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Computador afeta o sono, conclui tese
Pesquisa feita com 1,4 mil universitários
mostra que mais de 60% dormem mal
Estudo
realizado no Centro de Investigação em Pediatria (Ciped) pelo
programa de pós-graduação em saúde da criança e do adolescente
da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp comprova
que mais de 60% dos estudantes universitários dormem mal.
A causa principal: o uso de computador à noite. Dependendo
do horário, o índice ultrapassa a marca de 70%. O estudo,
realizado pela psicóloga Gema Galgani Mesquita Duarte e orientado
pelo professor Rubens Nelson do Amaral de Assis Reimão, foi
tema da tese de doutorado “Hábitos de vida e queixas de sono
em um grupo de jovens universitários”. O trabalho foi publicado
este mês na revista Arquivos de Neuropsiquiatria, indexada
no Scielo e na MedLine.
Além de observar que os jovens
estão dormindo mal à noite por causa do uso do computador,
a pesquisa trouxe à tona outros dados, como a influência do
tabaco nos distúrbios do sono e a não-interferência de atividades
físicas na melhora de sua qualidade.
O interesse em pesquisar a
percepção do sono entre adultos jovens que ingressam na universidade
surgiu a partir de um estudo anterior, no qual a pesquisadora
investigou os padrões do sono relacionados à utilização do
computador entre adolescentes que frequentavam o ensino médio.
Para dar continuidade ao estudo, Gema aplicou um questionário
para mais de 1.400 estudantes universitários da Universidade
Federal de Alfenas.
O questionário incluía perguntas
sobre o tipo de alimentação (sanduíches, frutas, legumes,
carnes e derivados do leite), exercícios físicos, consumo
de bebida alcoólica, tabagismo e a saída para festas e eventos
noturnos. E, ainda, sobre a utilização de computadores e da
televisão durante as noites, cochilos durante os dias e se
as preocupações afetivas e financeiras influenciavam. Para
avaliar a qualidade do sono foi utilizado o Índice de Qualidade
de Sono de Pittsburgh (IQSP), composto por 19 itens autoavaliativos.
São considerados bons dormidores aqueles que obtiveram uma
pontuação menor que cinco e maus dormidores, maior que cinco.
Utilizando-se do processo
de seleção de regressão stepwise, para o estudo da percepção
do sono, cujo índice de confiabilidade é de 95%, a pesquisadora
escolheu, aleatoriamente, 710 questionários. Deste total,
Gema identificou 428 maus dormidores e 282 bons.
“Avaliamos a percepção do
sono por meio do Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh
(IQSP). Este índice indica a duração e a latência do sono,
a sonolência diurna e os distúrbios. Eu esperava que o álcool
e a ‘balada’ fossem determinantes para o aumento de maus dormidores,
mas foram o computador e o tabaco que mais alteraram o sono
dos universitários”, disse Gema.
Cientistas e pesquisadores
acreditam que a boa qualidade do sono seja imprescindível
para a manutenção de uma vida saudável. Segundo estudos internacionais
utilizados pela pesquisadora para balizar o trabalho, o sono,
além ser importante para restauração da energia física, participa
das atividades mentais e emocionais. Dormir mal pode repercutir
nas atividades do aprendizado dentro e fora do ambiente escolar.
Esses mesmos estudos demonstram que a falta de sono ou sua
má qualidade estão relacionadas com a diminuição da motivação
e da concentração, déficits de memória, sonolência diurna
e alterações de humor. Por outro lado, o sono de boa qualidade
é apontado como fator-chave para o desempenho acadêmico.
O bom sono depende de regularidade
dos horários de se deitar e de se levantar, da preservação
do tempo de sono, de acordo com a faixa etária e livre dos
distúrbios. Dentre os distúrbios do sono, estão as latências
do sono aumentadas, acordar no meio da noite, o ronco, os
pesadelos e as dores musculares. A qualidade do sono depende,
ainda, da necessidade diária, a qual varia de indivíduo para
indivíduo e de acordo com a idade.
Variabilidade
De acordo com a literatura
médica mundial, há uma variabilidade individual da necessidade
do sono. Normalmente, um adulto jovem na faixa etária entre
17 e 25 anos precisa de sete a oito horas e meia de sono por
noite. Há pessoas, entretanto, que com apenas cinco horas
se sentem satisfeitas e restauradas para as atividades diárias,
entretanto, alerta a pesquisadora, é importante que o período
de dormir seja à noite, pois a fisiologia do sono depende
do relógio biológico que, por sua vez, está sincronizado com
o dia e a noite, isto é, o claro e o escuro – determinados
pela rotação da Terra. O hormônio do sono, a melatonina, é
metabolizado durante a noite.
