Já não há dúvida de que o novo coronavírus pode invadir o sistema nervoso, causando sintomas que vão da perda do olfato, encefalite e AVC, até ansiedade e prejuízo cognitivo, direta ou indiretamente. As vias de entrada parecem ser o nervo olfatório ou a barreira de capilares que irrigam o cérebro. Por esses caminhos o vírus é catapultado para dentro das células nervosas por proteínas que reconhecem as espículas virais, aquelas que já estamos acostumados a ver nas ilustrações da mídia.
Há poucos dias, um numeroso grupo de pesquisadores de diversas instituições de São Paulo e do Rio, liderados por Daniel Martins de Souza, da Unicamp, divulgou um trabalho robusto e cuidadoso, usando várias técnicas que esclarecem detalhes desde a instalação do vírus no cérebro até a produção de sintomas. Exemplo pujante de colaboração científica para o esclarecimento dos detalhes da infecção que tantas mortes têm causado no Brasil e no mundo.
Os pesquisadores utilizaram imagens de ressonância magnética para identificar alterações de espessura em diferentes regiões do córtex cerebral de pacientes de Covid-19. Empregando testes psicológicos padronizados, verificaram que podia chegar à metade desses pacientes a proporção dos que apresentaram ansiedade, depressão e prejuízos de memória e cognição. As alterações de espessura cortical correlacionaram com o desempenho psicológico. Correlação sugestiva, mas que ainda não prova relação de causa-e-efeito.
Em pacientes falecidos, testes biomoleculares e genéticos do tecido cerebral revelaram morte celular e inflamação, bem como proteínas e material genético do vírus. Mas não foram os neurônios os mais infectados, e sim os chamados astrócitos, células essenciais para o funcionamento das sinapses e dos próprios neurônios.
Empregando células-tronco embrionárias convertidas em astrócitos, os pesquisadores confirmaram que o vírus de fato os infecta e prolifera dentro deles. A função dos astrócitos fica então prejudicada, o que impacta negativamente nos neurônios que deles dependem. Cultivando neurônios em um meio líquido obtido dos astrócitos infectados, o resultado foi um alto índice de morte neuronal.
Provavelmente, a proliferação inflamatória dos astrócitos e a morte neuronal, combinadas, explicam as alterações de espessura cortical observada nos estudos de imagem de ressonância nos pacientes vivos.
O círculo então se fechou: o coronavírus entra no cérebro e invade os astrócitos, proliferando neles e alterando gravemente sua função de suporte dos neurônios e das sinapses. Isso altera a estrutura cerebral e causa prejuízo funcional na forma de sintomas neurológicos e psicológicos.
O trabalho do grupo, além de contribuir substancialmente para o conhecimento da Covid-19, demonstrou a importância estratégica do investimento em ciência e tecnologia. Estamos colhendo agora o que virtuosamente semeamos há algumas décadas. O inverso acontecerá inevitavelmente, como resultado do desinvestimento que ora se acentua na ciência brasileira.