Unicamp
Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 02 de dezembro de 2013 a 08 de dezembro de 2013 – ANO 2013 – Nº 585Arquiteto difunde técnicas de Fabricação Digital no país
Prática aproxima e estabelece conexão entre o “projetar” e o “produzir”Tecnologias auxiliares computacionais têm sido usadas para a elaboração de projetos arquitetônicos desde há muito. É o caso da tecnologia CAD – Computer-aided Design – que possibilita trabalhar em computador informações bi e tridimensionais de projetos, geradas digitalmente em programas específicos. Já com a tecnologia CAM – Computer-aided Manufacturing – essas informações digitais de projeto podem ser interpretadas em maquinários de controle numérico computacional (CNC), capazes de materializar o objeto projetado, utilizando diferentes técnicas e materiais. Portanto, o processo de utilização desses equipamentos é conhecido como Fabricação Digital e constitui a fase final da etapa de criação através da qual as informações virtuais de um projeto são utilizadas para produzir um determinado objeto, seja uma peça de design ou um elemento do projeto arquitetônico, em equipamentos controlados por computador. As já conhecidas impressoras 3D constituem exemplos dessas possibilidades.
Desde o seu emprego na indústria automotiva, aeroespacial e marítima, o aperfeiçoamento da técnica de Fabricação Digital tem sido acompanhado pelo aumento da disponibilidade de equipamentos CNC no mercado, abrindo novas oportunidades para a construção civil e para a produção arquitetônica.
Os recursos digitais CAD/CAM têm permitido a arquitetos e projetistas a busca de diferentes abordagens na solução de problemas arquitetônicos. Essa prática digital assume particular importância no encurtamento das distâncias entre a fase de elaboração do projeto e sua execução, permitindo o estabelecimento de uma conexão muito próxima entre o “projetar” e o “produzir”.
Em relação a outros países, no Brasil ainda é bastante restrita a aplicação das técnicas de Fabricação Digital CAD/CAM em equipamentos CNC na indústria de arquitetura e construção civil, os chamados processos file-to-factory, ou seja, do arquivo para a fábrica. A demora na expansão desta técnica na arquitetura brasileira é associada à desinformação de profissionais muito mais que à indisponibilidade tecnológica.
A partir deste pressuposto e da consequente ausência de repertório dos profissionais da arquitetura e construção no Brasil, bem como da carência de mão de obra especializada, o arquiteto Wilson Barbosa Neto realizou trabalho em que estuda a aplicação da Fabricação Digital no processo de produção arquitetônica com vista às condições brasileiras. Na pesquisa e na dissertação de mestrado, orientadas pela professora Gabriela Celani, da Faculdade de Engenharia Civil e Arquitetura (FEC) da Unicamp, ele parte também da constatação de que a alegada indisponibilidade de recursos para a exploração da técnica não se sustenta em vista das disponibilidades ferramentais no mercado do país.
O objetivo principal do trabalho foi o de demonstrar como se dá o processo de Fabricação Digital ao longo das etapas de projeto e produção desses espaços, descrevendo a metodologia do processo completo, desde a concepção até a fabricação por sistema file-to-factory das montagens das peças de um edifício.
O trabalho baseou-se em dois estudos de caso, envolvendo projetos desenvolvidos por escritórios de arquitetura no exterior, que usam a Fabricação Digital e processos file-to-factory na produção da arquitetura por meio de sistemas CAD/CAM. Completou-o um exercício, com duração de seis meses, de aplicação da técnica em uma indústria de corte a plasma que envolveu a concepção e fabricação de uma peça mobiliária, realizada em metal, em uma empresa de Campinas com a aplicação do conceito file-to-factory.
Em razão do tempo e das verbas disponíveis a aplicação prática focou-se na construção de um balcão de atendimento, mas os resultados da experiência podem ser estendidos a outras escalas, como a composição de uma fachada ou a concepção estrutural de uma construção através da modelagem 3D, de maneira a obter a manufatura auxiliada por computador em escala 1:1, ou seja, em tamanho natural.
Contribuições
A execução do projeto foi documentada detalhadamente e analisada com vistas à sistematização dos procedimentos, de forma a servir de referência para futuras aplicações no campo da arquitetura. Com o trabalho, o autor espera contribuir para a divulgação e ampliação do uso dessa tecnologia na produção arquitetônica brasileira, seguindo uma tendência mundial.
O trabalho apresenta acervos de informações e conhecimentos de forma a permitir aos profissionais interessados a descoberta dos caminhos a serem percorridos para adquiri-los e as dificuldades a serem superadas. Wilson afirma com segurança: “Não tenho dúvidas de que o jovem arquiteto que pretende enveredar pelo conhecimento dessa técnica pode usufruir do trabalho, em que problemas e possibilidades estão muito mastigados. Procurei mostrar o caminho das pedras”. Todo o processo foi documentado através de fotografias e vídeos postados na internet (www.youtube.com/user/lapacfec) e divulgado em trabalhos apresentados em congressos nacionais e internacionais. Ele se surpreendeu com a repercussão do trabalho. Face ao tema e em decorrência da divulgação nas redes sociais, a apresentação da dissertação atraiu públicos de outras cidades como São Paulo e Vitória, onde nasceu.
