Remédios e alimentos
serão individuais
Genômica mostra que pessoas
têm reações diferentes à
mesma substância e surge como grande ferramenta
da saúde
LUIZ
SUGIMOTO
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O professor Paulo Arruda, do Departamento de Genética
e Evolução da Unicamp: Cada
indivíduo vai reagir a um alimento ou medicamento
de uma forma |
Assediado
pela imprensa, um dia antes do encerramento do prazo
para alterações no projeto de lei que
o governo enviaria ao Congresso Nacional, o professor
Paulo Arruda, do Departamento de Genética e
Evolução da Unicamp, foi taxativo: Não
falo sobre transgênicos. Como um dos coordenadores
do projeto que levou ao seqüenciamento genético
da primeira bactéria fitopatogênica,
a Xyllela fastidiosa, e que reuniu quase 200 pesquisadores
do país The boys from Brazil, segundo
a revista Nature , Arruda tornou-se fonte obrigatória
em genômica desde então. Meio que em
off, ele comenta: Não quero entrar nesta
discussão no momento. Ela se encontra muito
no âmbito da política, emocional, em
clima de jogo entre Palmeiras e Corinthians. Sou cientista.
Na palestra
que acabara de conceder no 5º Slaca, em salão
lotado no Centro de Convenções, Paulo
Arruda evitou o termo transgênico,
apesar de o tema trazer implícita esta faceta:
como a geração de bilhões de
informações genéticas sobre organismos
vivos pode impactar em todas as áreas da ciência,
principalmente na saúde, alimentação
e meio ambiente?. De algumas poucas seqüências
que tínhamos em 1982, houve um crescimento
exponencial para algo próximo de 20 bilhões
de pares de base. Todas as informações
genéticas, dos mais variados organismos, vêm
sendo concentradas num grande banco de dados nos Estados
Unidos, o GenBank, e são disponibilizados publicamente,
informa o pesquisador.
Estão
completos os genomas do ser humano e de mais de 30
bactérias, sendo que outra centena e meia de
estudos encontram-se em andamento. Agora sabemos
que entre o homem e seus patógenos, entre as
plantas e seus patógenos, ou entre o homem
e os microorganismos benéficos à sua
saúde (como a flora bacteriana) e entre as
plantas e os microorganismos que as beneficiam, existe
um processo de comunicação, de entendimento,
que passa pela genética. Estudando o genoma,
podemos entender como as proteínas produzidas
por microorganismos e plantas, neste processo de comunicação
e associação, ajudam na saúde,
explica Paulo Arruda.
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A professora Helaine Carrer, da Esalq/USP: Como
na época de Galileu Galilei |
Paradoxo O seqüenciamento
do genoma humano revelou que carregamos apenas 40
mil genes, quando as estimativas variavam de 100 mil
a 500 mil genes para garantir todas as funções
do nosso corpo. Esta grande surpresa e outras do código
genético renderam detalhada história
para a palestra, cujo final pode ser resumido assim:
aqueles 40 mil genes geram até 500 mil mensagens
diferentes, que geram 500 mil proteínas, que
por sua vez podem ser modificadas até chegar
a 1,5 milhão. Nós somos um organismo
que é o resultado da interação
e do funcionamento de 1,5 milhão de proteínas,
sintetiza Arruda.
Proteínas demais para estudar.
O que dizer, então, da estimativa de que entre
duas pessoas existe uma modificação
para cada gene. Isto significa que cada indivíduo
é diferente do outro em 40 mil modificações
do genoma, onde 500 mil proteínas são
processadas e formam um complexo que gera 1,5 milhão
de alterações.. São justamente
essas informações que tornam as pessoas
diferentes. Então, cada indivíduo vai
reagir a um alimento ou medicamento de uma forma.
Vai depender de processos aleatórios que criam
6 bilhões de diferentes indivíduos que
estão interagindo com o ambiente, com o alimento
que come, com a água que toma, com o ar que
respira, observa o pesquisador.
Dose individual Por
isso, segundo Arruda, a indústria farmacêutica
já está desenvolvendo pesquisas baseadas
na genômica em busca de medicamentos individuais,
com composição e dosagens específicas,
seguindo a informação da expressão
dos genes. Provavelmente, esta vai ser a medicina
praticada daqui a três ou cinco décadas.
Da mesma forma, a indústria de alimentos do
futuro deverá ser de alguma forma direcionada
a determinados grupos, prevê o professor.
Exibindo um complexo mapa metabólico,
que à distância se assemelha ao de uma
cidade com suas vias e edificações,
Paulo Arruda faz uma demonstração: Se
fecharmos o farol em uma dessas vias metabólicas,
realizando a mutação de um gene, as
substâncias se acumularão como os carros,
tornando-se nutricionalmente importantes. Tomando
o óleo de soja como outro exemplo, podemos
bloquear a via dos lipídeos, tornando o produto
mais saudável. É com esta tecnologia
que a indústria pode trabalhar para produzir
alimentos com maior ou menor quantidade de substâncias,
conclui.
