JU - Ainda no âmbito da avaliação de qualidade de pesquisa, as medidas de impacto e relevância usuais são as mais adequadas, considerando a missão da Unicamp?
Tom Zé - Não totalmente, pois uma parte importante das avaliações de qualidade da pesquisa tem um foco mais voltado para a produtividade medida pelo número de publicações per capita. Conforme comentado anteriormente, isto não leva em consideração, necessariamente, a qualidade da pesquisa e o impacto de seus resultados para as comunidades, seja local, nacional ou internacional, em que a universidade está inserida. Cabe ressaltar que, no contexto das medidas atuais, o Brasil no geral e a Unicamp em particular evoluíram muito nos últimos anos, sendo que o Brasil já responde por 2% do volume total de artigos publicados no mundo. É um dado positivo, sem dúvida, mas que não traduz o impacto da pesquisa brasileira nos destinos das que são desenvolvidas no mundo.
Um outro aspecto importante é que muitas dessas medidas de impacto e relevância usuais são baseadas em parâmetros que não consideram explicitamente as diferenças entre as áreas de conhecimento. Isto leva a uma tendência de relegar a uma posição de menor importância as áreas de conhecimento cuja relevância de pesquisa é menos mensurável por esses modelos. Dessa forma, parte dos pesquisadores são necessariamente atraídos a temas de pesquisa não necessariamente atrelados aos interesses do país, mas sim àqueles desenvolvidos nos países com maior tradição científica e tecnológica. O ranqueamento oriundo dessas metodologias de avaliação gera frustração em parte da comunidade acadêmica, pois elenca algumas pesquisas como muito importantes e outras como não tão relevantes, grosso modo com base nos índices de citações dos artigos. Isto incide diretamente, por sua vez, nas definições de acesso ao financiamento de pesquisa.
Apesar de um inegável papel histórico para a evolução da atividade científica, no Brasil e no mundo, esse modelo já clássico de métrica de qualidade em pesquisa apresenta também falhas e injustiças. Um exemplo atual foi o descaso com que as pesquisas com RNA mensageiro foram tratadas durante muitos anos. Esta pesquisa básica, tida como sem importância e de baixa relevância, permitiu o desenvolvimento de vacinas de alta performance contra o coronavírus, em apenas 10 meses, e deve permitir que o mundo saia de uma pandemia que já causou a perda de milhares de vidas humanas. No futuro breve, os resultados desta pesquisa básica vão ser utilizados para o desenvolvimento de tratamentos de inúmeras enfermidades.
A pesquisa desenvolvida em uma universidade pública e de qualidade, como a Unicamp, é diversa na sua origem: engloba desde a ciência básica, voltada a questões fundamentais sobre a nossa existência no planeta, até as pesquisas mais sofisticadas. Nestas incluem-se as que podem ser utilizadas na resolução de problemas pontuais de diferentes setores industriais; ou a proposição de políticas públicas para áreas de saúde, educação, transporte, alimentação, segurança, gerenciamento dos espaços urbanos; ou ainda muitos outros temas relevantes para a geração de qualidade de vida em escala local, nacional e global.
A pesquisa mundial evoluiu muito nos últimos 50 anos e, de maneira geral, os problemas mais relevantes e impactantes necessitam de respostas que contam com o envolvimento de muitas áreas de conhecimento. Temos observado com muita frequência que quanto mais desafiadora for a pergunta a ser respondida maior é o nível de entrelaçamento de várias áreas diferentes de conhecimento, e, quanto maior o entrelaçamento de diferentes áreas de conhecimento, melhor é a qualidade dos resultados da pesquisa e maior o seu impacto. A produção científica em uma universidade pública deve conduzir ao maior conhecimento da sociedade e à reflexão sobre os variados processos que a caracterizam, e as métricas adequadas para sua avaliação devem refletir esse propósito.
Uma das propostas abraçadas pela chapa Unicamp: Construindo o Amanhã visa estimular a interação acadêmica entre as várias áreas de pesquisa da Unicamp. Pretendemos implementar um programa de pesquisa que estimule a interdisciplinaridade, a internacionalização e que contribua para o aumento do impacto da pesquisa desenvolvida pela Unicamp. Uma maior atividade conjunta entre pesquisadores de diferentes unidades levará naturalmente a uma compreensão mais ampla e à valorização mútua entre as áreas de pesquisa, expandindo seus horizontes de atuação. Com isto, pretendemos ainda estimular discussões internas visando desenvolver um modelo de avaliação institucional que permita mensurar a relevância e a qualidade da pesquisa desenvolvida na Unicamp, respeitando as particularidades de cada área de pesquisa e o impacto social que lhe é próprio, e incluindo itens que permitam o seu espelhamento com os modelos internacionais. O objetivo fundamental é contribuir para que a Unicamp mantenha o seu protagonismo como geradora de conhecimento e gestora de política científica com impacto local, nacional e internacional.