O estudo o leva a afirmar que existem equipamentos disponíveis no mercado produtivo brasileiro que tornam exequível o emprego dessa tecnologia no país. Constata, entretanto, que a maior dificuldade está em encontrar arquitetos com conhecimento das potencialidades desses recursos e capazes de projetar para os equipamentos disponíveis com vistas a soluções industrialmente factíveis, economicamente viáveis e que efetivamente tragam contribuições tanto na resolução de problemas funcionais requisitados pelo usuário como para o arquiteto encarregado do projeto.
Essa perspectiva, consolidada em outros países, pode chegar ao Brasil. “Basta investir agora na formação profissional”, enfatiza o pesquisador, que em face de experiências anteriormente vividas no exterior e dos estudos de mestrado, desenvolveu de tal forma os conhecimentos na área que hoje presta consultoria para vários escritórios em São Paulo, além de fazer palestras em universidades.
Wilson faz questão de frisar que o estudo pode ser viabilizado devido à infraestrutura que a Unicamp possui: “Somos pioneiros nessa linha de pesquisa, trazida pela professora Gabriela Celani, depois do seu doutorado no MIT (Massachusetts Institute of Technology), e nos tornamos referência no Brasil e na América Latina. O Laboratório de Automação e Prototipagem para Arquitetura e Construção (Lapac) em que se investigam essas tecnologias na Unicamp foi montado em 2007, enquanto os de outras universidades surgiram recentemente. Além dos modernos recursos de que dispomos, temos quem nos oriente”.
Motivações e casos
Depois de graduado e de uma breve experiência profissional no Brasil, Wilson teve oportunidade de trabalhar dois anos em um importante escritório de arquitetura em Sydney, na Austrália. Nesse período envolveu-se em projetos e teve contato com outros grupos de arquitetura que lhe ensejaram observar e investigar as tecnologias e equipamentos mais contemporâneos utilizados na elaboração de projetos. Foi quando se deu conta de que no exterior, em arquitetura, a tecnologia CAD/CAM encontrava-se bem mais consolidada do que no Brasil, para onde pretendia retornar. Passou então a investigar em que grupo poderia se inserir, ao voltar ao país, para estudar e pesquisar mais a fundo o emprego dessa tecnologia no processo de projeto arquitetônico. Dessa forma chegou à professora Gabriela Celani e ao Lapac.
Foi o que passou a fazer ao ser admitido na pós-graduação da FEC da Unicamp, investigando como essas tecnologias podem auxiliar o arquiteto nos projetos, através de respostas a problemas e fornecimento de subsídios às tomadas de decisões. Com efeito, sem esses recursos seria inviável produzir geometrias mais complexas, soluções mais eficazes e utilizar métodos construtivos de fabricação mais eficientes, capazes de reduzir o custo da fabricação na escala industrial. Focou-se em investigar a utilização dos equipamentos no processo de projeto e execução.
Para tanto ele concentrou-se em dois estudos de casos bem sucedidos no exterior, desenvolvidos por escritórios de arquitetura com obras já consolidadas através dessa técnica. O primeiro caso estudado foi o de um projeto coordenado pelo professor e arquiteto Nader Tehrani, chefe do Departamento de Arquitetura do MIT (Massachusetts Institute of Technology), realizado pelo seu escritório em Boston, envolvendo a criação de postos de gasolina. No segundo caso, concentrou-se em um projeto desenvolvido para a construção de uma estação modular de recarga de veículos movidos a energia elétrica, em Stuttgart, na Alemanha.
A complexidade envolvida no estudo desses projetos só pode ser superada com a utilização dessas tecnologias. Nos estudos desses dois casos, Wilson se detém na fundamentação do emprego desses processos, porque e como foram utilizados, explicitando seus benefícios. A investigação concentrou-se na forma de fazer, nas dificuldades encontradas e no que efetivamente o arquiteto precisa saber para ter o domínio do processo.
Consolidados os conhecimentos, o pesquisador partiu para a etapa de Pesquisa Ação, que envolveu a criação de uma peça de mobiliário. Os protótipos foram desenvolvidos no Lapac e a fabricação 1:1 em metal foi realizada no equipamento chamado cortador a plasma em uma indústria de Campinas.
Ao final do processo, Wilson conclui: “O mercado está preparado para absorver a tecnologia, embora esbarre na falta de informação e de hábitos e na questão cultural, pois a indústria não está habituada a receber pedidos de peças customizadas e os arquitetos não estão preparados para solicitá-las. O arquiteto precisa aprender a projetar de maneira compatível com a possibilidade industrial, assumindo as limitações do processo produtivo. Cabe a ele propor soluções criativas exequíveis para a indústria. Claro que ele não vai fazer nada sozinho, ele precisa da contribuição de engenheiros e técnicos”.
Publicação
Dissertação: “Do projeto à fabricação: um estudo de aplicação da Fabricação Digital no processo de produção arquitetônica”
Autor: Wilson Barbosa Neto
Orientadora: Maria Gabriela Caffarena Celani
Unidade: Faculdade de Engenharia Civil e Arquitetura (FEC)
Vídeo do Estudo: LAPAC FEC