Quando analisada a utilização
da televisão e do computador, observa-se que estes se assemelham
na intensidade da emissão da luz, mas o modo de uso é diferente.
Diante do aparelho de televisão o telespectador se coloca,
na maioria das vezes, confortavelmente sentado ou deitado,
controlando os canais pelo controle remoto a uma distância
de aproximadamente 3 metros da tela. Diante do monitor do
computador, o internauta fica a uma distância de 50 a 60 centímetros
da tela e sua interação é muito mais ativa, tanto física como
mentalmente.
No
caso do computador, a luz emitida pelo aparelho fica muito
próxima da retina. As células da retina, ao receberem estímulo
luminoso, enviam uma mensagem elétrica que alcança o hipotálamo;
este, além de comandar as glândulas do organismo, possui um
pequeno núcleo onde se localiza o relógio biológico, essencial
à manutenção dos ritmos e dos ciclos sono-vigília. A intensidade,
a variação e o horário das luzes emitidas pelos aparelhos
incidindo sobre a retina desregulam no organismo a liberação
normal de melatonina, o hormônio responsável pelo sono e,
consequentemente, alteram sua qualidade.
“Quando você fica na frente
do computador exposto à luz do monitor até a meia-noite, há
atraso no ciclo vigília-sono. As pessoas vão demorar para
dormir, e a metabolização do hormônio do sono será mais lenta.
Quando essa exposição acontece depois da meia-noite, há um
adiantamento dessa fase e as pessoas vão ficar mais sonolentas.
O ideal, para que uma pessoa durma bem e tenha qualidade do
sono, é que ela durma à noite e evite a claridade”, explicou
Gema.
O fato de acessar o computador
durante as noites nos dias da semana aumentou as proporções
de maus dormidores. De acordo com o estudo, 58,06% dormem
mal e acessam o computador entre 19 e 21 horas; 71,43% têm
problemas com o sono e usam o equipamento entre 19 e 22 horas;
73,33% apresentam incômodos e fazem uso do computador entre
19 e 24 horas; 52,38% dormem mal e utilizam o aparelho das
19 horas até de madrugada.
Entre os internautas de finais
de semana, 36,45% acessam o computador e dormem bem, enquanto
63,55% usam a internet e dormem mal. Em relação aos horários
de assistir TV, os grupos não diferenciaram entre si na classificação
do sono. Outra questão apontada pelo estudo foi que 83,4%
das mulheres pesquisadas têm mais chance de dormir mal quando
utilizam o computador entre o horário das 19 às 24 horas.
Já com relação aos homens, este índice ficou em 47,7%, de
acordo com a pesquisa.
Para os resultados do consumo
de álcool relacionados à classificação do sono, o estudo demonstrou
que 58,33% não consomem álcool e 61,28% bebem e dormem mal.
Com relação ao tabaco, os dados demonstraram que 59,76% dos
não-fumantes e 70,59% dos fumantes têm problemas com o sono.
“Entretanto, se analisarmos o uso do tabaco com o uso do computador,
o tabaco apresentou um índice de 4,7% menor se comparado ao
impacto da utilização do equipamento que, de acordo com a
pesquisa, foi de 51,1%”, disse Gema.
Na variável “frequentar baladas
noturnas”, os grupos não apresentaram diferenças significativas
entre si em relação aos bons e maus dormidores. Nos resultados
da prática dos “exercícios físicos” foi observado que 60,59%
dos que não praticam atividades físicas e 59,94% dos que se
exercitam dormem mal. Entre os universitários que praticam
atividade física e acessam o computador à noite nos horários
das 19 às 24 horas, o estudo mostrou índices significativos
para o aumento de maus dormidores.
