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Sociólogos mapeiam
as utopias possíveis



ÁLVARO KASSAB


O XI Congresso Brasileiro de Sociologia fez mais do que revelar a quantas anda a produção de pesquisas desenvolvidas nos campos teórico e prático e que costumam jogar luz sobre a realidade brasileira e internacional. Mostrou que cada vez mais se faz necessário o diálogo entre a sociologia e as demais áreas do conhecimento, tema recorrente nas conferências, mesas-redondas e debates que reuniram na Unicamp, entre os últimos dias 1 e 5, centenas de docentes, pesquisadores e estudantes.

O Jornal da Unicamp ouviu dez intelectuais que participaram do evento. Nas entrevistas que começam nesta página e prosseguem nas três seguintes, Boaventura de Sousa Santos, Danilo Zolo, Francisco de Oliveira, Laymert Garcia dos Santos, Leila da Costa Ferreira, Marcio Pochmann, Marcelo Ridenti, Maria Arminda do Nascimento Arruda, Renato Ortiz e Sérgio Adorno abordam, entre outros assuntos, as funções e o papel do estado contemporâneo, a nova realidade do mercado de trabalho, a violência, o impacto das novas tecnologias e os desafios da sociologia contemporânea. Em pelo menos um dos temas, as opiniões convergiram: as utopias transfiguraram-se, mas continuam aí. "Mesmo quando toda miséria mais material for varrida da terra, o que está longe de acontecer, certamente os homens criarão outras utopias. A maior delas é a utopia do homem feliz", afirmou o sociólogo Francisco de Oliveira.

Colaboraram Eustáquio Gomes e Carlo Alberto Dastoli


Jornal da Unicamp - Quais são os maiores desafios da sociologia contemporânea?

Boaventura de Sousa Santos - É captar a imensa e inesgotável riqueza das experiências de resistência à globalização neoliberal, da luta pela dignidade e da luta pela inclusão social. Penso que as nossas ciências sociais ainda estão mal equipadas para captar toda essa riqueza e dignificá-la.






Danilo Zolo - O problema fundamental talvez seja tentar compreender tanto os processos complexos das sociedades nacionais como obviamente os processos de globalização. É preciso perceber as motivações desses processos, fornecer as bases das teorias explicativas e permitir, portanto, intervenções políticas. Torna-se imperativo fazer com que a globalização não destrua as identidades sociais, a liberdade e a segurança das pessoas.








Francisco de Oliveira - Depois das grandes narrativas, a sociologia contemporânea virou-se para sociologias específicas que em geral são minimalistas, que tratam dos pequenos temas e de vários recortes menores. Segundo esta posição, as grandes narrativas histórico-sociológicas escondiam muito da diversidade e da pluralidade do mundo e estavam influenciadas pelo conceito de totalidade. A sociologia chamada pós-moderna abandona essa coisa da totalidade e busca aquilo que é específico, que é singular. Com isso, enriqueceu-se muito o campo da sociologia, evidentemente, mas perdeu-se a capacidade de pensar processos totais que continuam a existir. A sociologia hoje está de certa forma impotente para compreender os grandes processos totais. Decorre daí o fato de ganhar maior notoriedade e maior destaque o campo da história que tenta cobrir toda a discussão sobre globalização como, por exemplo, a larga tradição histórica de trabalhos de autores como Hobsbawn, que é quase sociólogo no sentido de pensar os processos totais. O grande desafio da sociologia contemporânea é, portanto, recuperar a capacidade de narrar e compreender os grandes processos totais, sem abdicar evidentemente do caminho percorrido que foi esse de procurar encontrar pluralidades em processos mais complexos.

Laymert Garcia dos Santos - O maior desafio da sociologia contemporânea é a tecnociência. Ela coloca problemas para a sociedade contemporânea que corroem os parâmetros com os quais a sociologia está acostumada a trabalhar.

Leila da Costa Ferreira - Temos vários temas que poderiam contribuir para o entendimento da complexidade do mundo atual. Estamos falando mais em incertezas do que em certezas. O primeiro grande tema sem dúvida é a questão da violência. Outro é a questão ambiental - não só os grandes temas globais, como as mudanças climáticas, biodiversidade etc, mas também temas que perpassam nosso cotidiano, como, por exemplo, a questão dos recursos hídricos e da poluição atmosférica. Isso está muito correlacionado com a questão da violência. São temas totalmente transversais e interligados. Acho também que a questão da mundialização e da globalização é relevante e importante para a sociologia contemporânea, assim como a questão da centralidade do trabalho.

