Edição nº 541

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 08 de outubro de 2012 a 14 de outubro de 2012 – ANO 2012 – Nº 541

Ferramenta prevê impactos da
poluição atmosférica na saúde

Metodologia desenvolvida na FEM
possibilita determinações até então tidas como inviáveis

 

Há algumas décadas, a previsão do tempo era ridicularizada pela população que assistia constantemente ocorrências climáticas opostas às anunciadas. Com o avanço das tecnologias, elas se tornaram bem mais seguras e passaram a ser utilizadas por órgãos governamentais, agricultores e pela população em geral, principalmente com vistas às programações de feriados e finais de semana. Essas informações estão diariamente nos jornais, na internet, são anunciadas pelas rádios e apresentadas nas tevês. Em futuro não muito distante, isso pode vir a acontecer em relação ao impacto da poluição atmosférica na saúde da população das grandes cidades ou regiões metropolitanas.

Esses dados podem vir a orientar os gestores das políticas públicas em relação à incidência de doenças respiratórias e às demandas por internações em diferentes épocas do ano, além de fornecer subsídios para orientação da população em relação a cuidados que devem ser tomados nas épocas de recrudescimento da poluição atmosférica.

Graduada em física, Yara de Souza Tadano realizou seu doutorado com o objetivo de desenvolver uma metodologia que una a avaliação da dispersão dos poluentes à avaliação de seu impacto na saúde humana, utilizando ferramentas já consolidadas, para analisar situações até então não estudadas. Este trabalho, desenvolvido junto ao Departamento de Energia da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp, foi orientado pelo professor Ricardo Augusto Mazza.

Atualmente, os estudos de poluição atmosférica podem ser divididos em dois grupos principais. O primeiro consiste na simulação da dispersão dos poluentes – e comparam os resultados com os limites já legislados para cada um dos poluentes. No Brasil, o órgão federal que estabelece as normas de monitoramento e controle da poluição atmosférica e também os padrões de qualidade do ar é o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), vinculado ao Ibama.

O segundo grupo, utilizado principalmente pela área médica, consiste em avaliar o impacto da poluição atmosférica na saúde – empregando dados de concentração de poluentes provenientes das estações de monitoramento da qualidade do ar, principalmente os impactos relacionados a doenças respiratórias e cardiovasculares. De acordo com a Classificação Internacional de Doenças, são consideradas doenças respiratórias, entre outras, infecções agudas das vias aéreas superiores; influenza (gripe) e pneumonia; outras infecções das vias aéreas superiores e inferiores; e doenças pulmonares devido a agentes externos.

A autora considera que, apesar da quantidade de estudos já realizados, tanto de dispersão como de impacto da poluição atmosférica na saúde, as abordagens envolvendo a dispersão geralmente preocupam-se em somente avaliar a qualidade do ar, sem relacioná-la com os impactos sobre a saúde.

Por sua vez, os estudos de impacto sobre a saúde, embora relacionados à concentração de poluentes, utilizam dados de concentrações médias medidas nas Estações de Monitoramento e Qualidade do Ar (EMQAr). “Dessa forma, estudos de impacto sobre a saúde não são possíveis em regiões onde não existem EMQAr. Por essa razão, a união de estudos de dispersão e impacto que prescindem da presença dessas estações de monitoramento, como o que nos propusemos, pode ser vista como um avanço tecnológico”, diz a pesquisadora.

Previsão

O desafio da tese foi encontrar uma metodologia que conjugasse dispersão atmosférica e impacto sobre a saúde populacional e possibilitasse determinar o impacto dessa poluição sobre a saúde em regiões onde não existe monitoramento da qualidade do ar e, além disso, viabilizasse a previsão de impactos futuros.

Através do levantamento das características do parque industrial de uma região, do tipo e quantidade de veículos circulantes, de informações sobre clima, relevo, temperatura, regime de chuvas, entre outros elementos, é possível fazer uma estimativa da distribuição e concentração dos poluentes e cruzar esses resultados e relacioná-los com as informações sobre atendimentos hospitalares disponibilizadas pelo SUS.

