Construindo com tijolos ecológicos
Professor da FEC coordena pesquisas
focadas em
materiais alternativos
CARMO GALLO NETTO
É
muito grande a diversidade de pesquisas realizadas nas universidades
brasileiras. Há docentes que se dedicam essencialmente à
pesquisa básica com o objetivo de oferecer contribuições
teóricas ao desenvolvimento de sua área de atuação; há os
que esperam que elas possam de alguma forma vir a alavancar
significativos incrementos no desenvolvimento científico
e até contribuir para avanços tecnológicos; há os que trabalham
com vistas a descobertas que possam ser implementadas em
produtos oferecidos no mercado; há os que esperam de alguma
forma dar retorno mais imediato à sociedade que arca com
o custo da pesquisa e do ensino universitário oficial no
Brasil. É neste último grupo que se situa deliberada e preferencialmente
o professor Armando Lopes Moreno Junior, do Departamento
de Estruturas da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura
e Urbanismo (FEC) da Unicamp, um dos responsáveis pelos
estudos desenvolvidos no Laboratório de Estruturas e Construção
Civil da Faculdade.
Com efeito, o pesquisador
mantém uma linha de pesquisa envolvendo o emprego de materiais
alternativos na construção civil com o objetivo de oferecer
para as comunidades carentes processos construtivos mais
baratos e utilizáveis pelos seus próprios membros. Com essa
preocupação, ele procura desenvolver alternativas para a
fabricação de tijolos ecológicos, estuda a construção de
lajes, vigas e colunas com a utilização de tiras de bambu
em substituições às tradicionais armaduras de aço, e pesquisa
a utilização da cola de PVA (cola branca comum) no assentamento
de tijolos em lugar da argamassa convencional constituída
de areia, cal e cimento.
Moreno
faz questão de esclarecer que sua linha de pesquisa caminha
por duas vertentes distintas. Uma propriamente acadêmica
em que estuda o comportamento de estruturas em situação
de incêndio, que constitui uma pesquisa de ponta porque
não há nenhum grupo que faz isso no Brasil e lhe garante
projeção e prestígio acadêmicos e publicações em revistas
internacionais, o que talvez não conseguiria se desenvolvesse
trabalhos voltados apenas para a comunidade.
Em outra vertente, se preocupa
em oferecer tecnologias construtivas exequíveis para comunidades
carentes para que possam, por exemplo, utilizá-las em construções
em mutirões. E esclarece: “Por opção, trabalho com a preocupação
de prestar serviços à comunidade, adotando a pesquisa de
materiais alternativos para a construção civil que, embora
repercuta apenas em revistas regionais, geralmente de arquitetura,
garantem uma transferência de tecnologia bem mais rápida
que os trabalhos que realizo em minha outra atuação na Universidade,
envolvendo estudos de ponta sobre o comportamento de estruturas
submetidas ao fogo, cujos resultados vão ser absorvidos
pelo mercado somente daqui a oito, dez anos”.
A fabricação do tijolo ecológico
se insere nesse projeto a que dedica maior urgência. Ele
conta que tem conseguido, por meio do desenvolvimento desse
tijolo, oferecer cursos para a população de baixa renda,
intermediados por associações de moradores e grupos religiosos,
possibilitando que essas comunidades fabriquem os tijolos
que irão aplicar na construção de suas residências. As comunidades
selecionam as pessoas que têm determinadas aptidões e disposição
para o curso.
Nas férias, o serviço é
oferecido também para estudantes de nível médio que terão
depois condições de repassar o que aprenderam. Atualmente,
uma sua aluna do curso de engenharia civil está realizando
esse trabalho com egressos de presídios. A ideia é conseguir
dar uma profissão para esse pessoal. O docente acrescenta,
entusiasmado: “Originalmente, essa linha de pesquisa foi
montada para dar retorno e atender as comunidades, o que
considero muito importante. Conseguir esse retorno social
é muito gratificante”.
Os participantes dos cursos
oferecidos aprendem em cerca de 30 horas a fazer a mistura
com a umidade adequada, prensagem e cura recomendadas para
obtenção de tijolos de boa qualidade. São alertados para
a adequação do material à construção civil e por isso aprendem
os conceitos básicos de resistência mecânica, absorção de
água etc. Recebem também noções básicas da construção civil:
como preparar a argamassa de revestimento, de reboco, como
erguer uma parede no prumo, a importância da fundação. “Estamos
trabalhando para que esses alunos recebam um certificado
nesses cursos para que consigam um emprego melhor e uma
inserção social maior”, diz o professor.
O
curso é ministrado por alunos de engenharia civil o que
considera importante porque os despertam para as noções
de responsabilidade social, pois como diz, “eles estão aqui
estudando gratuitamente e de alguma maneira devem retribuir
para a sociedade o que estão recebendo”. Estão envolvidos
nesse trabalho também alunos de iniciação científica.