Marcio Pochmann - O desafio é de duas ordens. A primeira, do ponto de vista do conhecimento de uma realidade em transformação, uma vez que a contribuição da sociologia é justamente não apenas a identificação dos fenômenos sociais, mas uma teorização sobre a estrutura da sociedade, seu passado e as perspectivas de futuro. O segundo desafio diz respeito à ciência social aplicada - de que maneira a sociologia pode continuar sendo um instrumento de apoio àqueles que lutam pela transformação social, a partir do conhecimento da realidade que esta mesma sociologia permite identificar.

Marcelo Ridenti - A sociologia tem o compromisso com o desvendamento das aparências sociais. O que vemos hoje é um mundo muito mistificado, muito mascarado, em que temos um avanço cada vez maior do capitalismo, que se generaliza por todo o globo e que transforma tudo em mercadoria. Paradoxalmente, quanto mais esse sistema capitalista se difunde e se expande, mais difícil e enevoado se torna reconhecer sua estrutura e seu funcionamento. Diria que a tarefa da sociologia é ajudar a desmascarar esse mundo que aparece cada vez mais com menos clareza para os agentes sociais.

Maria Arminda do Nascimento Arruda - A rigor, as ciências sociais sempre enfrentaram desafios, na medida em que são disciplinas diretamente conectadas à compreensão das situações sociais e coletivas. Como a sociedade muda muito, sempre são impostos novos desafios. Mas isso não é uma maneira de responder, porque posso dizer que os desafios são permanentes. Mas nada mudou? Os desafios são alguns para cada momento. Para as ciências sociais, não basta dizer que tem um conjunto de problemas novos na sociedade que impõem um desafio para a reflexão. A rigor, isso só é de fato constituído para a reflexão na medida em que se formula aquela questão social como um problema de reflexão e de investigação. Isso envolve a formulação de um problema, não é uma relação imediata do cientista social com os problemas da sociedade. Há uma infinidade de questão, já que vivemos um mundo muito inquietante, que caminha para uma convivência cada vez mais complexa e difícil. Basta ver o que acontece no panorama internacional. Mais do que isso: o que está acontecendo no nosso caso particular, que é o desafio mais evidente. O primeiro deles é a vulnerabilidade da convivência social nas grandes cidades; são as questões sociais cada vez mais agudas. O Brasil tem hoje um conjunto de problemas a ser equacionado - o problema da terra, da desigualdade social. Como socióloga da cultura, julgo muito importante o fato de a sociedade brasileira passar quase que da condição de uma sociedade iletrada para a convivência imediata com um sistema de indústria cultural. A televisão, por exemplo, ocupou um espaço quase integral na nossa sociedade. Isso precisa ser indagado. È uma coisa se você tem um telespectador com condições de julgamento - fruto de uma sociedade que sedimentou um certo de tipo de cultura. Mas quando você tem uma sociedade que tem um movimento de deslocamento de populações imenso como aconteceu no Brasil nos últimos tempos, isso tem outro significado. Há uma pluralidade de questões muito grave na sociedade brasileira.

Renato Ortiz - O desafio atual é pensar nas transformações que ocorreram nas últimas duas décadas. Tem a ver com o contexto da globalização, toda a problemática do estado-nação, ou seja, o desenvolvimento de uma sociedade informatizada. Trabalhar essa problemática do mundo contemporâneo com categorias que não eram ainda disponíveis na tradição histórica que tínhamos na sociologia. Trata-se, na minha opinião, do desafio principal, com uma vantagem, talvez: esse processo de transformação, embora não tenha se completado inteiramente, já está mais claro do que era, digamos, há 15 anos. Isso permite que tenhamos uma perspectiva de compreensão distinta do senso comum, generalizado na mídia e nas conversas do dia a dia.

Sergio Adorno - São vários os desafios. Um deles, seguramente, é a questão da violência, que cada vez menos é um problema de desordem no sentido tradicional e é muito mais um fenômeno complexo com múltiplas raízes na sociedade. É um fenômeno pelo qual você pode hoje decifrar uma série de outras questões. É possível decifrar problemas de identidade, de poder e de organizações subterrâneas da sociedade. A violência é um lugar importante para pensar a sociedade contemporânea.

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