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Bill
Gates e a fome
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O cientista Howarth Bouis: Embrapa
será uma parceira importante |
A Fundação
Bill Gates está investindo US$ 25 milhões
de um total de US$ 95 milhões previstos
para dez anos em um programa de pesquisas que
visam à fortificação de alimentos
básicos das populações da África,
América Latina e Ásia. O cientista Howarth
Bouis, diretor do programa, que esteve na Unicamp
para o 5º Slaca, informa que o objetivo é
desenvolver sementes de arroz, feijão, trigo,
milho, mandioca e batata-doce contendo substâncias
como ferro, zinco e vitamina A.
A resposta da
comunidade da área de saúde para a fome
e a desnutrição tem sido a distribuição
de cápsulas e alimentos enriquecidos. Além
de boa parte da população não
ter acesso a esses programas, eles custam muito caro.
Para atender todos os países em desenvolvimento
seriam necessários US$ 1 bilhão por
ano, o que não é uma solução,
pois o mesmo montante precisaria ser investido a cada
ano subseqüente, explica Bouis. Ele observa
que as sementes se propagam, exigindo apenas o investimento
inicial. Não vamos sequer mudar o hábito
alimentar dessas populações, pois vamos
priorizar, por exemplo, o arroz na Ásia e o
feijão e a mandioca no Brasil, acrescenta.
Howarth Bouis diz que
os recursos para o Brasil ainda não estão
definidos, adiantando apenas que a Embrapa será
uma parceira importante. Quanto à motivação
de Bill Gates para destinar parte de sua fortuna aos
países subdesenvolvidos, Bouis lembra que a
fundação já vem distribuindo
vacinas e medicamentos contra Aids, malária
e cólera. Sua preocupação
é melhorar as condições de saúde.
Esta abordagem diferenciada, tentando solucionar o
problema por meio da agricultura, é um projeto
que o agradou muito.
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Tempos de inquisição
|
A pesquisadora Natália Martins, da
Emprapa: desinformação nas
críticas aos transgênicos |
O projeto de lei sobre transgênicos,
que será submetido ao Congresso Nacional,
prevê pena de 1 a 3 anos para quem construir,
cultivar, transportar, transferir, comercializar,
importar e exportar substâncias ou alimentos
geneticamente modificados sem a aprovação
dos órgãos competentes, parecer
só obtido percorrendo exaustivo caminho
burocrático. Os itens proibitivos
compreendem a utilização e manipulação
desses organismos, prejudicando muito as pesquisas
em laboratórios, que dependem de transporte
ou transferência de material genético,
afirma a professora Helaine Carrer, da Esalq/USP.
Segundo ela, vêm-se realizando inúmeros
estudos para introduzir novas características
de interesse agronômico, de aumento do
valor nutricional e de produção
de fármacos em plantas alimentícias
como soja, milho e arroz.
Estamos sofrendo um
processo inquisitório, como na época
de Galileu Galilei, que dizia ser a Terra redonda
contra o paradigma de que era plana, critica
a pesquisadora Natália Florêncio
Martins, do Centro Nacional de Recursos Genéticos
e Biotecnologia (Cenargen) da Emprapa. Ela informa
que a polêmica deixou em suspenso trabalhos
realizados há pelo menos cinco anos,
inclusive quanto à alerginicidade de
transgênicos. A alergia alimentar
existe e atinge parcelas da população
que evitam peixes, crustáceos, queijos
etc. A preocupação é verificar
se alimentos decorrentes da tecnologia de modificação
gênica também oferecem tal risco,
justifica.
Natália Martins vê
muita desinformação nas críticas
aos transgênicos, dirigidas na maioria
por ambientalistas. Estudos da canola
transgênica, com hectares de produção,
comprovaram que seu plantio não traz
qualquer prejuízo à população
ou à biodiversidade. Ao mesmo tempo,
outras pesquisas mostram que plantas geneticamente
modificadas propiciam a redução
do uso de agrotóxicos, o que contempla
o meio ambiente, argumenta.
Mamão
Um mamão modificado pela Embrapa é
o primeiro produto licenciado para pesquisas
em campo no Brasil. Estuda-se sua resistência
ao vírus da mancha anelar,
que provoca um anel preto no fruto e nas folhas,
comprometendo a comercialização
o Brasil é o maior produtor mundial
de mamão. Também estamos
avaliando sua alerginicidade, informa
a pesquisadora da Embrapa. Natália Martins
afirma que a população deve confiar
nos pareceres da Comissão Técnica
Nacional de Biosegurança (CTNBio), que
ganhou perfil interministerial, e cujos cientistas
seguem os parâmetros estabelecidos internacionalmente
para liberação de produtos modificados
ao mercado. A próxima onda de transgênicos
será a de alimentos enriquecidos com
vitaminas e, a terceira, de alimentos contendo
medicamentos. Já temos a insulina, enquanto
o Japão já introduziu vacina na
banana. As ondas que chegam devem mudar a opinião
da população sobre os transgênicos,
prevê a pesquisadora.
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