| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 337 - 18 a 24 de setembro de 2006
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Musicista investiga percalços vividos por
compositoras brasileiras na busca pelo reconhecimento

Cinco guerreiras
da música erudita

MANUEL ALVES FILHO

A musicista Tânia Mello Neiva: "Guia da Música Contemporânea Brasileira apresenta apenas 14% de mulheres" Fotos: Antoninho Perri/Divulgação)Assim como em outros segmentos, notadamente os pertencentes ao mundo do trabalho, também no campo da música erudita as mulheres brasileiras enfrentam dificuldades para conseguir inserção e reconhecimento. Atuando num domínio predominantemente masculino, elas precisam provar a cada momento a sua competência para conquistar algum espaço, que é reduzido se comparado ao ocupado pelos homens. A constatação é da musicista Tânia Mello Neiva, que acaba de concluir dissertação de mestrado no Instituto de Artes (IA) da Unicamp. Em seu trabalho, a pesquisadora investigou a trajetória de cinco compositoras nacionais contemporâneas. Embora tenham carreiras extensas e produtivas e sejam conhecidas pelos seus pares, suas obras seguem sendo pouco executadas no país.

Apesar da carreira longa e produtiva, elas não são executadas

A idéia da pesquisa, conta Tânia, começou a tomar forma durante um trabalho de iniciação científica orientado pela professora Denise Hortência Lopes Garcia, do Departamento de Música do IA. Naquela oportunidade, a então estudante de graduação – ela fez piano – tomou contato com o livro “Eunice Katunda – Musicista brasileira”, de Carlos Kaeter. A obra traz, além de um esboço biográfico da artista com seu percurso profissional e de vida, o único catálogo produzido de suas obras. “É um livro muito bom, mas que apresenta algumas lacunas. Ele não explica, por exemplo, porque a Eunice Katunda permaneceu dez anos sem compor e porque morreu no ostracismo”, relembra.

Ao longo do estudo, Tânia Neiva percebeu que poucas pessoas, inclusive colegas do curso de Música, conheciam Eunice Katunda ou sua obra. “Alguns sabiam que ela havia sido pianista, mas quase ninguém conhecia seu trabalho como compositora”. A partir dessa constatação, e com a graduação já concluída, ela resolveu investigar no mestrado quem eram as compositoras brasileiras e que espaço elas ocupavam na música erudita produzida no país no século 20. Inicialmente, a musicista pensou em analisar a trajetória de três artistas: a própria Denise Garcia, que a orientara na iniciação científica, Maria Helena Rosas Fernandes e Marisa Rezende.

Maria Helena compôs obras importantes nos segmentos de música de câmera e orquestra. Marisa Rezende, que foi professora universitária e é integrante do grupo Música Nova, do Rio de Janeiro, onde vive, também tem sua carreira centrada na música de câmera. Já Denise Garcia tem peças significativas nas áreas de música de cena, música de dança e eletroacústica. “Conforme a pesquisa foi avançando, porém, percebi que deveria incluir mais duas compositoras no estudo, em razão da importância do trabalho delas”, explica Tânia. Assim, ela também passou a estudar a carreira e a música de Jocy de Oliveira e Vânia Dantas Leite. Jocy foi uma das primeiras compositoras no Brasil a trabalhar com suporte eletrônico e a realizar happenings. Já Vânia foi uma das pioneiras da música eletroacústica no país.

Além de analisar as obras e a trajetória pessoal e profissional das cinco compositoras, a autora da dissertação também as entrevistou. O objetivo foi reconstruir o campo da composição musical brasileira a partir do século 20. Conforme Tânia, a inserção das mulheres no campo da música erudita se dá quase que exclusivamente por meio da universidade. “Muitos dos trabalhos realizados por elas são feitos na e para a academia”, explica. Do “quinteto” tomado para estudo, apenas Maria Helena e Jocy não se dedicaram à docência. Ao investigar o espaço de consagração do compositor brasileiro, a musicista verificou que a participação da mulher é extremamente pequena. Considerados todos os setores passíveis de atuação – universidades, orquestras etc -, a presença feminina gira em torno de 14%.

Conhecidas pelos compositores, mas desconhecidas por muitos músicos, as cinco autoras raramente são executadas. Um exemplo dessa realidade vem de um levantamento realizado por Tânia. Segundo ela, entre 2002 e 2004, importantes orquestras brasileiras, como a Sinfônica de São Paulo, Sinfônica Brasileira, Sinfônica Municipal de São Paulo e Pró-Música Petrobrás, tocaram apenas uma compositora brasileira em seus concertos: Marisa Rezende. Conforme o Guia da Música Contemporânea Brasileira, as mulheres representavam, em 1996, 17% do total dos compositores. Em 2005, esse percentual caiu para apenas 13,7%. “Além disso, o número de mulheres que se matriculam nos cursos de Composição e/ou Regência das universidades se mantém baixo. Na Unicamp, por exemplo, elas representam cerca de 12% do conjunto dos alunos”, relata a pesquisadora.

