Para que a rede não entre
em colapso
Pesquisadores integram esforços
na busca de salto
na capacidade de transmissão de dados
LUIZ
SUGIMOTO
O
acesso febril dos internautas ao YouTube é um bom parâmetro
do aumento exponencial da demanda de dados por habitante
que se observa no planeta. A tecnologia existente vem dando
conta do recado, mas supondo que os recursos não sejam aprimorados,
há estimativa de um colapso no setor de telecomunicações
dentro de uma década. “Temos componentes que viabilizam
a comunicação atualmente, mas que não acompanham a velocidade
do crescimento da demanda”, alerta o professor Newton Cesario
Frateschi, do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da
Unicamp.
Frateschi colabora com os
esforços dos pesquisadores em fotônica e optoeletrônica
na busca de componentes capazes de promover um salto na
capacidade de transmissão de sinais, atendendo à próxima
geração de sistemas de comunicação. “Tanto aqui, como no
exterior, estamos ainda na fase de exploração das alternativas.
Asseguro que, por enquanto, ninguém no mundo sabe quais
são esses dispositivos”.
O grupo brasileiro desenvolve
seus estudos no Laboratório de Pesquisa em Dispositivos
do Departamento de Física Aplicada IFGW e no Centro de Componentes
Semicondutores (CCS) da Unicamp, estando inserido no Centro
de Pesquisa em Óptica e Fotônica (CePOF) e no Instituto
Nacional de Ciência e Tecnologia Fotonicom (coordenado por
Hugo Fragnito, também docente do IFGW).
Como lembra Newton Frateschi,
que acumula a coordenação do CCS, já vai longe o tempo em
que havia um fio ligando cada canal de comunicação – só
os mais velhos guardam a imagem da telefonista trocando
os pinos no painel de telefonia. “Hoje lidamos com as telecomunicações
ópticas, enviando luz entre pontos de um prédio e entre
cidades, países, continentes. Dentro de uma única fibra
óptica, temos um vaivém de sinais de voz, áudio e imagem,
numa comunicação pesada”.
O professor explica que
a transmissão de diversos sinais através de um único canal
físico é possível desde que surgiu, há cerca de 20 anos,
a técnica denominada multiplexação por divisão de cores
(ou de comprimentos de onda). “Na fibra óptica, cada canal
de comunicação é dividido em intervalos de tempo e em comprimentos
de onda (cor de luz). A transmissão exige um componente
que converte os sinais eletrônicos nos sinais ópticos que
viajam pela fibra e, na outra ponta, um dispositivo semelhante
que realiza o processo inverso”.
Os pesquisadores em fotônica
e optoeletrônica, conforme acrescenta Frateschi, atuam entre
esses dois domínios: da luz e da eletrônica. “Buscamos componentes
que façam a conversão cada vez mais rapidamente. Outro objetivo
sempre perseguido é a miniaturização progressiva, ou seja,
componentes cada vez menores e com maior capacidade de informação,
propiciando menor consumo de energia”.
Um exemplo de mudança de
paradigma que se faz necessária agora, e que propiciou grande
avanço em telecomunicações, envolveu um problema na transmissão
a longas distâncias: a luz ia sendo absorvida pela fibra
e caía de intensidade, por vezes a ponto de a informação
não ser reconhecida na outra ponta. “A alternativa era implantar
receptores – mesmo no meio da mata – que convertiam o sinal
de luz em sinal eletrônico, corrigindo-o e jogando-o novamente
como luz na fibra”.
Segundo o pesquisador da
Unicamp, a solução veio com a fibra dopada a érbio. Inserido
na fibra óptica que conduz a informação, este dispositivo
amplifica o sinal no próprio domínio óptico, sem necessidade
da conversão em sinal eletrônico. “Assim como este amplificador
de érbio proveu grande avanço na comunicação a longa distância,
alguém precisa pensar na próxima geração de emissores, moduladores
e filtros de luz, a fim de afastar o risco do colapso”.
Newton Frateschi observa
que, além do exemplo do YouTube, logo teremos a tevê de
alta definição pela Internet e, de fato, todo um tráfego
de dados envolvendo praticamente todos os setores da vida
humana. “Há ainda a tendência de que a fibra óptica seja
levada até a porta das casas. E grandes centros com redes
sem fio (wireless) também necessitarão de uma interface
eficiente entre o domínio de radio frequência e o da luz,
assim como de capacidade de escoamento do sinal óptico por
luz”.
Na opinião do pesquisador,
é grande a capacidade instalada de fibras ópticas, graças
principalmente à técnica de multiplexação por comprimentos
de onda que multiplicou o envio de sinais por uma só fibra.
“O gargalo está se formando em torno da densidade de informações
e não do tamanho dos canos. Aumentar a quantidade de sinais
transmitidos implica, basicamente, em fazer a luz piscar
mais rapidamente e misturar mais cores em uma única fibra”.
Microlasers
No entanto, o sucesso depende da superação de vários desafios.