Mistura
É considerado ecológico o tijolo que não precisa de queima,
diferentemente dos feitos de argila que, depois de moldados,
são queimados em grandes fornos, que além de consumirem
madeira poluem o ambiente. Além disso, a argila encontra-se
em geral próxima aos cursos d’água e sua retirada provoca
erosão e assoreamento de rios. Os tijolos ecológicos são
feitos de uma mistura de solo-cimento, na proporção de 10:1,
devidamente umedecida e submetida à prensa manual, de custo
baixo, uma vez que se destina a atender uma comunidade.
Uma pessoa consegue produzir
por dia 500 tijolos. Em geral é utilizada a terra do local,
selecionando solos constituídos naturalmente de areia, argila
e silte, na proporção de 60, 20 e 20 por cento, respectivamente.
O engenheiro explica que a maioria dos solos da região de
Campinas tem essa composição, excluída a camada superficial,
rica em matéria orgânica. Para garantir que o tijolo a ser
produzido pelas comunidades esteja dentro das normas estabelecidas,
o grupo de pesquisa vai ao local, procede à seleção do solo,
faz os primeiros tijolos e executa os ensaios padrões recomendados.
O professor garante que o tijolo obtido, além da excelente
qualidade, é mais barato do que o convencional oferecido
no mercado.
Ele vem pesquisando a fabricação
e emprego do tijolo ecológico há cerca de dez anos. Nesse
tempo fabricou tijolos com a adição de resíduos vários como
o lodo oriundo das estações de tratamento de esgoto, entulho
devidamente processado, borracha de pneus usados, ou seja,
todo tipo de resíduo que normalmente seria descartado no
meio ambiente.
Resultam daí materiais interessantes,
cuja utilização depende da disponibilidade na região em
que serão empregados. O pesquisador conta que há empresas
que o procuram para verificar a possibilidade de emprego
de seus resíduos, o que o faz estudar sua utilizações na
fabricação de tijolos, de telhas, de placas de concreto
etc. Constituem vertentes da sua pesquisa de materiais alternativos
para construção civil.
Nesses estudos, ele testa
os materiais obtidos com base nos padrões normatizados nacionais
ou, na ausência deles, dos internacionais americanos ou
europeus, com vistas à produção de tijolos, telhas, placas.
De acordo com a utilização a que se destina, o material
deve atender padrões de comportamento estabelecidos pelas
normas, como resistência à compressão, permeabilidade em
relação à absorção de água, para que se possa comparar seu
comportamento em relação aos respectivos materiais convencionais.
E para isso existem ensaios padronizados. A técnica da fabricação com solo-cimento e o tijolo ecológico
começaram a ser utilizados no país nos anos 50, mas, somente
na última década vem tendo a importância merecida, face
ao seu apelo de sustentabilidade. Primeiro, em construções
envolvendo mutirões em que as comunidades fabricavam seus
elementos de alvenaria e, depois, por razões ligadas à causa
ecológica, acabou sendo encampado pelas classes mais abastadas,
tornando-se protagonista destes dois apelos.
Cola
O caso particular da utilização da cola à base de PVA para
assentar os tijolos na construção de paredes em substituição
à argamassa convencional constituída de areia, cal e cimento,
se insere nessa linha de pesquisa e sua utilização visa
dar rapidez, limpeza – porque a padronização do bico de
aplicação garante a sua distribuição uniforme, e economia
à construção, pois o assentamento com argamassa é demorado
e o desperdício grande, chegando a 30%. Moreno constata
que a resistência da cola em relação à aderência é maior
do que quando se utiliza a argamassa. Ele enfatiza que,
nos cursos ministrados, o uso da cola é apresentado como
opção, mesmo porque neles se mostra também a técnica usual
de assentamento.
Em relação à cola à base
de PVA, o docente constata que pouco se estudou a respeito
do seu emprego no assentamento de elementos de alvenaria
de solo-cimento e que, mesmo em uma busca rápida no mercado,
podem ser encontradas empresas nacionais que se propõem
a utilizá-la na união de tijolos. Para isso precisam que
os elementos colados apresentem-se secos, pouco porosos
e tenham uniformidade na superfície de aplicação da cola,
características que o tijolo maciço de solo-cimento apresenta.
A avaliação da possibilidade desse assentamento tem sido
objeto da pesquisa desenvolvido por Moreno e os resultados,
embora ainda parciais, indicam que a cola pode substituir
com vantagens a argamassa usual no assentamento de tijolos
maciços de solo-cimento.
Ele entende que os resultados
já obtidos podem respaldar cientificamente uma técnica de
execução de alvenaria rápida, econômica e que não leva a
desperdício de material. Entretanto, considera primordial
a continuidade dos estudos, pois muitas outras avaliações
de desempenho das alvenarias de solo-cimento, em ambientes
internos e externos, devem ser executadas antes que esta
técnica seja corrente e corretamente empregada no setor
da construção civil nacional.