Um olho no prato e outro no futuro
Consciência de que doenças
começam no útero materno aumenta demanda
por alimentos funcionais
LUIZ
SUGIMOTO
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O professor Valdemiro Sgarbieri: Nossa
missão é desenvolver a base de C&T |
Por
mais voraz que seja à mesa, quem passasse na
última semana pelo Centro de Convenções
da Unicamp seria influenciado a repensar sua dieta.
Durante quatro dias, duas mil pessoas
se espremeram nos três salões, ouvindo
praticamente tudo sobre as tendências na área
de alimentos para o século que apenas se inicia,
com a apresentação de pesquisas recentes
envolvendo aroma e sabor, microbiologia, inovação
tecnológica, compostos bioativos, qualidade
e segurança alimentar, bioquímica, projetos
de combate à fome, genoma e transgênicos.
De uma forma ou outra, os pesquisadores de 23 países
presentes ao 5º Slaca Simpósio
Latino Americano de Ciência de Alimentos, caíram
num tema recorrente: os alimentos funcionais.
Sabemos hoje que os problemas
de saúde na idade adulta começam no
útero materno, lembra o professor Valdemiro
Carlos Sgarbieri, da Faculdade de Engenharia de Alimentos
(FEA) da Unicamp. A principal motivação
para o desenvolvimento de alimentos funcionais, que
se acentuou nos últimos anos, é o reconhecimento
da relação entre nutrição
e doença, não apenas com o estado atual
da saúde, mas com o estado futuro, passando
pelo risco de doenças crônicas e degenerativas
na meia idade, até a velhice, acrescenta
o professor Franco Lajolo, da Faculdade de Ciências
Farmacêuticas da USP.
Ainda não há legislação
que traga uma definição do que seja
alimento funcional. O conceito que se estabelece no
mundo é de um alimento semelhante ao convencional,
que faz parte mas não substitui a dieta usual,
capaz de produzir comprovados efeitos metabólicos
ou fisiológicos para uma boa saúde física
e mental, auxiliando no risco de doenças não
transmissíveis. Um objetivo dos pesquisadores,
por exemplo, é averiguar a dieta de populações
que apresentem menor incidência de cânceres
e doenças cardiovasculares, buscando alimentos
importantes para a redução do risco,
afirma Lajolo.
No Brasil , segundo o professor,
tende-se a fazer uma separação entre
alimentos funcionais e nutracêuticos
utilizados mais comumente na forma de comprimidos
concentrando ingredientes bioativos como fibras, lactobacilos,
flavonóides, carotenóides, fitosteróides
e ácidos graxos. O professor ressalta a importância
da engenharia genética para aumentar o teor
de componentes funcionais e desenvolver novos produtos.
Apesar da polêmica, temos nela um instrumento
altamente eficaz para a inclusão de nutrientes,
como o betacaroteno fundamental para evitar
a cegueira no arroz dourado (Golden Rice),
aumento do teor de licopeno e flavonóide em
vários frutos, produção de compostos
de leite e formulação de vacinas,
ilustra.
Lajolo observa que apesar das evidências bioquímicas,
clínicas e epidemiológicas sobre a importância
de tais compostos na prevenção de doenças,
ingeridos como alimentos ou suplementos, ainda falta
estabelecer um consenso científico que dê
suporte a políticas governamentais para seu
uso. Hoje, morre-se menos de doenças
infecciosas e mais de câncer e problemas cardiovasculares.
Como estamos vivendo mais, os custos com a saúde
pública vão aumentando, o que torna
importante qualquer redução dessas doenças,
argumenta.
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O professor Franco Lajolo: reconhecimento da relação
entre nutrição e doença |
Omega 3 O primeiro
alimento funcional registrado no Brasil foi uma margarina
adicionada de fitosterol, capaz de reduzir o colesterol
em cerca de 10%. O professor Jorge Mancini Filho,
também da Faculdade de Ciências Farmacêuticas
da USP, atenta ainda para introdução
de ácidos graxos da série Omega em leite
e derivados. Os esquimós mostram baixa
incidência de problemas circulatórios,
apesar do consumo de 45% de lípides [colesterol
e triglicérides] na dieta, quando o máximo
recomendado é de 30%. A base da alimentação
deles é o peixe, que por sua vez se alimenta
de uma alga rica em ácidos graxos, conta
o pesquisador.
Mancini Filho afirma que os ácidos
graxos são importantes para o desenvolvimento
do sistema nervoso, mas a velocidade de incorporação
no cérebro é lenta, principalmente na
vida intrauterina e nas primeiras dez semanas do recém-nascido,
que ainda não formou seu sistema enzimático.
