JU - Passado quase um ano desde a chegada da pandemia de Covid-19 ao Brasil, o cenário ainda é incerto quanto à retomada das atividades acadêmicas de forma presencial, em seus diversos segmentos. Como enfrentar essa realidade sem colocar em risco a saúde de estudantes, professores e funcionários e, ao mesmo tempo, preservar o andamento das atividades de ensino, pesquisa, assistência e administração?
Tom Zé - A condução das atividades acadêmicas na vigência da pandemia de Covid-19 exige que a administração da Universidade esteja continuamente acompanhando a dinâmica epidemiológica local, regional e nacional. Além desta constante análise de cenário, impõe-se uma comunicação efetiva com toda a comunidade, em vista de tomadas de decisões praticamente em tempo real. A imprevisibilidade e as incertezas requerem ação organizada, coordenada e com uma representatividade chancelada pelo espírito de diálogo, sem perder de vista a qualidade das atividades fins da Unicamp.
As atividades de ensino remotas trazem, sem dúvida, prejuízos em relação às presenciais. Mesmo em disciplinas teóricas, em que boa parte do conteúdo pode ser trabalhado remotamente, a vivência do aluno na universidade, sobretudo na graduação, apresenta uma perspectiva formativa e social bem mais ampla. A experiência presencial permite aos alunos uma inserção mais plena em tudo o que a Universidade oferece em termos de diversidade cultural, de opiniões, de formas de atuação profissional. Os conhecimentos transmitidos nas diversas disciplinas se consolidam pela troca de ideias e de experiências, pela formação de rede de contatos, preparando o aluno de maneira mais integral para sua futura vida profissional e em sociedade.
Entretanto, na situação epidemiológica atual, o uso de atividades de ensino remotas apresenta-se como alternativa possível e com melhor relação de compromisso entre resultados, segurança e custos, apesar dos inerentes prejuízos e limitações. Para garantir que essa estratégia seja minimamente bem-sucedida, é necessário qualificar todos os envolvidos, através do oferecimento de uma ampla estrutura de apoio tecnológico e pedagógico. Os setores responsáveis, como as coordenações e pró-reitorias, devem abrir canais de comunicação de fácil acesso, para detectar e solucionar rapidamente os problemas detectados.
É evidente que nem todas as atividades podem ser remotas. Existem disciplinas e pesquisas eminentemente práticas, ou que usam equipamentos e insumos que não podem ser substituídos por uma demonstração em vídeo ou uma simulação computacional. O desenvolvimento de certas habilidades ou atitudes profissionais requer a atuação em cenários de prática com tutoria. Nestes casos, deve-se adotar um modelo híbrido, que combine as atividades remotas às atividades presenciais de forma segura, garantindo distanciamento e um rodízio entre os alunos, docentes e pesquisadores para evitar aglomerações. Estas soluções devem levar em conta as realidades dos alunos que podem ter dificuldades de deslocamento, por exemplo por meio de arranjos temporários de moradia. Quando possível, pode-se buscar soluções como o uso de grandes anfiteatros ou de atividades ao ar livre. É necessário adequar a infraestrutura da universidade e seus espaços físicos com soluções criativas e perspectiva sustentável, incluindo sinalização sobre as regras de distanciamento e prevenção. Álcool gel, desinfetantes para as superfícies e equipamentos de proteção individual (EPI) devem sempre estar amplamente disponíveis.
As atividades de ensino, pesquisa e serviço na modalidade híbrida exigem planejamento e organização do processo de trabalho, articulação entre os setores de suporte administrativo e de tecnologia da informação e, sobretudo, uma comunicação efetiva entre os diferentes setores da comunidade acadêmica. É necessária uma diretriz institucional que trace linhas mestras estruturantes para conduzir este processo, levando em conta a necessidade de investimento em tecnologia da informação e a realidade dos recursos humanos disponíveis nas diferentes unidades. Finalmente, a capacitação pedagógica de forma sistemática do corpo docente para a utilização das novas tecnologias é requisito fundamental para um ensino remoto qualificado e profissional.
