|
Trajetória
com ética e genialidade Carlos Franchi assume comportamento
exemplar no período em que a Unicamp esteve sob intervenção
do governo do Estado A
ética e a genialidade foram as características mais marcantes na
trajetória acadêmica de Carlos Franchi, na opinião do professor
Wanderley Geraldi, que foi seu aluno, orientando e colega no Instituto de Estudos
da Linguagem (IEL) da Unicamp. Comportamento ético exemplar foi o
que o professor Franchi demonstrou no período em que a Unicamp esteve sob
intervenção do governo do Estado, em 1981, opina Geraldi,
que foi também diretor do IEL. À
frente do Insituto, Franchi integrou o então chamado Grupo de Diretores
da Unicamp, que estava conduzindo o processo de sucessão do reitor. Seu
nome é incluído na lista sêxtupla pela primeira vez escolhida
pela comunidade, mas não chegou a ser enviada ao governador de São
Paulo, na época Paulo Maluf, que interveio na Unicamp afastando diretores,
designando interventores nas unidades e com isso modificando sensivelmente a composição
do então Conselho Diretor. Foi no contexto político da intervenção
e do Conselho Diretor modificado que foi elaborada a lista com o que então
se denominou solução Pinotti, resultado de um acordo
forçado entre lideranças da comunidade universitária
e o governo Maluf. Recomposta
a lista pelo Conselho Diretor, os interventores se retiram, os diretores que tiveram
seus mandatos cassados entram na Justiça e retornam a seus cargos por mandados
de segurança. Com o gesto autoritário, ao estilo Paulo Maluf, desfaz-se
a primeira tentativa de indicação pela comunidade de seu Reitor:
a intervenção atingira seus objetivos embora o governador tenha
sido forçado pelo movimento de estudantes, funcionários e professores
a uma solução negociada. Franchi foi o único do Grupo
de Diretores que não retornou ao cargo, porque não pôde entrar
na Justiça: a comunidade do IEL tinha escolhido seu nome por unanimidade
e, portanto, não encaminhou uma lista tríplice ao Reitor para sua
indicação para o cargo. Este avanço político do IEL
acabou viciando formalmente - mas não politicamente - o processo de sua
indicação para Diretor. E
é também nesse período que Franchi revela, mais uma vez,
a postura ética com que sempre pautou suas ações, afirma
Geraldi. Ele teve a capacidade de dizer que não poderia entrar em
conjunto no processo judicial porque, como iria perder, também os demais
poderiam não obter o mandato. Como era uma posição
conjunta, o interesse de Franchi em reassumir o cargo de diretor ficou abaixo
de um interesse mais amplo dos demais diretores. A forma de sua indicação
pelo IEL, em lista somente com seu nome, contrariava os regimentos então
vigentes na universidade. Antes da institucionalização da
Unicamp, éramos regidos por regimentos e estatutos do funcionalismo público
e pelos regimentos da USP no que coubesse, esclarece Geraldi. Franchi
decide então ir para Berkley, nos Estados Unidos, onde faz um pós-doutorado.
Na volta, é eleito presidente da Associação Brasileira de
Linguística, com um renome acadêmico muito grande, embora, lembra
Geraldi, não tenha feito aquilo que a Capes hoje mais releva num professor
universitário, que é publicar. Ele tinha uma grande formação,
mas sempre se recusou a correr atrás de papers e de publicação.
Segundo
Geraldi, Franchi tinha sempre um autor, um texto, um livro, para sugerir quando
os alunos tinham dúvidas. Ele dizia: procure em fulano. É
verdade que muitas vezes só ele enxergava, no autor, coisas que não
conseguíamos ver. Como
mestre e colega de instituto, Franchi também é lembrado pela genialidade.