Frateschi toma o exemplo de uma rádio FM, que não possui
muitas estações em seu espectro, haja vista que havendo
canais demais, eles se misturam. Seguindo esta lógica, quanto
mais fina a cor (canal), mais informações podem ser transmitidas
dentro da fibra óptica. “Um primeiro objetivo do nosso grupo
é a miniaturização e a diminuição do consumo de potência
dos componentes. Isso implica criar novos meios de amplificação
da luz e de criação de microcavidades ressonantes para alcançar
uma elevada pureza espectral. Um segundo objetivo é utilizar
a interação entre essas estruturas de forma funcional, aplicada
ao processamento de sinais ópticos”.
O docente da Unicamp afirma
que as pesquisas envolvem novas arquiteturas de laser, com
dimensões micrométricas ou ainda menores, chamadas de microlasers.
“Produzimos discos com dimensões que vão de 1 a 40 micra,
onde a luz gira e tem a sua emissão estimulada. Uma alternativa
buscada é a modificação das propriedades de materiais comuns
à optoeletrônica, por meio da nanotecnologia, desenhando
estruturas cujas propriedades optoeletrônicas dependam do
confinamento quântico de portadores de carga”.
Um desafio, de acordo com
o pesquisador, é que a emissão dos microlasers é isotrópica
(para todos os lados) e com tendência de emissão em mais
de uma cor pura. “Uma saída é distorcer as cavidades ressonantes
onde o laser é produzido, buscando-se novos formatos da
luz que melhorem essas qualidades. A ideia, portanto, é
mudar o meio ativo (a aplicação da luz) ou então a arquitetura
da cavidade para criar novos emissores de dimensões microscópicas.
Acreditamos em resultados importantes nesta área de trabalho”.
Fazendo o silício emitir luz
Outro
foco do grupo do professor Newton Frateschi está na tentativa
de tornar mais compatíveis as tecnologias de optoeletrônica
e fotônica e aumentar a emissão de luz no silício – o
que este elemento faz de forma muito pobre, apesar de
outras propriedades excepcionais na área de eletrônica.
A inspiração veio da fibra dopada com o érbio que, como
vimos anteriormente, tem o dom de excitar o laser. “O
professor Leandro Tessler, também do CePOF, já estuda
o érbio misturado ao silício há algum tempo. Ele utiliza
o silício amorfo, obtido com uma técnica de deposição
bastante simples”.
O grupo decidiu utilizar este silício co-depositado com
érbio nas cavidades ressonantes que produzem o laser,
observando os resultados em termos de emissão e de direcionalidade
da luz. Trata-se de um trabalho de dois alunos, David
Figueira (orientando de Frateschi) e Danilo Mustafá (orientando
de Tessler). “Eles associaram pontos quânticos de silício
a esses materiais nas estruturas ressonantes. Dentro da
cavidade, o érbio e os pontos quânticos são bombeados
opticamente. Os pontos quânticos se ‘desexcitam’, bombeando
mais os átomos de érbio, o que aumenta a emissão de luz.
Esta talvez seja uma proposta para chegar aos emissores
de silício”.
Newton Frateschi menciona ainda uma alternativa híbrida,
defendida por outros pesquisadores no mundo, visando aproveitar
tanto as propriedades do silício como dos materiais da
optoeletrônica. “A proposta é acoplar as duas partes,
literalmente, criando um processador trazendo de um lado
a eletrônica e, do outro, as fibras ópticas, ambos acoplados
por circuitos fotônicos”.
Outro caminho está em circuitos fotônicos onde sinais
de luz são gerados, recebidos, condicionados e enviados
permanecendo no domínio óptico. Isto exige o desenvolvimento
de plataformas de nano e microfabricação em materiais
compatíveis com silício. Este trabalho está sendo desenvolvido
entre o Laboratório de Pesquisa de Dispositivos (LPD)
do IFGW e o Centro de Componentes Semicondutores (CCS)
da Unicamp, com o uso do sistema de feixes de íons focalizados
(FIB) e, futuramente, da litografia de feixes de elétrons.
Frateschi destaca, também, uma parceria do professor
Hugo Figueroa, da Faculdade de Engenharia Elétrica e de
Computação (FEEC), com a pesquisadora Michal Lipson, da
Universidade de Cornell, estabelecida no contexto do INCT
Fotonicom. A parceria visa o desenvolvimento de guias
de onda e acopladores a fim de obter alta densidade de
emissão, na expectativa de produzir filtros, conversores
e misturadores de comprimento de onda – inclusive de ondas
de rádio.
Demanda imediata
Ainda dentro do CePOF, foi concluído o estudo de mestrado
de Felipe Vallini, orientado por Frateschi, em torno de
amplificadores ópticos, mas de laser com dimensões convencionais.
“Normalmente, esses amplificadores trabalham de duas formas:
a linear, em que a amplificação é independente da potência
e o sinal reproduzido fielmente; e a não-linear, em que
o a amplificação do sinal depende da potência, gerando
distorção”.
O pesquisador da Unicamp aponta aspectos positivos tanto
no amplificador de operação linear (não-saturada) como
não-linear (saturada), já que o primeiro permite ampliar
a intensidade da luz sem distorcê-la, enquanto que o segundo
pode ser usado como estabilizador da potência, assim como
eliminar ruído ou modulação do sinal. “Ocorre que não
existe um amplificador que funcione das duas formas, e
é isso o que buscamos. Trata-se de um componente com controle
de saturação, microscópico, como resposta mais para a
demanda atual, mas que poderá se tornar importante também
para a próxima geração de sistemas de comunicação”.