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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 10 de outubro de 2014 a 19 de outubro de 2014 – ANO 2014 – Nº 610Grupo caracteriza quimicamente transmissor da esquistossomose
Pesquisadores abrem frentes de combate à doença, que é considerada negligenciadaDesde a década de 1970, o tratamento para a esquistossomose, uma das doenças que mais atingem a população de regiões tropicais e sem acesso a saneamento básico, é feito, no Brasil, com dois fármacos: oxaminiquina e praziquantel. Como a produção de oxaminiquina foi descontinuada já há alguns anos, hoje o praziquantel é o único remédio disponível para o tratamento. É um medicamento eficaz contra todas as espécies de Schistosoma que parasitam humanos. O problema é com relação às suas formas jovens. Nesse caso a eficácia não é tão boa e, além disso, o uso recorrente do praziquantel nas principais áreas endêmicas da doença acabou deixando o Schistosoma mansoni mais tolerante ou resistente em diferentes regiões geográficas.
O cenário abre caminhos para novos desafios em pesquisas sobre o parasita. A esquistossomose é uma doença negligenciada, ou seja, faz parte de um grupo de enfermidades que é alvo de pouca, ou quase nenhuma, inovação tecnológica e científica. Uma possibilidade de estudos é conhecer biomarcadores que podem ser utilizados para diagnóstico e para o tratamento da doença. As últimas pesquisas desenvolvidas no Laboratório Innovare de Biomarcadores e no Laboratório de Helmintologia do Departamento de Biologia Animal, vinculados à Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e ao Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, contribuem para revolucionar este quadro.
É o caso de três estudos que foram publicados como artigos científicos e integram a tese de doutorado da pesquisadora Mônica Siqueira Ferreira. Com a orientação do professor do curso de Farmácia da Unicamp, Rodrigo Ramos Catharino, e da professora do IB, Silmara Marques Allegretti, Mônica e a equipe do Laboratório Innovare conseguiram caracterizar quimicamente o verme adulto do S. mansoni e seus diferentes estágios de desenvolvimento, tendo como objetivo desenvolver um potencial método de diagnóstico da esquistossomose.
Participaram também os pesquisadores Diogo Noin de Oliveira e Cibele Zanardi Esteves, que trabalham com elucidação estrutural de biomarcadores; além da doutoranda Rosimeire Nunes de Oliveira, que atua na área de desenvolvimento de fármacos para o tratamento da esquistossomose a partir de compostos e óleos essenciais obtidos de espécies vegetais.
As pesquisas também analisaram a urina de animais infectados com diferentes linhagens de S. mansoni na tentativa de encontrar os biomarcadores que pudessem estar envolvidos nos mecanismos de ação do praziquantel. Todos os testes foram feitos utilizando equipamentos de Espectrometria de Massas, como MALDI-MSI (Matrix-Assisted Laser Desorption/Ionization-Mass Spectrometry Imaging) e ESI-MS (Electrospray Mass Spectrometry).
São equipamentos e técnicas capazes de mostrar quimicamente como é o parasita, molécula por molécula. Normalmente, para correlacionar uma molécula de interesse com uma região específica no corpo de um verme, seria necessário extrair e processar um pedaço do parasita. O problema nesse caso é que o método inviabiliza a localização espacial das moléculas e o pesquisador não tem a noção de todo do corpo do Schistosoma mansoni. A caracterização do parasita com MALDI-MSI pode permitir o desenvolvimento de novos fármacos com diferentes estratégias de combate.
“Com as várias descobertas no decorrer da tese demos início a uma nova plataforma de trabalho que denominamos ‘Parasitômica’. Ela permite não só a caracterização do organismo em estudo, mas também a detecção de fármacos ou metabólitos destes ao longo do corpo do parasita.”, acrescentou o professor Rodrigo.