É fundamental a criança receber
esses ácidos através da amamentação,
cuidando-se de uma dieta adequada para a mãe,
com o consumo de pescados e alimentos enriquecidos
com a série Omega, como leite, ovos, massas
e margarinas, aconselha o pesquisador. Os ácidos
graxos exercem atuação também
sobre a retina, aumentando sua sensibilidade à
luz dos fotorreceptores.
C&T À
medida que os cabelos brancos vão surgindo,
aumenta nossa preocupação com a utilidade
daquilo que estamos fazendo, afirma o professor
Valdemiro Carlos Sgarbieri. Em palestra no 5º
Slaca, o pesquisador discorreu sobre o esforço
da comunidade científica brasileira para reorganizar
o sistema de Ciência & Tecnologia, através
das agências de fomento e desenvolvimento. Lamentou,
porém, que o setor de alimentos não
venha recebendo a devida prioridade.
Hoje penso em ciência
de alimentos, tecnologia de alimentos e nutrição
mais como uma missão, e menos como áreas
de pesquisa individualizada e disciplinar. Nossa missão
é desenvolver a base tecnológica e científica
para que as empresas do setor possam desenvolver alimentos
realmente úteis para a sociedade, prega
Sgarbieri. O professor centra esta visão nos
alimentos funcionais, defendendo a colaboração
e interação entre pesquisadores brasileiros
em equipes multidisciplinares. Visitei a sede
da Coca-Cola em Atlanta e ouvi dos profissionais de
marketing que a função deles era simplesmente
conversar, pois surgem idéias brilhantes mesmo
de uma conversa aparentemente jogada fora. Sendo assim
numa empresa particular, por que nós pesquisadores
não conversamos?, questiona.
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O professor Jorge Mancini Filho, da USP: introdução
de ácidos graxos no leite e derivados |
Valdemiro Sgarbieri sugere a priorização
de três grandes áreas de pesquisa em
alimentos: os fitoquímicos, para amenizar os
problemas da oxidação e dos radicais
livres; o desenvolvimento de alimentos e estudo de
fatores que levam à obesidade; e uma terceira,
voltada para as conseqüências da obesidade,
como doenças cardiovasculares e o câncer.
Consolou-me a notícia de que a comunidade
européia, como um todo, organizou 73 cientistas
numa empreitada em torno dos alimentos funcionais.
Se os problemas de saúde na idade adulta começam
no útero materno, há necessidade de
se fazer pesquisas que tenham começo, meio
e fim, formando grupos especializados em diversas
áreas para que as pesquisas se complementem,
ao invés de se perderem no universo de trabalhos
publicados, observa.
De acordo com o professor da FEA,
os europeus priorizam pesquisas com substratos alimentares,
verificando como inúmeras substâncias
modulam nosso metabolismo e como isso pode resultar
em benefícios para a saúde. Eles também
estão atentos ao sistema cardiovascular, pois
se conhece boa parte dos agentes desencadeadores de
doenças, mas não todos os mecanismos
e fatores alimentares importantes.
Outra prioridade está na fisiologia do
intestino, por onde passa entre 1 e 1,5 tonelada de
alimentos a cada ano. O intestino é uma máquina
processadora de altíssima eficiência,
tendo a incumbência de selecionar o que deve
entrar ou não no organismo, explica o
pesquisador. À comunidade européia interessa,
finalmente, trabalhar funções comportamentais
e psicológicas, diante das doenças do
mundo moderno como insônia e estresse. Conhecemos
pouco sobre a forma como a alimentação
influi nesses fenômenos, constata.
Fragmentos Valdemiro
Sgarbieri afirma que, no Brasil, já foi gerada
grande quantidade de dados sobre fatores e controle
de doenças crônicas e degenerativas,
mas é preocupante que eles estejam fragmentados,
obrigando pesquisadores a recorrer à literatura
para colher informações, sendo que estas
muitas vezes não são acessíveis
à indústria. Quanto ao desenvolvimento
de ingredientes e alimentos funcionais, o professor
cita o atraso em relação a um grupo
específico, das crianças prematuras
e de desmame precoce. Até hoje não
se descreveu com segurança a composição
do leite materno, pois ela varia conforme a alimentação
da mãe no período gestacional. Se a
preocupação for o desenvolvimento dos
bebês, não sabemos o que fazer e tampouco
possuímos tecnologia para produzir um sucedâneo,
finaliza.
Continua
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