Fatores – Mas quais seriam os fatores que dificultam a inserção e a obtenção de reconhecimento por parte das mulheres no campo da música erudita brasileira? Na opinião de Tânia Neiva, a principal razão é de ordem cultural. Nesse domínio, segundo ela, são reproduzidos alguns conceitos e costumes originários das instituições de formação da sociedade, como família, escola e igreja, para as quais as meninas não foram feitas para se projetar. Considera-se, nesse caso, que elas não podem desempenhar determinadas atividades. “A música pressupõe exposição pública, e isso não é visto com bons olhos por alguns segmentos sociais”, diz a autora da dissertação.

Ademais, numa área dominada pelos homens, as mulheres precisam fazer um esforço redobrado para conseguir algum destaque. “Essa discriminação é sutil, mas existe”, acrescenta Tânia, que foi orientada pela professora Lenita Nogueira e obteve bolsa da Fapesp. Conforme a pesquisadora, as cinco compositoras contempladas no estudo disseram ter enfrentado resistências por parte de um ou mais segmentos ao longo da carreira. Outro aspecto que dificulta a ascensão feminina no campo da música erudita diz respeito à falta de divulgação do gênero no Brasil. O músico erudito, seja homem ou mulher, tem pouco espaço no país. “Esse problema, evidentemente, atinge a mulher de forma mais pronunciada. Ou seja, ela passa a ser a minoria dentro da minoria”. Se há um lado positivo nisso tudo, de acordo com Tânia, que atualmente estuda cello, é que essas mulheres tiveram que se transformar em guerreiras para superar as adversidades e poder abraçar a música como profissão.

MULHERES COMPOSITORAS

Maria Helena Rosas Fernandes
(08/07/1933) é compositora e nasceu em Minas Gerais. Sua obra mais importante está na música de câmera e orquestra, tendo composto duas óperas. Desde o final da década de 70 vem utilizando temas da cultura indígena em sua música. Foi aluna de Osvaldo Lacerda, José Augusto Almeida Prado e H. J. Koellretter. É idealizadora e organizadora do Encontro Internacional de Mulheres Compositoras, que soma três edições e está caminhando para a quarta, em 2007. Ganhou alguns concursos importantes ao longo de sua carreira e é freqüentemente convidada para eventos fora do Brasil, sendo reconhecida internacionalmente.

Jocy de Oliveira
(11/04/1936) foi uma exímia pianista de música contemporânea, tendo estreado peças de Stravinsky, Luciano Berio e Cage. Teve peças escritas para ela por compositores como Cláudio Santoro e Iannis Xenakis. Sempre ligada às mais novas tendências em música, foi uma das primeiras compositoras no Brasil a trabalhar com suporte eletrônico e a realizar happenings. Sua obra mais significativa encontra-se no teatro musical ou ópera, nos quais utiliza-se na maioria das vezes de recursos multimidiáticos. Um exemplo desse trabalho é a trilogia composta entre 1988 e 1999, baseada na figura feminina. A primeira parte é intitulada Inori- A Prostituta Sagrada, a segunda, Illud Tempus, e a terceira, As Malibrans. É uma das compositoras brasileiras mais reconhecidas, tanto no Brasil como no exterior, tendo gravado oito CDs com composições próprias e publicado quatro livros, sendo um autobiográfico, além de ser citada em praticamente todos os livros e dicionários que abordam a produção musical brasileira.

Marisa Rezende
(08/08/1944) é pianista, compositora e professora. Nasceu no Rio de Janeiro, onde reside atualmente. Atuou durante mais de vinte anos no curso de música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), lecionando diversas disciplinas teóricas e de composição musical. É membro do grupo Música Nova, fundado pela compositora em 1988. É fundadora da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Música (Anppom). Tem participado ativamente das bienais de Música Brasileira Contemporânea, além de ter obras apresentadas em países da Europa, América do Sul e Estados Unidos. A obra mais significativa da compositora encontra-se na música de câmera.

Vânia Dantas Leite
(13/08/1945) é pianista e compositora. Foi uma das primeiras compositoras a trabalhar com música eletroacústica no país. Também de carreira acadêmica, é professora de composição eletroacústica na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Unirio) e deu aula de diversas disciplinas teóricas, como análise e harmonia. Conquistou reconhecimento no Brasil e no exterior, participando com certa freqüência dos principais eventos de música contemporânea e especificamente de música eletroacústica.



Denise Hortência Lopes Garcia
(15/12/1955) é compositora. Atuou com música para cena por diversos anos e trabalhou como professora de música para dança no Instituto de Artes (IA) da Unicamp, onde é professora de composição atualmente. É autora de uma obra variada, que vai desde a música tradicional para concerto até a música eletroacústica e música para cena. Tem participado também dos mais importantes eventos da música contemporânea, principalmente da música eletroacústica, tanto no país quanto no exterior. Em 2003 a Deutchland Roadio Berlim apresentou um programa radiofônico de uma hora de duração sobre a compositora e sua obra eletroacústica. Denise desenvolve importantes funções no meio acadêmico, sendo a única mulher que ocupou cadeira de professora de composição musical erudita entre as três universidades estaduais paulistas, desde sua fundação até os dias de hoje.

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