Negligenciada
A esquistossomose está relacionada a condições de clima e de saneamento básico. É um problema de saúde pública. A transmissão é feita quando os ovos do verme adulto são eliminados pelas fezes do homem infectado. Na água eclodem formas ciliadas chamadas de miracídios que infectarão caramujos de água doce da espécie Biomphalaria sp. Estes servem como hospedeiros intermediários. Quando abandonam o caramujo, os miracídios nadam livremente na forma de cercárias que penetram pela pele do homem. O contato humano com águas infectadas é a maneira pela qual a pessoa adquire a doença.
O doente, com o passar dos anos, pode ter problemas sérios, desde a impossibilidade do fígado para processar algumas substâncias, em consequência das reações inflamatórias, até a desnutrição e, em casos graves, pode evoluir para um quadro de cirrose, aumento do baço, hemorragias provocadas por rompimento de veias do esôfago, e ascite ou barriga d’água. “Existem etapas no ciclo do parasita em humanos nas quais o medicamento não funciona. Nestes casos, o parasita pode permanecer vivo e continuar provocando lesões no organismo” afirmou o docente.
Um dos caminhos para entender a ação de fármacos em diferentes linhagens é a sua caracterização bioquímica. Pensando desta forma, Mônica conseguiu diferenciar bioquimicamente duas linhagens do Schistosoma mansoni: uma de Belo Horizonte, capital mineira, e a outra proveniente do município sergipano de Ilha das Flores. “Em relação à linhagem isolada de SE, ainda não se conhece a patogenicidade e como esta se comporta frente ao praziquantel. Diferentemente, a linhagem isolada de Belo Horizonte já foi estudada e observa-se que é uma das mais patogênicas em relação a outras linhagens estudadas nos municípios de Campinas e a de São José dos Campos. Por enquanto conseguimos identificar que as linhagens são quimicamente diferentes e isso pode estar relacionado com a patogenicidade”, ressaltou Mônica.
Determinando a patogenicidade abre-se caminho para o desenvolvimento de medicamentos adequados a cada linhagem. “Também observamos que o macho e a fêmea respondem de maneiras diferentes aos tratamentos. Desta forma, a caracterização bioquímica do Schistosoma mansoni pode evidenciar moléculas-alvos, que permitiriam a eliminação do verme, uma vez que machos e fêmeas ‘não sobrevivem um sem o outro’”, afirma a pesquisadora.
Com relação ao diagnóstico, a inovação proposta na tese é a identificação de biomarcadores do verme na urina em vez do exame de fezes tradicional, no qual procura-se identificar os ovos do parasita. O Schistosoma deixa “rastros” na urina, como compostos lipídicos. “A dificuldade do diagnóstico pelo exame de fezes é que o verme não libera constantemente os ovos, por isso às vezes temos um resultado falso negativo”, comenta Mônica.
Agora os pesquisadores pretendem expandir os avanços do trabalho com a realização de testes de laboratório com diferentes linhagens de Schistosoma mansoni e outros parasitas que infectam humanos. “Espera-se que os resultados obtidos possam contribuir diretamente para o desenvolvimento de novas tecnologias empregadas no controle da esquistossomose em países pobres e em desenvolvimento que ainda sofrem com elevados números de casos de portadores de doenças tropicais tidas como negligenciadas”, complementou o orientador da tese.
Publicação
Artigos
“Screening the life cycle of Schistosoma mansoni using high-resolution mass spectrometry” - Mônica Siqueira Ferreira, Diogo Noin de Oliveira, Rosimeire Nunes de Oliveira, Silmara Marques Allegretti, Rodrigo Ramos Catharino
“Mass spectrometry imaging: a new vision in differentiating Schistosoma mansoni strains” - Mônica Siqueira Ferreira, Diogo Noin de Oliveira, Rosimeire Nunes de Oliveira, Silmara Marques Allegretti, Aníbal Eugênio Vercesic, Rodrigo Ramos Catharino
Tese: “Estudos lipidômicos aplicados à esquistossomose”
Autora: Mônica Siqueira Ferreira
Orientador: Rodrigo Ramos Catharino
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)
Financiamento: Fapesp e Capes