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TECNOLOGIA
Guerra
de robôs
Universitários levam à arena engenhocas
projetadas para destruir rivais
O
pôr-do-sol banha de luz dourada o interior da arena. Isolados
da impaciente e ruidosa platéia, quatro guerreiros ocupam
seus lugares e empunham armas à espera da ordem que os
lançará em um combate mortal. As regras são
claras e cruéis: irão lutar até restar
um único sobrevivente. O mais hábil e forte é
o digno de ser aclamado campeão.
Embora
possa sugerir um implacável duelo entre gladiadores no
Coliseu romano, a cena ocorreu cerca de 1.500 anos depois, no
final da tarde de 4 de outubro último, no campus da Unicamp.
Em vez de guerreiros humanos, engenhocas construídas
com metal e circuitos integrados duelaram em uma arena de quatro
metros de diâmetro, montada com malha de aço e
chapas de policarbonato transparente.
Também
não se tratou de uma batalha entre andróides dotados
de inteligência artificial e letais canhões de
raio laser, tal qual nos filmes de ficção científica.
De forma bem menos hollywoodiana, porém tão empolgante
quanto a final de um campeonato com direito a torcida
uniformizada, hinos e provocações mútuas
na arquibancada , a guerra de robôs teve o mérito
de testar, em um trabalho acadêmico prático não
convencional, o conhecimento teórico de alunos de graduação
das áreas de engenharia mecânica, engenharia elétrica
e engenharia de controle e automação de quatro
universidades.
Organizada
por alunos do curso de Mecatrônica da Unicamp, e inspirada
em eventos semelhantes realizados nos EUA, Canadá, Coréia,
Inglaterra e outros países europeus, a competição
reuniu também equipes da Escola Politécnica (Poli)
da USP, do Instituto Tecnológico da Aeronáutica
(ITA) e da Escola Federal de Engenharia de Itajubá (Efei),
Minas Gerais. Com o aval de professores, os estudantes soltaram
a criatividade na concepção e montagem de pequenas
máquinas rádio-controladas, dotadas de armas
para imobilizar ou avariar os robôs adversários.
Quebra-cabeça
Talvez pelo excesso de imaginação ou pela
demasiada preocupação em surpreender os oponentes
com características operacionais e táticas inusitadas,
os projetos resultaram em engenhos no mínimo mirabolantes.
Um
dos robôs, de formato circular e com uma hélice
de aço pontiaguda no centro de sua estrutura, lembrava
um circulador de ar deitado sobre rodas. Outro, com dimensões
de mala de viagem e construído com perfis de alumínio,
movia-se deitado, impul-sionado por lagartas como em um tanque
de combate. Dois outros aparatos imitavam pequenos veículos
blindados: mediam cerca de 1,50 metro de comprimento e 40 cm
de largura, tinham quatro rodas e, coinci-dentemente, idênticos
dispositivos de ataque: discos circulares de corte e desbaste
comprados em qualquer boa loja de ferragens, que giravam presos
a uma haste na parte dianteira.
Aliás,
a montagem das engenhocas assemelhou-se à organização
de um complexo quebra-cabeça eletro-mecânico. Componentes
sofisticados, como os chips de memória programável
para o comando dos robôs por sinais de rádio, compartilhavam
funções com peças prosaicas, como o motor
de um limpador de pára-brisa de automóvel e a
corrente de uma bicicleta.
São
projetos que deixam a desejar sob o ponto de vista da engenharia
e não resistem a uma análise mais crítica.
Porém, nesse tipo de experimento, a liberdade de executar
e de aprender com os erros é mais importante do que o
rigor técnico, argumenta o professor Eduardo Hisasi
Yagyu, do ITA.
É
uma atividade extra-curricular que estimula não só
a aplicação prática do conhecimento teórico,
mas também aspectos complementares da formação
acadêmica não contemplados pelas matérias
curriculares, como planejamento, organização e
disciplina de trabalho, salienta o professor João
Maurício Rosário, coordenador do curso de Mecatrônica
da Unicamp.
Noites
insones Pode parecer simples diversão, mas para
montar os robôs os estudantes precisam aplicar princípios
mecatrônicos que aprendem nas aulas. Resistência
dos materiais, dinâmica e eletrônica digital são
exemplos de disciplinas que eles devem dominar para construir
algo que, de fato, funcione. Só que viabilizar um projeto
torna-se tarefa ainda mais árdua quando não é
possível materializar todas as idéias.
As
limitações impostas pelas regras da prova (como
o peso dos robôs em até 50 quilos e a proibição
do lançamento de artefatos pirotécnicos e a injeção
de líquidos corrosivos nas máquinas adversárias)
frearam a criatividade dos estudantes e levaram a sucessivas
mudanças no projeto. Os alunos da Efei, por exemplo,
abandonaram a idéia de dotar o robô Scorpion de
duas garras frontais que abriam e fechavam como as presas de
um escorpião, depois que o primeiro protótipo
ficou com peso acima do permitido, revelou Leonardo Deletrate,
integrante da equipe.
Por
isso, para esses estudantes, os últimos três meses
foram de madrugadas insones em sucessivos testes nos laboratórios
e oficinas das quatro instituições, de forma a
conciliar idéias e regras, prazos, custos e benefícios
na viabilização dos projetos. Conseguiram.
A
competição pôs à prova, de uma forma
inédita, nossa capacidade de utilizar corretamente conceitos
robóticos, afirma o terceiranista Márcio
Yamamoto, coordenador da equipe Marthe (o deus olímpico
da guerra), representante da Unicamp.
Próprias
falhas A meta do confronto era declarar vencedor
o robô capaz de imobilizar os adversários o maior
número de vezes ou danificá-los a ponto de alijá-los
da disputa. Ao final de cinco rounds, porém, engenhocas
foram postas fora de combate mais por falhas próprias
do que por mérito dos oponentes. Problemas técnicos
os mais diversos (rompimento de correias de transmissão
nos motores, falhas na recepção de sinais de rádio
e curto-circuito em componentes elétricos, entre outros)
comprometeram a performance das máquinas. A classificação,
então, levou em conta o melhor desempenho, e na avaliação
da comissão julgadora venceu o robô Scorpion, da
Efei. A equipe da Poli ficou em segundo lugar, enquanto Unicamp
e ITA dividiram a terceira colocação.
Objetivos
belicosos à parte, o desenvolvimento dos robôs
e a realização da prova proporcionou dividendos
humanitários. Alimentos não perecíveis,
recolhidos pelos estudantes como ingresso dos espectadores,
foram doados ao Lar Caminho da Verdade, entidade assistencial
de Campinas. Já o projeto de acionamento eletro-mecânico
do robô da Unicamp será redirecionado para o projeto
de uma cadeira de rodas motorizada de baixo custo, que alunos
e professores da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM)
estão desenvolvendo em parceria com o Hospital de Clínicas
(HC) da Universidade.
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Mecatrônica da Unicamp tem ênfase na prática
como diferencial
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