Mario Saad - Recentemente, a Unicamp passou por uma avaliação institucional em que foi bem avaliada no que tange à pesquisa e inovação. Os critérios para a avaliação foram abrangentes e pertinentes, expondo a clara vocação e o destaque da Unicamp em pesquisa em diferentes áreas do conhecimento. No entanto, há desafios a serem vencidos, um deles é justamente aumentar o potencial transformador da Unicamp e o impacto e a relevância da universidade no cenário internacional. A parte do Planes dedicada às atividades de pesquisa foi em grande parte direcionada para a busca dessa maior inserção. Algumas das ações planejadas visam suprir essas necessidades, mas cabe à nova gestão avaliar continuamente o andamento das estratégias propostas no Planes e criar formas de viabilizá-las. Cabe ainda à nova gestão, adaptar os mecanismos de avaliação e as ações planejadas com base em novas formas de percepção de impacto e relevância. Nosso compromisso é justamente esse. E, como dito anteriormente, pensamos que um caminho para melhor avaliar o impacto e a relevância das atividades de pesquisa da Unicamp é promover a visibilidade e o alcance extramuros dessas atividades em conjunto com a Extensão.
Sergio Salles-Filho - Para responder essa questão é preciso compreender a missão da Unicamp. Como explícito em nosso Programa de Gestão, compreendemos que a Unicamp deve evoluir de forma equilibrada e interativa em suas três missões constitucionais: ensino, pesquisa e extensão. Ademais, entendemos que não basta enunciar a indissociabilidade das missões, é preciso praticá-la como política institucional, incluindo todas as áreas do conhecimento.
Outro fundamento de nossa proposta é o engajamento de mão dupla da Universidade com diversos segmentos da sociedade. Ao associar estes dois fundamentos, podemos compreender que tal engajamento se dá primordialmente por meio das três missões da Universidade, e então pensar as implicações para a prática da avaliação na Unicamp.
A primeira delas é a necessidade de que a avaliação não se restrinja à pesquisa. Ou seja, se queremos uma evolução equilibrada das três missões, é preciso também considerar os pesos das avaliações e compreender ensino e extensão em suas especificidades, para que sejamos capazes de traduzir e mensurar também a relevância destas atividades.
Vale aqui especial atenção à extensão, área em que há menos desenvolvimento em termos de indicadores e métodos de avaliação em comparação com as áreas de ensino e pesquisa. Ou seja, a avaliação da extensão é uma prática mais recente e não menos complexa que avaliações de ensino e pesquisa, pois abrange uma diversidade de ações e de relações com diferentes grupos sociais e carece de bases de dados abrangentes e disponíveis.
Isto posto, podemos dizer que se sob a ótica da avaliação institucional na Unicamp, o balanço de avaliação das três missões parece mais claro. Sob a ótica da avaliação das carreiras docentes e de pesquisadores, é necessária uma revisão que permita enxergar efeitos de cada missão e da interação entre elas. Sabemos que produção original de conhecimento é essencial, resta saber como isso se amplifica e se alimenta nas ações de formação e extensão.
A segunda implicação dos fundamentos colocados é a necessidade de que as avaliações considerem a mensuração de impactos para além dos resultados mais imediatos de suas atividades. Se o engajamento com a sociedade nos é tão caro, é preciso compreender de que forma somos alimentados pelas demandas da sociedade e quais os efeitos de nossas atividades na própria Universidade e nas diferentes esferas sociais.
Na questão anterior, este aspecto foi discutido para a área de pesquisa. É preciso que a avaliação da pesquisa vá além dos indicadores tradicionais circunscritos no universo da ciência e da tecnologia (publicações, citações, fator de impacto) e que seja capaz de mensurar a contribuição da pesquisa para a resolução de problemas e proposição de soluções.
O mesmo vale para ensino e extensão. Além de contabilizar ações – disciplinas, alunos, convênios, cursos, atendimentos –, precisamos evoluir para melhor identificação de resultados e mensuração de impactos.
Uma vertente importante de impacto da Universidade na sociedade advém de sua missão de ensino. A Unicamp forma quase 8 mil estudantes todos os anos nos colégios técnicos, cursos de graduação, dos programas de pós-graduação stricto e lato sensu e dos cursos de extensão. O recente estudo feito com os egressos entre 2009 e 2018 na Avaliação Institucional mostrou que eles atuam em mais de 400 áreas da Classificação de Atividades Econômicas (CNAE/IBGE), com concentração em estabelecimentos da administração pública geral nas três esferas de governo e em entidades de ensino superior formando então novos profissionais. Os impactos da formação oferecida pela Unicamp merecem ser melhor conhecidos.
Uma ação já em andamento na Unicamp e que vai nesta direção é o mapeamento dos egressos dos cursos de ensino médio técnico, graduação e pós-graduação, com ênfase na análise de suas trajetórias profissionais. Expandir esse mapeamento para os egressos de cursos de extensão, compreender as transformações nas rotinas de organizações com as quais a Unicamp colabora (sejam elas da administração pública, empresas privadas, organizações não governamentais), mensurar a contribuição do complexo hospitalar da Unicamp no enfrentamento de questões críticas de saúde (como no caso da pandemia da Covid-19) são alguns exemplos de como se pode evoluir nesta direção e de quanto avaliações podem auxiliar a Unicamp a subsidiar seu planejamento e, não menos importante, a estabelecer uma comunicação mais efetiva com a sociedade.
Uma terceira implicação de nossos fundamentos para a avaliação está na consideração das interações entre ensino, pesquisa e extensão. Medir o efeito das atividades de pesquisa e extensão na qualidade do ensino ou mesmo o quanto nossas atividades de extensão impactam a agenda de pesquisa são iniciativas bastante promissoras no fortalecimento da integração entre as missões da Unicamp.
Sendo assim, reforçamos medidas de impacto e relevância na prática avaliativa, indo além do universo da pesquisa, para que possamos caminhar mais efetivamente na direção de uma só Unicamp.