Baseada em um estudo de caso, a metodologia proposta foi aplicada à Região Metropolitana de Campinas (RMC), utilizando dados do período compreendido entre 2007 e 2009. No trabalho a autora simulou a dispersão dos principais poluentes atmosféricos regulamentados pelo Conama – óxidos de nitrogênio (NO­x), dióxido de enxofre (SO2), monóxido de carbono (CO) e material particulado com diâmetro aerodinâmico menor ou igual a 10 µm (MP10); avaliou a correlação dos dados obtidos através da modelagem da dispersão atmosférica com dados de monitoramento da qualidade do ar; comparou modelos de impacto existentes; avaliou o impacto da poluição atmosférica na saúde da população do município de Campinas e mostrou a utilidade da proposta de unir estudos de dispersão e impacto.

Resultados

O trabalho foi dividido em três partes. Na primeira, utilizando software adequado, foi realizada a simulação da dispersão de NOx, SO2, CO e MP10 na atmosfera da RMC para o inverno de 2009 – período mais crítico à dispersão dos poluentes. As diferenças encontradas entre as concentrações simuladas e monitoradas para todos os poluentes envolvidos mostram que a metodologia é adequada como ferramenta de simulação da dispersão de poluentes atmosféricos e válida para o propósito do estudo.

A segunda parte envolveu a avaliação de impacto, normalmente realizada por profissionais de saúde. Cruzando os resultados com os dados do SUS, foi possível dimensionar o impacto na saúde na população envolvida. O trabalho restringiu-se ao município de Campinas devido à pequena variação dos dados de saúde populacional para os demais municípios da RMC. O estudo avaliou o impacto de CO e MP10 no número de internações por doenças respiratórias de janeiro de 2007 a dezembro de 2008. Estes dois poluentes são os principais responsáveis pelo aumento do número de internações por doenças respiratórias, razão pela qual não foram considerados os demais.

Finalmente, para demonstrar a viabilidade de emprego da nova metodologia como ferramenta de previsão, em regiões onde não existem dados de monitoramento, foi realizado um estudo do impacto no número de internações por doenças respiratórias de 2007 a 2008 devido às concentrações de CO e MP10 simuladas. Os resultados mostraram-se próximos aos obtidos com o uso de dados de monitoramento, mesmo considerando as limitações técnicas decorrentes da indisponibilidade de certos recursos.

A propósito, Yara lembra que a ideia inicial era realizar previsões diárias de impacto, o que não foi possível devido a dificuldades em obter uma série maior de dados de saúde e concentração de poluentes, o que a levou à previsão de impacto trimestral para 2009. A pesquisadora esclarece: “Nós fizemos previsões trimestrais de impacto na saúde utilizando como base dados de 2007/2008 e, a partir deles, previmos qual seria o impacto em 2009. Ou seja, qual seria a quantidade de internações esperadas por doenças respiratórias em 2009. As previsões cobriam o período de três meses, ou melhor, quantas internações ocorreriam em cada um dos quatro trimestres do ano. Baseamos nosso estudo em 2009 porque já tínhamos dados reais deste ano na área de saúde, o que nos possibilitou comparar a nossa previsão com eles”.

Face aos resultados, ela considera que a metodologia proposta permite expandir os estudos de poluição atmosférica, possibilitando determinações até então inviáveis. Para ela, a grande contribuição do trabalho foi ter permitido a união de duas metodologias, o que aumenta as possibilidades de estudos sobre poluição atmosférica, podendo paralelamente levar ao desenvolvimento de uma nova área de pesquisa envolvendo tanto a dispersão como o impacto da poluição na saúde.

Para o aprimoramento da técnica apresentada na tese, Yara sugere o desenvolvimento de trabalhos que utilizam bancos de dados mais amplos; a realização de estudos em outras regiões que possam garantir o uso generalizado da metodologia; a inclusão de outros tipos de poluentes; e a consideração de outras possibilidades de impactos.

Para ela, a metodologia proposta pode ser aprimorada com vistas a planejamentos urbanos, na elaboração de planos diretores municipais e constituir o embrião de uma metodologia para planejamento de rede de monitoramento de qualidade do ar.

 

Publicação

Tese: “Simulação da Dispersão dos Poluentes Atmosféricos para Aplicação em Análise de Impacto”
Autora: Yara de Souza Tadano
Orientador: Ricardo Augusto Mazza
Unidade: Faculdade de Engenharia Mecânica ( FEM)