Edição nº 556

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 08 de abril de 2013 a 14 de abril de 2013 – ANO 2013 – Nº 556

Valmir e a arte iluminada



Desde o início dos tempos, a luz ilumina o mundo. Dá cor à água, modifica os tons do mato ao entrar e ao sair, colore as coisas da Terra, prateia a lua e ilumina a cabeça de gênios como Thomas Edison, que, ao descobrir a lâmpada incandescente, começa a mudar a cor da própria luz. Com o passar do tempo, cria o cinetoscópio, mais tarde aprimorado e chamado de cinematógrafo pelos irmãos Lumière. A ideia chamou a atenção do dramaturgo Georges Méliès, que decidiu procurar algo semelhante para gravar suas performances cênicas no Théatre Robert Houdin, em Paris, França. Naquela época, muitas pessoas já faziam teatro, mas poucas pensavam em iluminar o teatro, modificar a cor das cenas, colorir o palco e interferir no resultado da peça por meio da luz. Para isso acontecer, foi preciso aparecer gente que unisse conhecimento técnico e estético para utilizar a luz como linguagem essencial e determinante no refinamento do espetáculo. Este é hoje o papel do lighting designer, profissão de Valmir Perez, funcionário do Departamento de Artes Cênicas do Instituto de Artes da Unicamp.

Quando descobriu que a arte é a ciência do subjetivo, algo a ser pensado e não simplesmente executado, as produções teatrais da Unicamp passaram a ter um resultado ainda mais profissional. Hoje responsável pelo Laboratório de Iluminação do Instituto de Artes (IA) da Universidade, tem seu nome na ficha técnica de muitos espetáculos e eventos. Artista plástico e mestre em multimeios formado pela Unicamp, construiu uma trajetória iluminada pelas artes, principalmente naquela que aprimora o resultado das cenas, muitas vezes também responsável por intensificar a emoção e aprimorar a compreensão por parte do público: a iluminação cênica.

Em seu artigo “Técnica e Estética: opostos complementares”, publicado na Revista “Luz e Cena”, em agosto de 2003, Perez aprofunda a explicação da dialética entre conhecimento técnico e estético. Ao debruçar em literaturas de grandes mestres da iluminação cênica e de outros ambientes, Perez começou a planejar sua própria literatura, muitas vezes experimentada antes na prática com recursos alternativos que pudessem aprimorar a iluminação oferecida pelo acessório incandescente criado por Thomas Edison.

Para Perez, a participação do iluminador tem de acontecer desde a concepção do projeto ou do espetáculo, assim como também no ambiente construído. “Não é recomendável chamar o iluminador somente depois do projeto pronto. A luz faz parte da linguagem, total, que é a linguagem da cena.” Em alguns casos, como no espetáculo de Teresa Ranieri, no programa artista-residente, nem precisou criar grupo de discussão, como costuma fazer, porque já havia um grupo on line. Esses grupos são importantes para a troca de informações entre os diversos profissionais envolvidos num projeto. Em outros casos, o próprio diretor se responsabiliza pela criação da linguagem visual e iluminação, segundo o artista. “Mas como diz Roberto Gill Camargo, ‘a iluminação é co-criadora do espetáculo’. A luz faz parte da linguagem total, que é a linguagem da cena”, enfatiza.

Sua experiência de mais de 20 anos em projetos de iluminação, design e artes, revela-se em inúmeros projetos de iluminação cênica, iluminação arquitetural de interiores e exteriores, projetos de estruturas cênicas, computação gráfica, desenvolvimento de software na área de iluminação, ensino e pesquisa em design de iluminação arquitetural e artes plásticas. Atualmente, além de ser responsável pelo Laboratório de Iluminação do Departamento de Artes Cênicas, é membro honorário da Associação Brasileira de Iluminação (Abil) e membro fundador da Associação Brasileira de Iluminação Cênica (Abric).

Este é o dia a dia de Perez que, com calma, simpatia e competência vai convencendo que a arte é, de fato, uma ciência do universo subjetivo do homem. As imagens da lista inumerável de espetáculos acompanhados por ele desde a concepção mostram o avanço dos projetos de iluminação de acordo com o desenvolvimento tecnológico. E desde que ingressou na Unicamp como aluno do curso de extensão em teatro criado pelo ator e diretor Celso Nunes, em 1982, Perez tem sido mais que um espectador deste avanço tecnológico. Transformou-se ao longo dos anos em um dos principais colaboradores do Brasil em discussões e ações que favoreceram o desenvolvimento da área de iluminação. Sua dissertação de mestrado teve como produto o software LabLux 1.0, desenvolvido em parceria com o aluno do curso de matemática Cláudio Martinez, funcionário do Centro de Computação da Unicamp falecido em 2007. Conferencista e palestrante em eventos sobre iluminação, tornou-se um difusor e divulgador dessa ciência como articulista da revista Lume Arquitetura desde 2007. Vinte dos artigos publicados no periódico foram organizados no livro Luz e Arte – um paralelo entre as ideias de grandes mestres da pintura e o design de iluminação, lançado em 2012 pela De Maio Comunicação e Editora.

