Mais velho e mais urbano
Quatro
pesquisadores analisam as transformações
registradas
no país a partir de estatísticas recentes
ÁLVARO
KASSAB
Está
nas estatísticas: a população
brasileira ficou mais velha e mais urbana. Os números
mostram também que a taxa de fecundidade registra,
ao longo dos últimos anos, quedas mais abruptas
do que as previstas por especialistas. As projeções
apontam também que seremos 250 milhões
em 2050. A reboque do seminário transdisciplinar
Espaço e População, promovido
de 13 a 15 de novembro pelo Núcleo de Estudos
da População (Nepo) da Unicamp e pela
Abep, o Jornal da Unicamp ouviu os pesquisadores Elza
Berquó (Nepo/Unicamp), José Eli da Veiga
(FEA/USP), José Marcos Pinto da Cunha (Nepo/Unicamp)
e Nazareth Wanderley (UFPE). Nesta e nas duas próximas
páginas, os quatro especialistas fazem uma
leitura das transformações verificadas
na sociedade brasileira contemporânea e discutem
as contribuições da demografia para
a construção de um país
mais justo.
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De acordo com as projeções, a taxa
de fecundidade, que teve uma queda de 11% entre
1991
e 2000, continuará declinando até
ficar estável por volta de 2050 |
JU
A taxa de fecundidade vem caindo sistematicamente
no país. Essa curva descendente, iniciada na
década de 70 e provocada sobretudo pela esterilização
em massa de mulheres, jogou por terra projeções
feitas por especialistas. Temos hoje um país
menos populoso, tendência que será mantida
nas próximas décadas. Há quem
diga que isso pode resultar num país mais desenvolvido
e, conseqüentemente, mais justo. Isto é
certo?
Elza Berquó
Não concordo. Em primeiro lugar, coloco os
métodos anticoncepcionais, inclusive a esterilização
que agora está normatizada, na área
dos direitos reprodutivos de mulheres e homens. Isso
não tem a ver necessariamente com desenvolvimento.
Um fato importante a salientar é
o rejuvenescimento da fecundidade no Brasil. A fecundidade
por faixa etária caiu em todas as idades. Teve
uma queda de 11% entre 1991 e 2000 e vai continuar
declinando para estabilizar possivelmente em 2050,
num valor que é 1,83%. Essas são as
estimativas das Nações Unidas e o IBGE
concorda com isso.
Comecei a mexer e trabalhar com
essas informações, divulgadas recentemente
e que integram os microdados do censo 2000, porque
passou a ser difundida no Brasil, inclusive por muita
gente importante, a idéia de uma associação
entre os grotões de pobreza e uma suposta volta
à explosão demográfica. Achei
um descalabro.
Na verdade, a fecundidade continua caindo, embora
a queda agora não seja tão vigorosa
como foi antes, já que agora tem pouca gordura
para tirar. Para ser contra essa colocação
que surgiu por aí, mostrei que a queda da fecundidade
total, entre 1990 e 2000, foi maior entre as mulheres
mais pobres, negras, nordestinas e menos escolarizadas.
O que pretendo dizer com rejuvenescimento
é que o único grupo etário no
qual a fecunidade não caiu, pelo contrário,
aumentou 25%, é o de jovens de 15 a 19 anos.
E nessa faixa etária, em que grupo mais aumentou?
Entre as mulheres jovens mais pobres, negras, menos
escolarizadas e que moram nas regiões metropolitanas
do Sudeste.
Tenho um argumento para esse rejuvenescimento.
Em 1980, o peso da fecundidade das jovens de 15 a
19 anos, no universo da fecundidade total, era de
9%. Em 1991, esse peso passou para 14%. E, em 2000,
chegou a 20%. Então, se o peso do grupo mais
jovem cresce dentro da fecundidade total, significa
que nós estamos rejuvenescendo a fecundidade.
Isso porque, no grupo de 20 a 34 anos, o peso da fecundidade
permaneceu inalterado em 70%, de 1980 a 2000. Portanto,
esse grupo, que é o maior, continua com o mesmo
peso na pirâmide. Já o grupo de 35 anos
ou mais, que representava 21% do total da fecundidade
em 1980, passa a representar 16%, em 1991, e 12% em
2000.
Há então uma inversão.
Quem mais pesa na fecundidade total é a fecundidade
das mulheres jovens, caindo o peso das mulheres mais
velhas. Por outro lado, o que me garante que esse
aumento da fecundidade das jovens não vai alterar
substancialmente a taxa geral de fecundidade, que
certamente continuará caindo?