Segundo Geraldi, ele a demonstrou na formulação de sua tese A
Teoria Funcional da Linguagem, nas salas de aulas e em outros trabalhos
acadêmicos veiculados em publicações esparsas. Na
tese, defendida na Unicamp em 1976, Franchi propõe uma sintaxe não-categorial
e sim funcional. Todas as gramáticas de que dispomos partem de uma
idéia de classificação, seguindo mais ou menos o roteiro:
primeiro dividir, separar e classificar para depois verificar a função
que exerce cada elemento categorial. Franchi faz o caminho inverso: parte das
funções e a categoria é conseqüência da função
que as unidades exercem na sentença, lembra Geraldi. A
tese de Franchi ainda surpreende muitos estudiosos da linguagem e é tão
complexa que Geraldi reconhece a dificuldade que tem em compreender sua parte
técnica. Se tivesse sido escrita em inglês, avalia, ou outra língua
de circulação internacional, Franchi seria citado como um dos grandes
lingüistas do mundo. Como
profundo conhecedor da teoria gerativa e da área de sintaxe, Franchi é
considerado um filósofo da linguagem para um grupo de linguistas. Franchi
introduz, nos estudos lingüísticos no Brasil, a noção
de indeterminação que Einstein introduziu na Física. Ela
traz a ciência contemporânea para dentro da Linguística, sem
que isso seja por ele explicitamente tematizado. Como
orientador, Franchi era um leitor exigente, embora, ao mesmo tempo, permitisse
total liberdade para construção da tese. Minha relação
de orientando com ele só me trouxe vantagens. Ao mesmo tempo em que ele
era um interlocutor exigente, dava extrema liberdade para você fazer seu
trabalho, inclusive no que dizia respeito ao pensamento dele. Ele ensinava você
a ser diferente, testemunha Geraldi. Geraldi,
que ocupou o posto de Pró-Reitor de Extensão, também se refere
a um convívio salutar no período em que estiveram juntos
na Reitoria, na atual administração. Sempre tivemos uma relação
de muito respeito, ele sempre chamando a atenção para problemas,
mas também sempre mostrando caminhos. Modelo
de administrador Avaliação semelhante faz Celene Margarida
Cruz, professora do IEL, para quem Franchi era um modelo de administrador. Ele
sabia dividir, sabia delegar e nós só crescemos junto com ele.
Nesse contexto, Celene ressalta a liberdade e a independência legadas por
Franchi em sua passagem pelo Instituto de Estudos da Linguagem, postura que resultou
em uma intensa produção acadêmica. Nem
mesmo as diferenças ideológicas afetavam a convivência de
Franchi com colegas da universidade. Apesar de sua posição política
sempre à esquerda, ele não agia separando as pessoas em amigos ou
inimigos. Todo mundo era professor, afirma Geraldi. Para
exemplificar a simplicidade de Franchi, Geraldi relembra a chegada de um professor
estrangeiro ao IEL. Franchi era diretor do Instituto, mas estava na portaria e
foi ele quem recebeu o visitante, que se apresentou, de modo pretensioso, como
PhD fulano de tal exigindo ser recebido pelo diretor. Percebendo
que foi confundido, Franchi pergunta se ele havia marcado horário, e o
visitante responde que não. Então ele pede licença, vai para
sua sala e pede ao professor que entre. A maneira como o estrangeiro se apresentou
foi suficiente para barrar suas pretensões de ser contratado pelo instituto
então dirigido por Franchi, já que o próprio professor ao
notar seu exagero e pretensão, desistiu de apresentar sua postulação.
Ele
era uma pessoa de quem se pode dizer que, mesmo sendo diretor do instituto, não
se recusava a fazer o papel de um funcionário menos graduado. Franchi sempre
teve essa postura de simplicidade, afirma. Mais que isso: Franchi
é um dos últimos intelectuais que, sendo especialista em sua área,
era capaz de manter diálogo com outras áreas de conhecimento pois
sua erudição ultrapassava a formação do sujeito meramente
especializado. ---------------------- | |