Dos instrumentos convencionais aos de tecnologia LED, muita coisa mudou na iluminação e, com o avanço da internet, Perez começou a compartilhar novos conhecimentos a partir do site do Laboratório de Iluminação. Além disso, também administra a lista de “Dicas de Iluminação Cênica”, com mais de 2.5 mil inscritos, na qual oferece informações para profissionais da área ou até mesmo para quem pretende se aventurar na arte de entender ou assumir a carreira de lighting designer. As orientações abordam desde o tipo ideal de instrumento para cada projeto ou até mesmo cena específica. No site, o leitor pode encontrar informações específicas sobre cada um desses instrumentos, entre eles o Plano-convexo, muito utilizado por sua versatilidade, pois pode ser eficiente em planos gerais, banhos, luz dura (quando há definição de luz), focos indefinidos (soft), ou contraluzes (back lights), etc.

Por trabalhar numa universidade pública, Perez não se incomoda em trocar informações e orientar na rede, sem retorno financeiro. “As pessoas geralmente precisam de informações sobre equipamentos, fotometria, estética, e nós procuramos orientar, pois estamos numa universidade pública e a literatura nesta área é escassa no Brasil e também cara”, declara. Acentua o funcionário que há alguns anos foi procurado para auxiliar na iluminação de uma tradicional árvore de natal que enfeita anualmente uma cidade do sul do País com luz de jardim. Esse é apenas um exemplo das consultorias que oferece.

Ao lado de outros profissionais, montou o grupo virtual de discussão: Campinas Lighting Designers (CLD), que hoje conta com mais de cem membros, entre eles Renata Meirelles, responsável pelo projeto de iluminação interna do Teatro Castro Mendes, do Jockey Club de Campinas, e o professor Paulo Sergio Scarazzato, da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp. A ideia inicial era envolver apenas profissionais da região para troca de informações, mas o interesse veio de toda parte do país. “Temos consultores da Phillips, da Osram, pesquisadores de outros estados e instituições, estudantes, profissionais, empresas de consultoria e projetos, etc. A orientação principal do grupo é a troca de informações nas diversas áreas da iluminação e é expressamente proibida a propaganda de produtos. Isso torna o ambiente mais agradável e mais educativo.

De olho em tudo que envolva novos desafios em sua área, há algum tempo foi atraído por um anúncio no qual uma médica oferecia tratamento de câncer de pele por meio de terapia fotodinâmica. Antes de qualquer sinal de dúvida, agendou uma consulta e foi conhecer o trabalho. “O procedimento consiste em jogar luz sobre um creme que é passado na pele do paciente. A reação físico-química faz com que a luz atinja somente as células doentes”, explica. Ao ouvir da médica a resposta de que o custo do tratamento é encarecido pela necessidade de importação das lâmpadas, Perez tomou como tarefa de casa a missão de mostrar à dermatologista que era possível obter o mesmo resultado com material de custo bem menor. “Era LED. Comecei então a pesquisar”.

Enquanto busca nos mestres a inspiração para dar prosseguimento as suas pesquisas, encontra resposta também nos ensinamentos do pai de que não se compra o que é possível construir ou consertar. “Era uma cultura dos anos 1970, mas trago até hoje. Aliás, até hoje aprendo na oficina de meu pai, ao mesmo tempo em que ele pode aprender ao visitar meu ateliê”.

A participação nos cursos do Centro de Pesquisa Teatral da Unicamp, criado por Celso Nunes num momento em que o curso de artes cênicas ainda estava no papel, foi apenas o começo de uma carreira de mais de 25 anos na Unicamp. O convite para ser iluminador partiu do ex-professor Reinaldo Santiago no ano de 1988.

Em 2001, formou-se em artes plásticas pela Unicamp, apesar de sua trajetória sugerir que tenha nascido iluminador. Naturalmente, aproveitou todas as oportunidades oferecidas e, como ele diz: “Trabalho atrai trabalho”. Assim, as indicações e os convites para projetos além da Unicamp também se avolumaram com o tempo e o aproximaram de nomes importantes não só do cenário das artes cênicas, mas da arquitetura e, principalmente da iluminação. “Aprendi muito com várias pessoas. Fazer iluminação para Marcio Aurélio Pires de Almeida, por exemplo, foi enriquecedor”, enfatiza ao lembrar o período em que os espetáculos de conclusão de curso eram dirigidos por artistas convidados, como Marcio Aurélio, Francisco Medeiros, Renato Cohen, Iacov Hillel, Márcio Tadeu, Marília Rosário, Waterllo Gregório, entre outros.

A vontade de viver aprendendo o levou a frequentar, atualmente, o curso de pós-graduação em iluminação e design de interiores pelo IPOG.

Iluminação cênica
Leia mais na página do laboratório (https://www.iar.unicamp.br/lab/luz/) e no e no hotsite do livro Luz e Arte (https://www.luzearte.net.br).