Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 238 - de 17 a 30 de novembro de 2003
Leia nessa edição
Capa
Diário de Lisboa
Radiografia: C&T no Brasil
Água: fungos e bactérias
Estudo: efeitos contra gotas
Mais velho e mais urbano
Demógrafos: o fio da navalha
Capacitação de professores
Comunicações opticas
Brasil: capitalismo tardio
Unicamp na Imprensa
Painel da semana
Oportunidades
Teses da semana
Vaca mecânica: 2° geração
Genômica: mapeando células
 

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Mais velho e mais urbano
Quatro pesquisadores analisam as transformações registradas
no país a partir de estatísticas recentes

ÁLVARO KASSAB

Está nas estatísticas: a população brasileira ficou mais velha e mais urbana. Os números mostram também que a taxa de fecundidade registra, ao longo dos últimos anos, quedas mais abruptas do que as previstas por especialistas. As projeções apontam também que seremos 250 milhões em 2050. A reboque do seminário transdisciplinar Espaço e População, promovido de 13 a 15 de novembro pelo Núcleo de Estudos da População (Nepo) da Unicamp e pela Abep, o Jornal da Unicamp ouviu os pesquisadores Elza Berquó (Nepo/Unicamp), José Eli da Veiga (FEA/USP), José Marcos Pinto da Cunha (Nepo/Unicamp) e Nazareth Wanderley (UFPE). Nesta e nas duas próximas páginas, os quatro especialistas fazem uma leitura das transformações verificadas na sociedade brasileira contemporânea e discutem as contribuições da demografia para a construção de um país
mais justo.

De acordo com as projeções, a taxa de fecundidade, que teve uma queda de 11% entre 1991
e 2000, continuará declinando até ficar estável por volta de 2050

JU – A taxa de fecundidade vem caindo sistematicamente no país. Essa curva descendente, iniciada na década de 70 e provocada sobretudo pela esterilização em massa de mulheres, jogou por terra projeções feitas por especialistas. Temos hoje um país menos populoso, tendência que será mantida nas próximas décadas. Há quem diga que isso pode resultar num país mais desenvolvido e, conseqüentemente, mais justo. Isto é certo?

Elza Berquó – Não concordo. Em primeiro lugar, coloco os métodos anticoncepcionais, inclusive a esterilização que agora está normatizada, na área dos direitos reprodutivos de mulheres e homens. Isso não tem a ver necessariamente com desenvolvimento.

Um fato importante a salientar é o rejuvenescimento da fecundidade no Brasil. A fecundidade por faixa etária caiu em todas as idades. Teve uma queda de 11% entre 1991 e 2000 e vai continuar declinando para estabilizar possivelmente em 2050, num valor que é 1,83%. Essas são as estimativas das Nações Unidas e o IBGE concorda com isso.

Comecei a mexer e trabalhar com essas informações, divulgadas recentemente e que integram os microdados do censo 2000, porque passou a ser difundida no Brasil, inclusive por muita gente importante, a idéia de uma associação entre os grotões de pobreza e uma suposta volta à explosão demográfica. Achei um descalabro.
Na verdade, a fecundidade continua caindo, embora a queda agora não seja tão vigorosa como foi antes, já que agora tem pouca gordura para tirar. Para ser contra essa colocação que surgiu por aí, mostrei que a queda da fecundidade total, entre 1990 e 2000, foi maior entre as mulheres mais pobres, negras, nordestinas e menos escolarizadas.

O que pretendo dizer com rejuvenescimento é que o único grupo etário no qual a fecunidade não caiu, pelo contrário, aumentou 25%, é o de jovens de 15 a 19 anos. E nessa faixa etária, em que grupo mais aumentou? Entre as mulheres jovens mais pobres, negras, menos escolarizadas e que moram nas regiões metropolitanas do Sudeste.

Tenho um argumento para esse rejuvenescimento. Em 1980, o peso da fecundidade das jovens de 15 a 19 anos, no universo da fecundidade total, era de 9%. Em 1991, esse peso passou para 14%. E, em 2000, chegou a 20%. Então, se o peso do grupo mais jovem cresce dentro da fecundidade total, significa que nós estamos rejuvenescendo a fecundidade. Isso porque, no grupo de 20 a 34 anos, o peso da fecundidade permaneceu inalterado em 70%, de 1980 a 2000. Portanto, esse grupo, que é o maior, continua com o mesmo peso na pirâmide. Já o grupo de 35 anos ou mais, que representava 21% do total da fecundidade em 1980, passa a representar 16%, em 1991, e 12% em 2000.

