Ao observar as imagens no teto da Igreja Nossa Senhora da Conceição, uma das mais antigas da histórica cidade mineira de Ouro Preto, a coreógrafa Carolina Romano encontrou a inspiração para realizar uma composição cênica. Por um longo período, ela anotou as posturas e os gestos daqueles santos e pesquisou extensamente suas histórias. Depois, colheu depoimentos dos fiéis na cidade, buscando entender o que representavam para eles aqueles momentos registrados no teto da igreja. Todos os elementos levaram à série de gestos e movimentos que a coreógrafa usou para compor “O verbo se fez carne”.
Segundo Carolina Romano, ao iniciar a pesquisa de mestrado orientada pela professora Marília Vieira Soares, seu principal propósito foi unir e tornar aplicáveis os conceitos do teórico François Delsarte às pinturas religiosas. Pouco conhecido no Brasil, Delsarte viveu no século 19 e realizou vasta pesquisa sobre o movimento. Consta em sua historiografia que o teórico era cantor de ópera e teria perdido a potência da voz por receber treinamentos incorretos. Isso o desafiou a analisar as várias faces do movimento, que em sua concepção resume-se em vida, alma e espírito ou ao que se pensa, sente e expressa através dos movimentos. “Para Delsarte, todo movimento, mesmo que involuntário, deveria ter essa relação, que ele buscou observando pessoas nas ruas, em quadros e até mesmo em cadáveres”, explica.
A personagem central da peça coreográfica criada por Carolina é uma senhora, já velha e muito sofrida, subindo e descendo as ladeiras da cidade. Nas andanças, fragmentos de sua história norteiam os pensamentos: lembranças da infância e da época em que quase se casou misturam-se com os sentimentos de uma vida regrada, pautada pela religião. Esses aspectos são contextualizados com dança, teatro e música, numa síntese poética de tudo o que a coreógrafa observou em Ouro Preto.
A coreógrafa confessa que o contato com o universo religioso a encantou. Até então, suas experiências no ambiente da religiosidade se resumiam a relatos de outras pessoas. “Chamou minha atenção o comportamento e a fé muito forte das pessoas. Percebi uma pureza de sentimentos, que muitas vezes confrontei com os meus próprios”, afirma. Carolina, que teve o apoio financeiro da Fapesp para sua pesquisa, passou tardes inteiras entrevistando mulheres em suas casas repletas de imagens e desvendando o universo das pessoas que participam ativamente da organização de festas e atividades da Igreja. “Fiz muitas amizades”.
Carolina Romano quer agora adaptar a composição cênica e torná-la acessível às pessoas que não tiveram contato com a dissertação de mestrado. “A idéia é que elas entendam a mensagem mesmo sem ter lido o trabalho”. A coreógrafa faz parte do Grupo Matula Teatro, composto por ex-alunos da Unicamp, que têm em seu histórico a preocupação de estender suas atividades para além do espetáculo teatral, por meio da investigação do ofício do artista.