O enfrentamento da pandemia passa por uma comunicação efetiva, que garanta a participação da comunidade universitária nas medidas de prevenção, na compreensão dos riscos, na utilização dos serviços de saúde e dos recursos disponíveis como membros de uma comunidade globalizada. A convivência segura e sustentável, o distanciamento, o uso de máscaras, a higienização das mãos e a desinfecção concorrente devem estar incorporados à consciência de todos. Esta comunicação deve ir muito além dos limites da Unicamp. De fato, como centro de produção e difusão do conhecimento, a Unicamp deve prospectar iniciativas criativas, sustentáveis e participativas de enfrentamento à pandemia e de seus efeitos nos diferentes setores da sociedade brasileira. A Universidade deve ainda atuar como um centro efetivo de combate aos boatos e notícias falsas. Em suma, a Unicamp pode contribuir para articular e integrar diferentes atores na comunidade e fora dela (e.g. Secretarias de Educação e Saúde dos municípios e do Estado), compartilhando também suas experiências com outras Instituições de Ensino Superior do país.
O detalhamento do plano de retomada das atividades presenciais deve ser dinâmico, adequado à situação epidemiológica concorrente e em consonância com os planos estaduais. Os casos sintomáticos devem ser rapidamente identificados e seus contatos rastreados. Para isto, é necessário assegurar, ampliar e agilizar o diagnóstico laboratorial dos casos. A pandemia vem contrariando muitas previsões, de tal forma que devemos manter a vigilância do cenário epidemiológico local, em estreita integração com as esferas municipal, regional e estadual de vigilância em saúde. A vacinação consiste em prioridade máxima mundial e há necessidade de que o Brasil garanta o acesso aos imunizantes de forma mais ampla, ágil e planejada.
A pandemia trouxe desafios enormes, mas também oportunidades, ao nos obrigar a adotar soluções tecnológicas de interação remota. Em muitos casos, a interação remota é pior que a presencial, e tem sido adotada por falta de outra alternativa segura. Em alguns casos, entretanto, a interação remota pode ser mais efetiva e produtiva que as adotadas antes da pandemia. Em outros casos, ainda, a combinação das diferentes estratégias, remotas e presenciais, permite desfechos bem-sucedidos. Estas oportunidades devem ser cuidadosamente analisadas e as melhorias devem ser incorporadas. As decisões decorrentes devem ser fruto de um amplo diálogo que envolva a comunidade docente, discente e de funcionários da Universidade.
Finalmente, para que a Unicamp possa ter de fato um protagonismo nessa e em outras situações emergentes na sociedade contemporânea, a Universidade deve induzir projetos de pesquisa e extensão em temas correlatos nas diferentes áreas do conhecimento: saúde, modalidades de ensino, economia, novas tecnologias e comportamento social, captando recursos junto aos órgãos de fomentos, entidades da sociedade civil e junto ao setor produtivo.
JU - A pandemia também afetou drasticamente a economia, com redução da atividade econômica e consequente queda na arrecadação de ICMS, principal fonte de recursos destinados às universidades públicas de São Paulo. A recessão econômica, que já era significativa antes desse cenário, agravou-se ainda mais. Como preservar a qualidade do ensino, da pesquisa e dos serviços prestados pela Unicamp à comunidade, principalmente no setor de saúde, num contexto de aprofundamento da restrição orçamentária?
Tom Zé - O Brasil vivencia uma profunda crise econômica e social desde 2015, que foi agravada, mas não provocada, pela pandemia da Covid 19. O agravamento da crise se deu pela adoção de políticas econômicas equivocadas e na contramão das políticas adotadas nas principais economias do mundo. No período 2016-2020, a variação acumulada do PIB foi negativa de 2,9%. No entanto, é importante notar que o comportamento do ICMS em São Paulo não acompanhou diretamente a evolução do PIB. No mesmo período, o ICMS paulista cresceu em termos nominais 21,4% e em termos reais 5,6% (deflacionado pelo IPCA do IBGE). Mesmo no caótico ano de 2020, a arrecadação de ICMS em São Paulo cresceu 2% em termos nominais e teve queda, em termos reais, de 1,3%, por conta da aceleração da inflação (IPCA de 4,52%).
