2008, 320 mil e, em 2009 esse índice
cai para 290 mil. “Isso dá uma ideia do abismo que ainda existe
entre aqueles que estão trabalhando e os que poderiam estar
no mercado formal”, argumentou o economista. As estimativas
encontradas apontaram que Campinas emprega 12% de sua população
com deficiência; o Estado de São Paulo, 10% e o Brasil, apenas
5%.
Na opinião de Garcia, esses
indicadores sinalizam que um número muito elevado de pessoas
com limitações físicas, sensoriais e/ou cognitivas continua
exercendo atividades informais e precárias, muitas vezes sem
continuidade. Ou simplesmente não possui ocupação, vivendo
com base em aposentadorias, pensões e, ainda, com o suporte
familiar. Também deixa claro que a “lei de cotas”, embora
necessária, é insuficiente para fazer a inclusão. Até porque,
se for cumprida na íntegra ela garantirá cerca de 800 mil
vagas de empregos, ou seja, mais do que cinco milhões de pessoas
com deficiência ficariam de fora do mercado se dependessem
só da Lei. “A questão da legislação precisa ser repensada
e melhorada”, acrescentou.
Garcia avalia ainda que, mesmo
sendo um instrumento de ação afirmativa insuficiente, sem
a lei de cotas o quadro de empregos seria ainda pior. Em sua
visão, ela gerou um debate necessário nas empresas e na sociedade
em geral. No entanto, ela poderia ser encarada como um instrumento
temporário, com avaliações constantes. Nos Estados Unidos,
por exemplo, essa lei começou a ser cumprida e fiscalizada
logo após o término da II Guerra Mundial, porque muitos soldados
retornavam com sequelas do campo de batalha. Essa lei vigorou,
grosso modo, de 1950 a 1990. “Deixou de existir por pressão
das próprias pessoas com deficiência. Atualmente, eles não
necessitam mais desse tipo de mecanismo de ação afirmativa
porque estão plenamente integrados no mercado”, contou. A
“lei de cotas” brasileira tem quase vinte anos – é de 1991
–, mas só foi fiscalizada com maior rigor a partir de 2001.
Apesar de considerar a reversão
do quadro de baixa participação das pessoas com deficiência
no mercado de trabalho uma tarefa complexa, Garcia elencou
cinco aspectos que seriam fundamentais e as ações correspondentes
que podem colaborar nessa mudança.
O primeiro deles concentra-se
na ampliação do conhecimento público acerca das pessoas com
deficiência e sua inserção no mercado de trabalho. Sobre esse
aspecto, Garcia observa que o Censo de 2000, que pela primeira
vez pesquisou de forma mais abrangente a questão da deficiência,
apurou também diferentes níveis de dificuldade funcional para
andar, enxergar e ouvir. Dessa maneira, acabou encontrando
um contingente maior de pessoas do que aquele cuja deficiência
é definida, por exemplo, pelos critérios da lei de cotas.
Essa lei estabelece um percentual e define as deficiências
por meio de critérios técnicos, como acuidade visual ou paraplegia,
por exemplo. “Tivemos muito cuidado para extrair dos dados
oficiais as pessoas com mais limitações, sejam de ordem física,
sensorial ou cognitiva para se aproximar do universo que se
imaginava poderia fazer jus a essa lei de cotas”, assegurou.
Associado a isso, é preciso
conhecer mais profundamente a situação socioeconômica das
pessoas com deficiência, de maneira geral. Garcia explicou
que a utilização do Censo 2000 foi feita em função da não-disponibilidade
dos dados do Censo 2010, quando da realização da pesquisa.
Portanto, os dados utilizados estão defasados, mas poderão
ser atualizados pela metodologia proposta na tese. Além disso,
o Ministério do Trabalho e Emprego (MET) possui uma base de
dados riquíssima acerca do mundo do trabalho e nela ainda
não existe a variável deficiência. “Falta ter acesso a essa
realidade, até para avaliar melhor os motivos pelos quais
a lei não está sendo cumprida na íntegra. Há uma insegurança
sobre qual é a realidade de fato”, disse.
