Edição nº 552

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 04 de março de 2013 a 10 de março de 2013 – ANO 2013 – Nº 552

Livro Os Sentidos do Trabalho
é editado em inglês

Obra do sociólogo Ricardo Antunes foi traduzida
com apoio da Fapesp e Faepex da Unicamp

O livro Os Sentidos do Trabalho, de autoria do sociólogo Ricardo Antunes, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, lançado originalmente em 1999, acaba de ganhar uma edição em língua inglesa. O lançamento oficial da obra ocorreu no último mês de novembro, por ocasião de um evento científico internacional realizado na Universidade de Londres. A versão inglesa é editada pela Brill Books. A tradução do texto foi apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que abriu com a iniciativa uma linha de fomento voltada especificamente à publicação de livros brasileiros em inglês. Já a elaboração do índex e revisão final contaram com financiamento do Fundo de Apoio ao Ensino, à Pesquisa e Extensão (Faepex), mantido pela Universidade.

De acordo com Ricardo Antunes, o livro foi apresentado originalmente como projeto para a obtenção do título de professor titular em Sociologia do Trabalho, junto ao IFCH. A obra é o resultado da pesquisa de pós-doutorado que o autor realizou entre 1997 e 1998 na Universidade de Sussex, na Inglaterra. O docente da Unicamp acredita que a publicação do volume em inglês, 13 anos depois de ter sido lançado no Brasil, deve-se à atualidade dos temas nele abordados. O autor lembra que, no final da década de 90, as reflexões contidas na obra já apontavam para a precarização estrutural do trabalho em escala global. “Na época, eu chamava a atenção de que era uma ilusão considerar que a precarização verificada naquele instante era contingente. Não era. E não é surpresa que hoje sejam registrados os mais altos índices de desemprego da história nos Estados Unidos e em diversos países da Europa, entre eles Espanha, Grécia e Portugal”, afirma.

Atualmente, prossegue Ricardo Antunes, existem movimentos sociais em todos esses países protagonizados por trabalhadores precários, que não enxergam perspectiva de melhora em suas situações. “Na Espanha, a taxa de desemprego alcançou 53,5% em fins de 2012. Muitos dos desempregados do país, assim como em toda a Europa, possuem graduação ou pós-graduação. Hoje, um jovem espanhol que se forma em Economia provavelmente vai ter que iniciar a vida laborativa entregando pizza ou em atividades assemelhadas. Em outras palavras, a única certeza que o estudante - homem ou mulher - recém-formado da Espanha tem é que ficará desempregado ou arranjará um trabalho precário. A terceira via é deixar o país e tentar algo na Alemanha, Inglaterra ou França, que oferecerão no máximo ocupações que os próprios alemães, ingleses ou franceses não aceitaram. Nesse cenário, a pergunta que esse jovem se faz é: ‘se é para ter esse futuro, então por que eu vou estudar?’”, detalha.

Em Portugal e na Grécia, para completar os três exemplos mencionados pelo docente da Unicamp, a situação não é mais tranquila. No primeiro, foi criado, por exemplo, um movimento social denominado como Precári@s Inflexíveis. A entidade é constituída por “trabalhadores/as contingentes”, ou seja, homens e mulheres que têm trabalho num dia, mas no outro não. “É uma situação terrível, que atinge todas as aspirações legítimas do ser humano. As mulheres que exercem trabalhos precários não podem engravidar porque não têm empregos estáveis e nem direitos sociais”, diz Ricardo Antunes. Na Grécia, berço da civilização ocidental, assim como em vários outros países, os adoecimentos e depressões decorrentes do desemprego são mais frequentes e têm feito os índices de suicídio aumentar. “Há algum tempo, a imprensa noticiou o caso de um senhor grego de mais de 70 anos que deu cabo à própria vida. Ele deixou um bilhete dizendo que tomou tal atitude porque não suportaria arcar com o ônus de não ter uma aposentadoria que lhe permitisse viver com dignidade, depois de uma vida inteira dedicada ao trabalho”.

Conforme o professor do IFCH, esse caldeirão em ebulição tem levado algumas correntes a considerar que teria surgido uma nova classe na Europa, formada pelos trabalhadores regidos sob a égide da precarização, o chamado “precariado”. “Eu discordo. Não se trata de uma nova classe, mas da ampliação de um dos polos que compreende a classe trabalhadora, que é ampla e polimorfa. Aqui no Brasil, por exemplo, nós conhecemos os trabalhadores precários desde sempre. O que eu tento demonstrar no livro é que nessas lutas travadas pelos trabalhadores em todo mundo há uma articulação complexa entre classe e gênero, classe e geração, classe e etnia, classe e movimentos migratórios. Na Inglaterra, por exemplo, não foram os ricos que se rebelaram no ano passado quando houve o assassinato de um jovem taxista negro pela Polícia. Nem mesmo os negros ricos. E me parece claro que esses movimentos têm múltiplas conexões, inclusive com o universo do trabalho. O livro é, portanto, um contraponto à ideia de que o trabalho não tem mais importância, quer como elemento estruturante da sociedade, quer como polo vital de rebeldia. Insisto: hoje, na Europa, todas as lutas sociais que estamos presenciando têm, em maior ou menor dimensão, conexão com a questão do trabalho”, sustenta Ricardo Antunes.