Isso porque, quando olhamos o peso das mulheres
não de fecundidade de 15 a 49 anos,
que estão na faixa reprodutiva, vou observar
que o grupo de 15 a 19 anos, que representava 23%
em 1980, passa a representar 19%, em 1991, e 17% em
2000. Ou seja, o peso relativo da população
jovem na população total, em idade reprodutiva,
vem pesando cada vez menos. Traduzindo: a fecundidade
das jovens pesa cada vez mais, mas esse grupo, em
termos populacionais, tem um peso cada vez menor.
Em termos de mulheres, o grupo de
35 anos ou mais, que representava 27%, em 1980, passou
a 31%, em 1991, e a 35% em 2000. Esse grupo de mulheres
mais velhas pesa mais na população total
em idade reprodutiva, enquanto as mais jovens pesam
menos. Se o grupo mais velho tem fecundidade que pesa
menos, ocorre o inverso no que diz respeito à
população. Já o grupo de mulheres
de 20 a 34 anos, cujo peso na fecundidade não
se alterou em 20 anos, teve da mesma forma seu peso
inalterado populacionalmente. Não será,
portanto, esse grupo o responsável pelo equilíbrio.
Há, então, uma compensação
desses dois grupos extremos.
José Eli da Veiga
Essa relação mecânica entre
demografia e desenvolvimento está sempre errada.
Ninguém vai poder concordar com isso. Em algum
momento, independentemente dos métodos utilizados,
e por força da melhora das condições
de vida, essa inversão da taxa ia acontecer.
Isso foi registrado em todos os países. É
o que a gente chama de transição demográfica.
A discussão é a seguinte:
compensa ou não acelerar esse processo? Acho
que é uma discussão válida, já
que muitas vezes as taxas de natalidade são
superiores justamente onde há mais miséria.
Porém, afirmar que segurar a população
vai deixar o país mais desenvolvido, é
absurdo. A desigualdade teria aumentado de qualquer
forma, com maior ou com menor taxa de natalidade.
Se diminui a taxa de natalidade,
dá para dizer apenas que diminui o volume dos
miseráveis. Desigualdade, porém, é
outra coisa. Pode ter desigualdade, por exemplo, em
países que estão perdendo população.
Contingente de pobreza em números absolutos
é uma coisa, desigualdade é outra. Essas
duas coisas não caminham juntas. Pobreza é
um conceito absoluto de números de pessoas
abaixo de um determinado patamar de bem-estar. A pobreza
pode estar diminuindo e a desigualdade aumentando,
e vice-versa.
José Marcos Pinto da Cunha
Definitivamente, a resposta é não.
Sou contra qualquer tipo de visão neomalthusiana.
Mesmo que eu considere que uma população
menor seja de fato mais manejável ninguém
em sã consciência pode negar isso ,
esse não é o problema do Brasil. Nos
anos 70, que foram o grande momento de se pensar o
controle da natalidade, se dizia justamente isso
que os países subdesenvolvidos precisavam reduzir
a sua natalidade, porque cresciam muito rapidamente,
o que poderia complicar o desenvolvimento.
Vemos hoje o Brasil com uma taxa
de crescimento com a metade do que era nos anos 70,
mas muito mais desigual do que o daquela época.
A comunidade demográfica brasileira naquela
época colocava-se muito claramente com relação
a isso em oposição a certas intervenções
de algumas ONGs que pediam o controle da fecundidade
por meio de programas de controle.
A questão não era
o tamanho populacional, era muito mais complexa. Nada
melhor que o tempo para mostrar que realmente a comunidade
tinha razão. Essa visão neomalthusiana
não se sustenta sob hipótese nenhuma,
porque hoje somos um país muito mais desigual.
Isso é o que mais entristece. Somos um país
crescendo a níveis muito baixos, sobretudo
se compararmos a alguns países desenvolvidos.
Os 175 milhões de brasileiros
estão muito maldistribuídos. A heterogeneidade
territorial, em termos socieconômicos, do Brasil
é muito grande. Isso implica num volume de
movimentos migratórios importantes.Trata-se
de um componente que vem se dando desde os anos 50.
A população é também maldistribuída,
mas isso tem que ver muito com a heterogeneidade e
a desigualdade regionais, que são fortíssimas.
Nazareth Wanderley
Vou opinar como cidadã. A falta de planejamento
familiar não é o nosso maior problema,
mas faz parte de um problema maior. Quando vejo famílias
com 10, 11 filhos, é algo que me assusta. Penso
que a Igreja Católica é muito responsável
por isso. Ela se recusa a enfrentar o problema, por
suas próprias razões.
Continua...