É indiscutível que, devido à longa crise, a Unicamp e as demais universidades públicas paulistas apresentam um quadro preocupante de fragilidade financeira, provocado por um descompasso entre a evolução das receitas do tesouro do Estado (RTE) e a evolução das despesas, sobretudo de pessoal, o que obrigou ao uso de parte das reservas financeiras estratégicas. Importante destacar que as reservas financeiras foram constituídas no período de expansão econômica e da RTE, com o objetivo estratégico de assegurar o financiamento da Universidade em momentos críticos de contração ou estagnação das receitas, como observado no período de 2015 a 2020. Como afirmamos no programa de gestão, nossas diretrizes são de responsabilidade social e institucional. Entendemos que, para valorizar as atividades de pesquisa, docência e extensão, é fundamental a valorização das condições de trabalho e de bem-estar de toda comunidade acadêmica. O que fez e faz da Unicamp uma universidade de excelência são, sobretudo, a qualificação, a dedicação e o profissionalismo de seus colaboradores.
Nosso cenário para 2021 não é o de aprofundamento da restrição orçamentária. Não concordamos com o cenário pessimista previsto na Proposta de Diretriz Orçamentária (PDO) de 2021, elaborada pela atual gestão. Importante destacar que a PDO de 2020 também traçou um cenário pessimista, que acabou não se concretizando. Até mesmo na segunda revisão orçamentária da PDO, realizada em agosto de 2020, ainda se manteve um cenário pessimista com uma previsão de déficit de R$ 263,4 milhões (R$ 379,6 milhões se empenhados os recursos comprometidos em anos anteriores) para o exercício de 2020. Entretanto, o ano de 2020 fechou com estabilidade das receitas e equilíbrio nas contas. A construção de cenários excessivamente pessimistas para respaldar políticas de austeridade não contribui para uma gestão eficiente da Universidade com foco em uma estratégia de valorização profissional da comunidade acadêmica.
A gestão “Unicamp: construindo o amanhã” adotará cenários realistas e constantemente atualizados, envolvendo toda a comunidade, para discutir e definir a intensidade e a velocidade com que serão retomadas as políticas de progressões nas carreiras, de contratações de pessoal, de reposições salariais, de condições de acesso e permanência estudantil e de investimentos em infraestrutura. O momento crítico atual, de muitas incertezas, exige dos gestores máximos da universidade muita transparência, diálogo, sensibilidade e competência.
Assim, nosso programa adotou cenários de curto e médio prazos para as condições de financiamento da Universidade e para a execução das políticas de valorização profissional. No curto prazo, existem as restrições legais impostas pela Lei Complementar nº 173. Neste sentido, nosso compromisso é de uma ação assertiva no âmbito do Cruesp para reverter ou mitigar as restrições impostas pela Lei nº 173 e, o mais rápido possível, retomar a política de valorização profissional.
Em um cenário bastante realista para 2021, é possível apontar um equilíbrio financeiro entre receitas e despesas. Esse cenário é diferente daquele previsto na Proposta de Diretrizes Orçamentárias (PDO) de 2021 da Unicamp, que projeta um déficit de R$ 208 milhões (ou de R$ 79 milhões, se excluídas as despesas compromissadas em períodos anteriores). Nosso cenário para 2021 considera, de um lado, o efeito negativo sobre a economia e a arrecadação de ICMS do provável fim ou redução do auxílio emergencial e, de outro, o efeito positivo da elevação das alíquotas do ICMS no Estado de São Paulo. Os bons resultados da arrecadação do ICMS em janeiro de 2021 corroboram esse argumento. O boletim Focus do Banco Central de dezembro de 2020, mais atualizado que a previsão do PLOA da Secretaria de Fazenda de São Paulo de setembro de 2020, projeta uma taxa de crescimento do PIB de 3,46% e da inflação (IPCA) de 4,38% para 2021. O secretário de Fazenda de São Paulo projetou, em entrevista ao jornal Valor Econômico em fevereiro de 2021, uma taxa de crescimento de 5% para o estado de São Paulo. Com base nesses indicadores e informações, nossa expectativa é de uma taxa de expansão nominal de 7,5% das receitas do tesouro do estado (RTE). Portanto, nosso cenário realista para 2021 não é o de aprofundamento da restrição orçamentária.
