Edição nº 652

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 11 de abril de 2016 a 24 de abril de 2016 – ANO 2016 – Nº 652

Tratados sobre a sinceridade


Em meio ao caos, a retórica vazia, o silêncio, a imobilidade, o olhar perdido no espaço e no tempo: a espera. Um teatro passível, entregue ao destino, marionete do acaso. Uma rebuscada poética usada em longos diálogos. Uma vida particular sofrida e solitária. Mas nem isso impediu que as peças de Roberto Gomes (1892-1922) expressassem sensibilidade e leveza. Foi o que constatou Bianca Almeida em sua dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Artes (IA) sobre as obras teatrais desse dramaturgo brasileiro que retratou o Rio de Janeiro de sua época.

Os traços modernos da sua estética tratavam de vida, sentimentos e dores do coração humano. Falavam de pequenos momentos em que o destino muda o rumo dos dias. “O teatro de Gomes se tornou um documento valioso sobre a sinceridade. Nele não era preciso movimentação física, uma vez que quem comandava os enredos era o acaso”, notou Bianca.

A autora do estudo, realizado dentro do Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena, chegou a essas conclusões ao analisar quatro peças teatrais do dramaturgo (Ao declinar do dia - 1909, A bela tarde - 1915, O sonho de uma noite de luar - 1916 e O jardim silencioso - 1918) que, em comum, sugeriam traços mais significativos da estética simbolista no contexto teatral brasileiro das décadas de 1910 e de 1920.

Bianca começou a se interessar por Roberto Gomes na iniciação científica e continuou o tema no mestrado sob orientação da professora Larissa Catalão. Admirou-o pela sua história e como levava a vida das personagens à cena. Pesquisou fontes primárias em diversas bibliotecas e acervos, além de suas peças e encenações. Analisou a sua estética teatral para avaliar essas quatro peças que tinham o amor como combustível para os enredos, a dor e a solidão.

Gomes escreveu ao todo nove peças: Ao declinar do dia (1909), O canto sem palavras (1912), A bela tarde (1915), Inocência (1915), O sonho de uma noite de luar (1916), O jardim silencioso (1918), Berenice (1917-8), A Casa Fechada (1919) e Beijo ao luar (1913), esta última ainda desaparecida.

O dramaturgo era um autor singular no panorama teatral brasileiro, realçou a estudiosa. Suas peças tinham um ar decadentista sobre o mundo, a vida dos homens, as relações afetivas e a solidão. Acontece que poucos trabalhos revelavam sua obra. As peças raramente foram encenadas, exceto A casa fechada.

A dissertação de Marta Morais da Costa, concluída há 35 anos na USP, foi um estudo de fôlego, um levantamento de críticas sobre encenações que resultou no livro Teatro de Roberto Gomes.

Na opinião da pesquisadora, as encenações dialogavam com vertentes do teatro moderno ocidental, mas também traziam episódios tipicamente brasileiros. Retratavam cruamente os sentimentos e aflições de personagens ante à realidade carioca.

Dois artigos se destacavam como tema central da obra de Gomes: “A dramaturgia de Roberto Gomes, da Casa Fechada à abertura modernista”, também de Marta (2003); e “Formas crepusculares, dores silenciosas: o teatro simbolista de Roberto Gomes”, de Elen de Medeiros, publicado na Revista Pitágoras 500 da Unicamp, em 2011.

Havia ainda um pequeno artigo de Cláudia de Arruda Campos – “O simbolismo do teatro brasileiro: deixando a sombra”, publicado na revista da USP em 1994. Resumia o contexto deste autor a partir do livro de Eudinyr Fraga, Simbolismo no Teatro Brasileiro.

Na obra, figuravam 12 autores brasileiros com traços de estética simbolista, entre eles Coelho Neto, Goulart de Andrade, João do Rio, Graça Aranha, Oswald de Andrade, Oscar Lopes, Carlos Dias Fernandes, Emiliano Perneta, Durval de Moraes, Marcelo Gama, Paulo Gonçalves e Roberto Gomes.

O livro continha dois capítulos – “Simbolismo” e “Teatro simbolista” – que traçavam um percurso desta corrente estética desde Baudelaire e Maurice Maeterlinck até suas influências no teatro brasileiro. Verificavam as razões do surgimento deste movimento no Brasil neorrepublicano.

Entre os livros com apontamentos específicos (mas breves) de Roberto Gomes, Bianca encontrou – no Panorama do Teatro Brasileiro, de Sábato Magaldi (1962) – o capítulo “Sensibilidades crepusculares”. Enfocava o movimento decadentista do teatro brasileiro, uma reação contra o naturalismo e a descrença no progresso, na felicidade e na inteligência.

Magaldi comentava o teatro de Goulart de Andrade, Oscar Lopes, João do Rio, Paulo Gonçalves e Roberto Gomes. Fazia um resumo crítico das peças A casa fechada, Sonho de uma noite de luar, Berenice e O canto sem palavras.

No livro História do Teatro Brasileiro: das Origens ao Teatro Profissional da Primeira Metade do Século XX, organizado por João Roberto Faria e editado por J. Guinsburg, tem um capítulo sobre o teatro pré-moderno de Roberto Gomes. Também no livro Aspectos do Teatro Brasileiro, de Paulo Roberto Correia de Oliveira (1999), mas nada que acrescente às ideias de Magaldi em Panorama do Teatro Brasileiro.