“Eu imaginava que os universitários
que praticavam atividade física dormissem bem, mas na minha
amostragem não foi isso que vi. Dos 374 universitários que
praticam atividades físicas, 147 acessam o computador à noite
e dormem mal. Que a atividade física diminui o distúrbio do
sono é verdade, mas que contribui para aumentar o número de
bons dormidores, isso não”, observou a pesquisadora, surpresa
com os dados. “Porque, em nossa pesquisa, vimos que os jovens
que praticam exercícios físicos alimentam-se mal, consomem
bebidas alcoólicas, vão para baladas e ainda utilizam-se do
computador no período da noite. Mas foi o uso do equipamento
à noite o que mais piorou a qualidade do sono dos universitários
que praticam exercícios físicos”.
Segundo Gema, o horário da
prática de atividade física pode, ainda, piorar o sono. Há
um estudo internacional que faz uma associação entre praticantes
de atividade física e consumo de cafeína. Segundo o estudo,
o tempo de sono profundo foi menor para quem usa cafeína.
“Fiz outras associações e observamos que somente o fato de
praticar exercícios físicos não é suficiente para melhorar
a qualidade do sono. Minha hipótese é de que quem faz exercício
físico tem que ter hábito salutar para cooperar com um bom
sono”, comentou.
Mas Gema sabe que pedir para um jovem ou um universitário
parar ou diminuir o uso do computador à noite é quase uma
utopia. Mãe de três filhos, que no início da pesquisa eram
adolescentes e hoje já cursam a universidade e utilizam o
computador dia e noite, ela afirma que o que era uma “voz
solitária gritando no deserto” e preocupação de mãe virou
comprovação acadêmica e científica.
Geração Y
“Meus filhos fazem parte da
geração Y, que nasceu utilizando a tecnologia, principalmente
o computador. Eles são estimulados a usá-lo. Quando chegam
em casa, a primeira coisa que fazem é abrir email, Orkut ou
Messenger. Combinam de ir para a balada pelo computador; ao
voltarem, muitas vezes de madrugada, acessam a internet para
comentar o que aconteceu na balada. É uma necessidade de comunicação.
Trata-se de um estilo de vida que está alterando comportamentos,
prejudicando a saúde dos jovens, podendo acarretar, inclusive,
sobrepeso, porque a utilização do computador está diminuindo
o tempo de sono desta geração”, alertou a pesquisadora.
Esta é outra questão apontada
pela pesquisadora – a relação sono e obesidade. Segundo Gema,
estudos internacionais demonstram que a diminuição do tempo
do sono está relacionada com o aumento do sobrepeso da população,
com o aumento da diabetes II, com problemas gastrointestinais,
entre outros. Isto acontece, segundo esses estudos, porque
ao dormir o organismo produz um outro tipo de hormônio, chamado
de peptina, que regula a sensação de fome. O sono equilibra
todas as reações bioquímicas do organismo, mantendo o bom
funcionamento das células do corpo, dos órgãos e sistemas
endócrinos. A falta de uma boa qualidade do sono parece ter
um impacto nos condutores fisiológicos do balanço energético,
nomeadamente no apetite e no gasto energético.
“É por isso que algumas pessoas
acordam no meio da noite e vão comer. Sabe-se, também, que
as pessoas que dormem menos, vivem menos. Há estudos internacionais
que mostram que dormir pouco aumenta o risco dos transtornos
psiquiátricos e emocionais. Dormir bem é fundamental à saúde.
O computador é um excelente meio de comunicação, mas temos
que investigar o que ele está causando na humanidade. Tudo
isto eu comento na pesquisa”, disse.
Na opinião de Gema, mais do
que levantar hipóteses, a pesquisa mostra que está diminuindo
o tempo de sono dos jovens e isto pode acarretar sérios problemas
de saúde. “Você pode passar 12 horas na cama, mas se o sono
for interrompido e não tiver qualidade, não será reparador
e além do mais não se repõem as horas de sono perdidas”, disse.
Para o futuro, a pesquisadora
faz um prognóstico, definido por uma palavra: isolamento.
As pessoas vão se comunicar dentro de casa pelo computador,
cada uma em seu quarto. Será uma nova forma de comportamento.
“Há uma pesquisa em andamento que estou orientando que avalia
quão real é a emoção do internauta pela tela do computador.
A raiva ou o amor que ele sente atrás de um monitor de computador
é igual ao que ele sente e demonstra pessoalmente? Estamos
investigando”, comentou Gema.
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Tese de doutorado “Hábitos de vida e queixas
de sono em um grupo de jovens universitários”
Autora: Gema Galgani Mesquita Duarte
Orientador: Rubens Nelson do Amaral de Assis
Reimão
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)
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