Há então uma inversão. Quem mais pesa na fecundidade total é a fecundidade das mulheres jovens, caindo o peso das mulheres mais velhas. Por outro lado, o que me garante que esse aumento da fecundidade das jovens não vai alterar substancialmente a taxa geral de fecundidade, que certamente continuará caindo?
Isso porque, quando olhamos o peso das mulheres – não de fecundidade – de 15 a 49 anos, que estão na faixa reprodutiva, vou observar que o grupo de 15 a 19 anos, que representava 23% em 1980, passa a representar 19%, em 1991, e 17% em 2000. Ou seja, o peso relativo da população jovem na população total, em idade reprodutiva, vem pesando cada vez menos. Traduzindo: a fecundidade das jovens pesa cada vez mais, mas esse grupo, em termos populacionais, tem um peso cada vez menor.

Em termos de mulheres, o grupo de 35 anos ou mais, que representava 27%, em 1980, passou a 31%, em 1991, e a 35% em 2000. Esse grupo de mulheres mais velhas pesa mais na população total em idade reprodutiva, enquanto as mais jovens pesam menos. Se o grupo mais velho tem fecundidade que pesa menos, ocorre o inverso no que diz respeito à população. Já o grupo de mulheres de 20 a 34 anos, cujo peso na fecundidade não se alterou em 20 anos, teve da mesma forma seu peso inalterado populacionalmente. Não será, portanto, esse grupo o responsável pelo equilíbrio. Há, então, uma compensação desses dois grupos extremos.

José Eli da Veiga – Essa relação mecânica entre demografia e desenvolvimento está sempre errada. Ninguém vai poder concordar com isso. Em algum momento, independentemente dos métodos utilizados, e por força da melhora das condições de vida, essa inversão da taxa ia acontecer. Isso foi registrado em todos os países. É o que a gente chama de transição demográfica.

A discussão é a seguinte: compensa ou não acelerar esse processo? Acho que é uma discussão válida, já que muitas vezes as taxas de natalidade são superiores justamente onde há mais miséria. Porém, afirmar que segurar a população vai deixar o país mais desenvolvido, é absurdo. A desigualdade teria aumentado de qualquer forma, com maior ou com menor taxa de natalidade.

Se diminui a taxa de natalidade, dá para dizer apenas que diminui o volume dos miseráveis. Desigualdade, porém, é outra coisa. Pode ter desigualdade, por exemplo, em países que estão perdendo população. Contingente de pobreza em números absolutos é uma coisa, desigualdade é outra. Essas duas coisas não caminham juntas. Pobreza é um conceito absoluto de números de pessoas abaixo de um determinado patamar de bem-estar. A pobreza pode estar diminuindo e a desigualdade aumentando, e vice-versa.

José Marcos Pinto da Cunha – Definitivamente, a resposta é não. Sou contra qualquer tipo de visão neomalthusiana. Mesmo que eu considere que uma população menor seja de fato mais manejável – ninguém em sã consciência pode negar isso –, esse não é o problema do Brasil. Nos anos 70, que foram o grande momento de se pensar o controle da natalidade, se dizia justamente isso – que os países subdesenvolvidos precisavam reduzir a sua natalidade, porque cresciam muito rapidamente, o que poderia complicar o desenvolvimento.

Vemos hoje o Brasil com uma taxa de crescimento com a metade do que era nos anos 70, mas muito mais desigual do que o daquela época. A comunidade demográfica brasileira naquela época colocava-se muito claramente com relação a isso em oposição a certas intervenções de algumas ONGs que pediam o controle da fecundidade por meio de programas de controle.

A questão não era o tamanho populacional, era muito mais complexa. Nada melhor que o tempo para mostrar que realmente a comunidade tinha razão. Essa visão neomalthusiana não se sustenta sob hipótese nenhuma, porque hoje somos um país muito mais desigual. Isso é o que mais entristece. Somos um país crescendo a níveis muito baixos, sobretudo se compararmos a alguns países desenvolvidos.

Os 175 milhões de brasileiros estão muito maldistribuídos. A heterogeneidade territorial, em termos socieconômicos, do Brasil é muito grande. Isso implica num volume de movimentos migratórios importantes.Trata-se de um componente que vem se dando desde os anos 50. A população é também maldistribuída, mas isso tem que ver muito com a heterogeneidade e a desigualdade regionais, que são fortíssimas.

Nazareth Wanderley – Vou opinar como cidadã. A falta de planejamento familiar não é o nosso maior problema, mas faz parte de um problema maior. Quando vejo famílias com 10, 11 filhos, é algo que me assusta. Penso que a Igreja Católica é muito responsável por isso. Ela se recusa a enfrentar o problema, por suas próprias razões.


Continua...

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