Questionado se a decisão da Brill Books de publicar Os Sentidos do Trabalho em inglês teria sido motivada pelo fato de o livro poder ser entendido como uma predição sobre o cenário atual do mundo do trabalho, visto que foi publicado há 13 anos, o docente da Unicamp prefere fazer outra interpretação. Segundo ele, possivelmente a editora – e em particular a coleção em que o livro se insere - entendeu ser importante dar espaço ao olhar de um intelectual do Sul do mundo. Trata-se, segundo ele, de uma visão diferente do olhar de um autor da Europa, que com alguma frequência é marcada pelo eurocentrismo. “Não é possível observar o mundo do trabalho na Alemanha e generalizar o que se vê para o planeta. Basta dizer que dois terços da classe trabalhadora vivem no Sul do mundo. Então, não há como dizer, a partir da Alemanha ou França, que o trabalho não tem mais importância. Marx disse certa vez que a Europa é um pequeno -- e belo, acrescentamos - canto do mundo. É verdade. Entretanto, o mundo não é um espelhamento do que acontece no continente europeu ocidental”, pontua.

Um segundo ponto que motivou a publicação do livro em inglês, acrescenta o sociólogo, é que a intelectualidade europeia começou a se dar conta, mais acentuadamente, que existe vida inteligente para além daquele Continente, principalmente na perspectiva crítica em que o próprio Ricardo Antunes trabalha. “Não quero dizer com isso, obviamente, que todos os intelectuais europeus são eurocêntricos. Ao contrário, muitos deles, com os quais eu dialogo em minhas pesquisas, têm um olhar amplo e profundo acerca das questões das quais eu trato no livro”, esclarece. A tragédia atual do trabalho, reforça o docente da Unicamp, talvez possa ser mais visível para um pesquisador do Sul do mundo, que examina as tendências globais sem perder o sentido presente no trabalho nestes cantos do universo. “Se são inúmeras as tendências, uma que venho enfatizando é a precarização do trabalho em escala global, pela via da terceirização, que ocorre tanto dentro quanto fora de uma planta industrial, que, pela informalidade, se esparrama como uma epidemia no universo laborativo”.

Hoje em dia, prossegue o professor da Unicamp, o trabalhador pode ser terceirizado com direitos, com direitos parciais ou sem direito algum. “Essas questões talvez sejam ainda mais acentuadas para um intelectual do Sul do mundo. E são realidades que contradizem a tese da desimportância do trabalho ou da perda da relevância da teoria do valor. Hoje, os capitais extraem valor em todos os espaços onde é possível extrair valor. Quando compramos uma passagem de avião, por exemplo, nós não vamos mais à agência. Fazemos isso através da Internet. Entretanto, não pagamos menos pelo bilhete. Então, quem ganha com isso? Também não podemos nos esquecer do trabalho invisível, como o que é feito pelo/as operadore/as de telemarketing. São trabalhadores/as que são obrigados a nos vender algo, e que precisam atingir uma determinada cota para não serem demitidos. Ou seja, a teoria do valor-trabalho, segundo minha hipótese, vem se ampliando e não desaparecendo, como muitos autores eurocêntricos tentaram nos convencer. E o capital extrai mais-valia em todos os espaços possíveis, sejam espaços de trabalho material, sejam produtos onde prevalece a forma imaterial”, ratifica.

Ainda em relação à exploração dos trabalhadores, Ricardo Antunes assinala que o tempo fora do trabalho também é cada vez mais contaminado pelo do trabalho. Para exemplificar, ele cita o procedimento adotado pela Google, na Califórnia, nos Estados Unidos. Lá, a empresa disponibiliza vans para buscar seus funcionários em casa. Os veículos são dotados de computadores, o que induz os empregados a trabalhar durante o trajeto, antes mesmo de iniciar o expediente. “Registre-se que esse tempo adicional de trabalho não é remunerado”, diz o professor do IFCH. “A muralha existente entre trabalho e vida privada desmoronou. Nosso tempo de vida está completamente impregnado de tempo de trabalho”.

O autor de Os Sentidos do Trabalho informa que o conteúdo do livro não sofreu alteração na edição em inglês. “O texto original foi mantido. O que eu costumo fazer quando a obra é reeditada ou publicada em outro idioma [há uma edição em espanhol e outra em italiano] é atualizar o prefácio e escrever novos apêndices. Nesse caso da edição em inglês, produzi dois novos apêndices e um prefácio novo, de tal modo que eles atualizem algumas das teses defendidas frente aos eventos mais recentes. A boa notícia é que o livro, que saiu nesta edição com “capa dura”, também terá posteriormente uma edição com capa mole, e outra em versão eletrônica (e-book). Em 2013, Os Sentidos do Trabalho também deverá ser publicado em Portugal e, em data ainda a ser definida, em edição em francês”.