Influências

Gomes era um dramaturgo quase esquecido na história do teatro brasileiro. Segundo Bianca, pode ter sido pelo contato que teve com uma dramaturgia inovadora na Europa, ao propor um teatro calcado na psicologia das personagens, não nas ações.

O teatro brasileiro de então se reduzia às comédias de costumes ou ao teatro musicado. “Não havia artistas para encenar uma peça que fugia aos padrões realistas ou às comédias, o que fazia com que Gomes perdesse no palco todas as nuances de sentimento e simbolismo de seus textos.”

O dramaturgo apreciava Maeterlinck e Henry Bataille, expoentes do movimento simbolista. Os espaços de suas peças eram sempre crepusculares e mostravam a realidade da vida burguesa, a sala da casa de família, o jardim no final da tarde. Também apresentavam o quarto escuro, o invisível e o inobservável.

As peças de Maeterlinck valorizavam o gesto, o soluço, o gemido, o silêncio, ao invés da palavra. Eles ganharam espaço no teatro de Gomes nas peças Ao declinar do dia, Sonho de uma noite de luar, Jardim silencioso, Berenice e A casa fechada.

Uma tentativa de Maeterlinck e de Gomes era buscar nas peças o maior número de vezes em que o espectador pode se reconhecer no sentimento dos personagens. O “drama estático” no teatro de Maeterlinck causou uma cisão no teatro clássico, caminhando para o moderno.

A tragédia grega trazia o conflito entre o herói e seu destino, e o drama no classicismo colocou em cena os conflitos e problemáticas das relações entre os homens e o teatro simbolista. Este foi o motivo do teatro simbolista ser acusado de não ter ação.

As falas eram insuficientes para instaurar diálogos. Eram declamações e às vezes longos silêncios. Esta indefinição do conflito causou uma indefinição das personagens, levando Maeterlinck a querer substituí-las por marionetes.

Outro traço das peças simbolistas que também estava presente nas peças de Strindberg, Hofmannsthal, Zola e, mais tarde, Eugenie O’Neill e Yeats – é que elas tinham um só ato. Para Szondi, isso indicava que a estrutura dramática tradicional estava em crise.

Os simbolistas optavam por peças curtas porque tratavam de momentos exatos em que o destino estava agindo, com tensão do começo ao final, sem respiros, para causar a impressão desejada. A peça era toda a situação da catástrofe. Não havia introdução ou resolução. Só o destino, observou Bianca.

Importância

Gomes ambientou suas peças à realidade carioca, pois seriam encenadas nos teatros “sérios” do RJ. Como este não era o trunfo da sua dramaturgia, deixou para trás a chance de ser um precursor no teatro moderno.

Mas por que Gomes ficou esquecido nessa história? Suas peças foram pouco encenadas, por isso alguns historiadores omitiram o seu nome, como Múcio Paixão no livro Teatro do Brasil (1917), Lafayette Silva em História do Teatro Brasileiro (1938) e Andrade Muricy em Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro (1987).

Mesmo sem reconhecimento, o crítico teatral Décio de Almeida Prado o redimiu do esquecimento e o analisou com propriedade em A Evolução da Literatura Brasileira, de 1955, assinalando num trecho: “Era quase um escritor francês, um estranho em nosso teatro”.

Ainda que com diálogos poéticos e rebuscamento das palavras, Gomes falava de assuntos comuns e suas peças traziam muitas possibilidades de cena para o teatro contemporâneo. “Não criou heróis trágicos. Revelou pessoas de verdade vivendo como marionetes do destino”, ressaltou.

Suas peças foram uma tentativa de relatar as mudanças. “Talvez este seja o traço mais marcante herdado da estética simbolista: falar deste momento, sugerir antes de explicar, deixar nas entrelinhas para que cada qual a interprete”, reforçou Bianca, que é atriz e produtora de marketing.

 


 

Dramaturgo foi crítico de teatro e música

Roberto Gomes nasceu no RJ, filho do comendador Luiz Gomes Ribeiro e da francesa Blanche Ribeiro Gomes. O pai era um dos diretores do Banco Nacional. Aos oito anos, viajou com a mãe a Paris. Mais tarde, cursou humanidades no Lycée Jaison de Sally. Participou de saraus como ator, músico e desenhista.

Em 1897, com a falência do Banco Nacional, a família regressou ao Brasil e, em 1902, iniciou o curso da Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do RJ. Bacharelou-se com distinção.

Com a morte do pai, em 1905, lecionou francês e foi crítico da Gazeta de Notícias. Assinou os primeiros artigos com o pseudônimo Bemol. Foi crítico musical e teatral do Jornal A Notícia, onde assinava com o pseudônimo Sem.

Foi professor de francês do Instituto Benjamim Constant, funcionário do ensino municipal e inspetor escolar, o mesmo cargo ocupado por nomes da literatura como Medeiros e Albuquerque e Olavo Bilac.

Com Bilac e Guimarães Passos, produziu o Guide dês étas Unis du Brésil, um guia turístico do RJ. Em 1922, em Botafogo, Gomes tirou a vida com um tiro no peito, aos 40 anos.


Publicação 

Dissertação: “O teatro moderno no começo do século XX no Brasil: Roberto Gomes, texto e cena”
Autora: Bianca Almeida
Orientadora: Larissa de O. Neves Catalão
Unidade: Instituto de Artes (IA)