Unicamp
Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 02 de julho de 2012 a 29 de julho de 2012 – ANO 2012 – Nº 532Modesto Carone
doa acervo ao Cedae
Material reúne livros, escritos originais e documentos relativosàs atividades dele como tradutor, escritor e crítico literário
Parte do acervo pessoal do professor Modesto Carone, um dos fundadores do Departamento de Teoria Literária do Instituto da Linguagem (IEL) da Unicamp, foi doada por ele ao Centro de Documentação Cultural Alexandre Eulalio (Cedae), também ligado àquela unidade de ensino e pesquisa. O material, composto por livros, escritos originais e documentos relativos às atividades dele como tradutor, escritor e crítico literário, está sendo organizado pelos técnicos do Cedae. Posteriormente, será colocado à disposição dos interessados para consulta. “O acervo do professor Carone tem um valor inestimável, e veio enriquecer a coleção do Cedae”, afirmou a coordenadora do centro de documentação, professora Raquel Salek Fiad, durante evento realizado no último dia 21 de junho em homenagem ao docente e ao seu colega Antonio Arnoni Prado.
Durante o encontro com a comunidade do IEL, Carone aproveitou para recordar da época em que veio trabalhar na Unicamp, a convite do professor Antonio Candido. “Eu já era professor livre docente na USP, quando o Antonio Candido me propôs vir dar aula aqui. Eu então pedi licença sem vencimentos à USP, e vim. No começo, tudo era muito difícil. A Universidade não era nem sombra do que é hoje. Aqui era uma fazenda. Nós amassamos muito barro. Fazia 38 graus à sombra. Muitas vezes, fui obrigado a dar aula fora da classe, para poder driblar o calor. Apesar de tudo, valeu a pena. Eu dei aula em outras instituições, inclusive em Viena, mas nunca encontrei uma comunidade de professores, alunos e funcionários tão integrada quanto a da Unicamp”, afirmou.
Essa ligação emocional com a Universidade, segundo admitiu Carone, também pesou na sua decisão de doar parte do seu acervo à instituição. A coleção total, composta também por cerca de 4 mil livros de literatura, foi constituída ao longo de aproximadamente 40 anos. Ao Jornal da Unicamp, o intelectual contou como acumulou as obras. “Quando iniciei a carreira, nós professores não contávamos com bibliotecas nas escolas. Assim, éramos obrigados a formar os nossos próprios acervos. Atualmente, os livros já não cabem mais lá em casa. Posteriormente, quero que eles também venham para a Unicamp”, antecipou. De acordo com Flávia Carneiro Leão, supervisora do Cedae, os volumes doados à Universidade constituem uma coleção “essencial”. “Cada elemento dela é importante”, considerou.
Conhecido, entre outros fatores, por ter sido o pioneiro na tradução de Franz Kafka diretamente do alemão para o português, Carone afirmou que o escritor segue sendo indispensável, principalmente para quem quer se envolver com a literatura. “Ele atingiu um patamar pelo qual qualquer escritor que se preze tem que passar. Se não fizer isso, esse escritor até pode ser contemporâneo, mas jamais será moderno”, pontuou. Kafka, conforme Carone, foi um autor livre, fundador do que ele considera como “escrita moderna”. “Kafka é moderno no sentido amplo da palavra. Também é de um pessimismo a toda prova. Um dia, um amigo lhe fez a seguinte pergunta: “há esperança para nós”? Kafka, então, respondeu: “sim, existe muita esperança, mas não para nós”.
Além de libertário, conforme Carone, Kafka também foi anarquista. “Ele costumava frequentar o Clube dos Anarquistas na Alemanha. Como morei lá, também visitei a entidade algumas vezes”. Questionado sobre qual o lugar do pensamento libertário numa época como a atual, marcada por crises de ordem política, financeira e ética, o ex-professor do IEL respondeu que ele tem de ser cultivado, para servir de contraponto a alguns dos acontecimentos da contemporaneidade. “O Vladimir Safatle [filósofo e professor da USP], que considero um dos mais importantes intelectuais públicos do Brasil, publicou recentemente um artigo notável, que trata disso. Ele diz que a democracia perdeu para o capital. Nós não sabemos, neste instante, que rumo o capital vai tomar. Mas, temos alguns indícios. Recentemente, por exemplo, vi em São Paulo uma passeata de médicos reivindicando direitos, algo impensável anos atrás. Eu não sou profeta, mas sei que alguma coisa está acontecendo, e isto merece atenção”.
A universidade, sobretudo a de caráter público, prosseguiu Carone, constitui um local privilegiado para o exercício do pensamento libertário. “Não digo que seja a única trincheira, mas talvez seja a principal. O que precisamos fazer é irradiar esse pensamento libertário para outras instituições e pontos do país. Não é uma tarefa fácil. Neste instante, por exemplo, as universidades federais estão em greve. A situação que elas enfrentam é complicada, diferente daquela vivida pelas universidades estaduais paulistas, que é satisfatória”.
Sobre sua produção atual, Carone disse que entrou numa fase um pouco menos intensa. “Trabalhei muito nos últimos três anos, período em que editei três livros. Um deles, baseado na tradução feita por minha mulher, [Marilene Carone - 1942-1987] foi Luto e Melancolia [do psicanalista Sigmund Freud], que se transformou inesperadamente em best-seller”. A obra conta, ainda, com textos do próprio Carone, e das psicanalistas Maria Rita Kehl e Urania Tourinho Peres.
Escritor ganhou Jabuti com romance
Paulista de Sorocaba, Modesto Carone nasceu em 1937. Escritor, ensaísta e crítico literário, ensinou literatura nas universidades de Viena, USP e Unicamp. Publicou ensaios, contos e uma novela. Entre os títulos mais conhecidos estão As marcas do real, Aos pés de Matilda e Dias melhores. Começou a traduzir Kafka em 1983, diretamente do alemão. Dele, publicou obras como Um artista da fome/A construção, A metamorfose, O veredicto/ Na colônia penal, Carta ao pai, O processo, Um médico rural, Contemplação/ O foguista, O castelo e Narrativas do espólio. Recebeu o prêmio APCA 2009 de melhor livro de ensaio/crítica por Lição de Kafka. Seu livro Resumo de Ana foi ganhador do Prêmio Jabuti de 1999, na categoria romance.