O segundo aspecto trata sobre
as questões ligadas à legislação – não só em relação à chamada
“Lei de Cotas”, mas também à legislação trabalhista/previdenciária.
Existem, segundo o autor, algumas barreiras que impedem que
alguns empregos sejam ocupados por pessoas com deficiência.
Além das questões culturais – relacionadas a preconceito e
discriminação – fruto muitas vezes da insegurança e falta
de informação, durante muito tempo prevaleceu a opção de aposentadoria
por invalidez daqueles que adquiriam uma deficiência. Como,
nesse caso, a pessoa tem que atestar sua incapacidade para
o trabalho, ela não pode voltar a exercer funções formais,
a não ser que abra mão da aposentadoria. Além da aposentadoria,
há também o Benefício de Prestação Continuada (BCP), que atende
pessoas com deficiência de baixa renda. Nesse caso, a Lei
foi alterada e a pessoa pode abrir mão temporariamente do
benefício, trabalhar formalmente e, se for o caso, retornar
ao programa de assistência. O mesmo poderia ser pensado para
a aposentadoria por invalidez.
O
fortalecimento da inclusão escolar e das possibilidades de
qualificação profissional, inclusive dentro das empresas,
é o terceiro aspecto. Para Garcia, ela é fundamental para
suprir o déficit existente e, também, para o desenvolvimento
pessoal da pessoa com deficiência, rompendo com situações
de dependência que ainda existem.
O quarto aspecto aborda a
acessibilidade como conceito-síntese de uma sociedade inclusiva.
Para Garcia, o termo sugere muito mais que rampas ou adaptações
de ambientes. Significa criar condições para que as pessoas
com deficiência possam se utilizar de produtos, serviços e
informações como qualquer outro cidadão. “Existem recursos
disponíveis, mas que não estão massificados”, afirmou.
Por fim, o quinto e último
aspecto trata da consolidação de novos paradigmas e formas
de pensar a temática da deficiência, na sociedade em geral,
mas especialmente entre os empregadores (empresários ou gestores
públicos) e as próprias pessoas com deficiência. Ademais,
observou o economista, é preciso que as condições econômicas
e sociais do país evoluam positivamente. O crescimento econômico
acelerado, acompanhado de uma melhor distribuição de renda,
com serviços públicos de qualidade e programas sociais eficazes,
dentre outros, são benéficos para todos, inclusive, naturalmente,
para aqueles com algum tipo de deficiência. Para Garcia, por
mais que existam especificidades, não há um mundo “específico”
das pessoas com deficiência. “Elas também sentirão os efeitos
da melhora social mais geral, por isso que as políticas específicas
– gratuidades, cotas, isenções, benefícios, etc – não podem
ser um fim em si mesmo, mas parte de uma estratégia mais ampla
na qual, equiparando oportunidades, todos possam construir
um país melhor, mais justo e humano”, concluiu.
Expressões reforçam
estereótipo
Muitas pessoas, por falta
de conhecimento ou até mesmo familiaridade com o assunto,
acabam por adotar termos como, por exemplo, “portadores
de necessidades especiais” ou “portadores de deficiência”
para designar alguém que possui esta condição. Sem querer,
acabam por provocar e reforçar estereótipos, uma vez que,
dessa maneira, camuflam a palavra deficiência ou se esquecem
do termo “pessoa”.
Por isso mesmo, desde a
metade da década de 1990 o termo correto adotado internacionalmente
é “pessoa com deficiência”. Ele foi usado na Convenção da
Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o tema, que discutiu
exaustivamente esse assunto, com a participação de quase
200 países, inclusive o Brasil, que ratificou o documento
com força de emenda constitucional. Garcia disse ainda que
as leis brasileiras que tratam do assunto serão revisadas
à luz desta Convenção, utilizando esta terminologia, substituindo
o termo “pessoas portadoras de deficiência”, que está na
Constituição brasileira desde 1988 e nas leis publicadas
até agora.
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Publicação
Tese de doutorado: “Pessoas com deficiência
e Mercado de Trabalho – Histórico e Contexto Contemporâneo”
Autor: Vinícius Gaspar Garcia
Orientador: Waldir José de Quadros
Unidade: Instituto de Economia (IE)
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