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Internacionalização da ciência:
acaso ou necessidade?

Por LÉA VELHO

A internacionalização da ciência está, com destaque, na pauta da Política Científica, Tecnológica e de Inovação (PCTI) da maioria dos países industrializados e de industrialização recente. Uma passada de olhos nos documentos oficiais e nos programas das agências financiadoras de P&D dos mais variados países revela que todos eles incluem alguma forma de instrumento ou programa para promover a internacionalização de suas atividades e ações. Reunião realizada em Bruxelas, em 2008, confirmou que em todos os países da chamada ERA (European Research Area), nos EUA, Austrália e Canadá, e também naqueles países referidos como BRIC (Brasil, Rússia, Índia, China), a atenção da PCTI para atividades que visam à internacionalização da P&D tem crescido rapidamente. Nos documentos da PCTI, a internacionalização, nas suas mais variadas formas – mobilidade de pesquisadores, colaboração física e virtual, contratos de pesquisa supranacionais, participação em organizações internacionais de pesquisa, coordenação e planejamento conjunto de atividades em CTI – é sempre referida como desejável, assumindo mesmo um caráter normativo. Entretanto, o pressuposto dos benefícios ainda requer investigação, tornando-se prioritário, para a PCTI, mapear e estudar os processos envolvidos na internacionalização da C&T e suas implicações para a produção de conhecimento e a competitividade.

No Brasil, a importância e a necessidade de estimular a internacionalização da ciência têm já, há alguns anos, sido apontadas por alguns estudiosos da questão. Em linhas gerais, estes autores argumentam que a participação do Brasil em redes de pesquisa internacionais é muito baixa, e que a ciência brasileira é voltada para dentro do país e para os próprios objetivos da academia, o que resulta em impacto muito pequeno das publicações brasileiras, mesmo daquelas publicadas em revistas internacionais “mainstream”. Além disso, ainda que a produção científica brasileira indexada nas principais bases bibliográficas tenha crescido a taxas relativamente elevadas nas últimas duas décadas, a proporção das publicações em colaboração internacional permaneceu estagnada nesse período. As razões para isso precisam ser investigadas, mas há uma hipótese de que a formação de doutores no Brasil ocorra, excessivamente, dentro das fronteiras nacionais, com um número cada vez menor de estudantes brasileiros em cursos avançados no exterior e, além disso, que o país não consegue atrair número significativo de pesquisadores estrangeiros que sirvam como ponte para as redes internacionais de pesquisa. Para estes autores, o Brasil precisa, com urgência, de uma política que estimule a saída de pesquisadores do país e mantenha condições atraentes para o retorno deles. Há muito se sabe que as migrações internacionais de talentos, exceto em situações excepcionais, têm menos a ver com a atratividade das oportunidades externas do que com as condições de vida e integração ou reintegração dos talentos em seus países de origem.

Ao mesmo tempo em que estudos apontavam certo isolamento da ciência brasileira, as agências governamentais de PCTI buscavam ampliar os programas tradicionais e criar novos estímulos à internacionalização, ainda que de forma tímida. Entretanto, a questão tomou dimensão inesperada quando a internacionalização da ciência passou, neste ano, a ocupar a agenda não apenas da PCTI e seus dirigentes diretos, mas também a dos altos escalões do governo federal, incluindo a da presidente Dilma Rousseff. Em abril de 2011, ela afirmou que o governo pretende conceder 75 mil bolsas de estudo no exterior até 2014 – número que pode chegar a 100 mil se houver apoio financeiro do setor privado – com a justificativa de que “o Brasil precisa de mão de obra qualificada para garantir o próximo ciclo de desenvolvimento”. Alguns meses depois, no dia 26 de julho, durante a reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), a presidente Dilma lançou o programa Ciência sem Fronteiras que explicita as bases em que se assentam a alocação de tais bolsas, assim como os objetivos, metas, recursos, e natureza das mesmas. Em linhas gerais, esse é um programa que “busca promover a consolidação, expansão e internacionalização da ciência e tecnologia, da inovação e da competitividade brasileira, por meio do intercâmbio de alunos de graduação e de pós-graduação e da mobilidade internacional”. Trata-se, portanto, de um ambicioso programa de internacionalização da P&D brasileira usando como instrumento central a mobilidade de profissionais e pesquisadores em formação ou formados.

Quando as ações da PCTI visando à internacionalização da ciência eram ainda tímidas, já se apontava a necessidade de entender melhor a extensão, os motivos, objetivos, modos de implementação, gestão, resultados e impactos das mesmas. Muitas têm sido as vozes chamando a atenção para o fato de que os instrumentos de internacionalização via mobilidade de pesquisadores (formados ou em formação) têm sido aplicados no Brasil sem uma base conceitual e empírica que lhes dêem sustentação e na ausência de um sistema de acompanhamento e avaliação que permita informar a política relevante. Existem, por exemplo, dúvidas sobre os benefícios assumidos pelas agências das chamadas “bolsas sanduíche” de doutorado no exterior e, mais que tudo, sobre a centralidade deste tipo de bolsa nos programas de formação no exterior das agências. Questiona-se também a atitude “punitiva” das agências aos bolsistas que não retornam dentro dos prazos estipulados e a assumida existência, nunca evidenciada, de uma “migração de talentos” brasileiros. Aponta-se, sistematicamente, a falta de acompanhamento e avaliação dos programas de circulação internacional de pessoal e, consequentemente, a dificuldade de fazer uma política baseada em evidência e de declarar algo legítimo e confiável sobre os resultados e impactos da mesma.

Portanto, no momento em que a PCTI criou um programa como o Brasil Sem Fronteiras, que amplia de forma tão acentuada o estímulo e apoio à mobilidade internacional de pessoal envolvido em atividades de CTI, é ainda mais necessário e relevante que se realizem estudos que possam responder aos questionamentos apontados e, então, fornecer subsídios para orientar as ações deste instrumento. Devido à falta de evidências acerca dos efeitos das atividades de mobilidade internacional, assume-se implicitamente que a maximização de tais atividades deverá proporcionar impactos desejáveis. Mas, certamente, os benefícios assumidos necessitam ser analisados e demonstrados.

As ações de acompanhamento e avaliação destes programas podem se dar em diferentes níveis. É evidente que as agências deveriam ser, e certamente são, os locais por excelência para desenhar e implementar atividades neste sentido. Mas, também é verdade que as universidades e os programas de pós-graduação deveriam se interessar por conhecer os impactos da circulação internacional de seus doutorandos. Até hoje os programas de PG têm se limitado a apresentar a candidatura de seus alunos e orientadores interessados em participar, enviando os selecionados para instituições e programas no exterior (muitas vezes escolhidos pelos próprios doutorados de modo não sistemático, entre aqueles que não cobram taxas escolares, já que as agências não pagam taxas no exterior para as bolsas sanduíche). Desta maneira, a internacionalização dos programas de PG ocorre mais pelo “acaso”. Neste momento, dado o crescimento das bolsas desta natureza, é chegada a hora de planejar o que cada programa, ou a Unicamp, gostaria de atingir em termos de internacionalização, qual a “necessidade”: que áreas do conhecimento, que países parceiros, que instituições, que grupos de pesquisa? Como cada área ou programa define o que é internacionalização e quais parâmetros ou indicadores poderiam ser usados para monitorar a consecução dos objetivos definidos em cada âmbito? Buscar respostas a estas questões poderia contribuir para que as bolsas de doutorado sanduíche no exterior sejam usadas com um enfoque não mais apenas do “acaso”, mas também da “necessidade”.




 
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