No cenário de médio prazo, as demandas represadas da comunidade acadêmica de retorno das políticas de progressão na carreira profissional, de contratação de pessoal e de reajuste salarial deverão ser progressivamente atendidas no triênio 2022-2024. Dentro de um cenário realista que projeta uma expansão das receitas de 2,5% em termos reais (7% em termos nominais) com base no comportamento do quadriênio 2016-2019, seria possível atender às seguintes demandas: 1) progressão em pelo menos um nível da carreira de todos docentes no período 2022-2024; 2) destinação de igual volume de recursos para a progressão de servidores; 3) contratação de 150 a 200 docentes e pesquisadores no período para repor parcialmente as aposentadorias; 4) destinação de igual volume de recursos para a contratação de servidores, sobretudo na área de saúde; 5) reposição salarial frente à inflação; 6) reajuste do vale alimentação; e 7) retomada dos investimentos em infraestrutura no HC, na FOP, na manutenção da moradia estudantil e nas unidades de ensino, entre outras.
Nesse cenário de médio prazo, o financiamento de todas as atividades da Unicamp, acrescidas da estratégia de valorização profissional, mesmo diante de um acréscimo real de receita em 2022, deverá contar com um aporte de recursos das reservas financeiras estratégicas da ordem de 20% a 25%. No biênio 2023-2024, já é possível projetar um cenário mais positivo, com melhoria para financiar todas as atividades da universidade e a intensificação da política de valorização profissional – recompondo, inclusive, parte das reservas financeiras estratégicas. Acreditamos, assim, que, com responsabilidade social e institucional, será possível preservar a qualidade do ensino, da pesquisa e dos serviços prestados pela Unicamp à comunidade.
JU - As Universidades e a Ciência têm sido duramente atacadas por setores da sociedade alinhados a posturas negacionistas de viés ideológico. Em sua opinião, como a Unicamp deve se posicionar diante desses ataques e que papel deve desempenhar na defesa de seus propósitos?
Tom Zé - Como importante ponto de partida, é necessário reconhecer que não apenas a Universidade, mas também todas as instituições ligadas à ciência, à informação e ao conhecimento vem sofrendo ataques negacionistas de viés ideológico, com efeitos deletérios para o país, no que diz respeito à sua vida cultural, à formação da juventude e, em consequência ao desenvolvimento nacional em suas diversas vertentes. Posto isso, é importante que a Universidade se posicione ativamente na defesa de seus propósitos, a qual, assim entendemos, passa por uma atuação conjunta em duas frentes principais, ambas pautadas com por uma defesa incondicional da autonomia e do caráter público da Universidade.
Um primeiro aspecto a ser considerado é a comunicação com a sociedade. Embora muito importante, é preciso ir além de uma comunicação em via de mão única na qual basicamente se relata à sociedade os importantes resultados científicos obtidos na Universidade. Evidentemente, temos que estar presentes na mídia e nas esferas políticas, mostrando a importância da Unicamp, mas também é preciso uma atuação mais localizada, com um envolvimento maior da Universidade em ações locais e capilarizadas, como, por exemplo, nas escolas públicas das cidades que recebem nossos campi. É de um contato mais estreito que se constrói e se consolida uma visão mais precisa do papel da Universidade. Nossa estratégia de se dar a conhecer deve ser capaz de atingir a sociedade em seus diversos segmentos. Além dos importantes meios de comunicação que já estão estabelecidos na Universidade, é preciso implantar mecanismos mais dinâmicos, capazes de dialogar com pessoas que desconhecem completamente a nossa atuação. A melhor maneira de combater a desinformação é se valer de uma estratégia de comunicação eficiente, ampla e capilarizada, e não devemos medir esforços nesse sentido.
Uma segunda frente diz respeito a trazer para a Universidade públicos que não alcançamos em nossos cursos de graduação e de pós-graduação. Por exemplo, agora que temos a modalidade lato sensu regulamentada, temos condições de estabelecer cursos gratuitos voltados para populações menos favorecidas e para segmentos profissionais tais como pequenos e microempreendedores. A presença de um público que historicamente não é diretamente impactado por nossas ações pode ser um importante multiplicador na divulgação de nossa atuação e de nossa contribuição para a sociedade. Ações dessa sorte podem ser feitas por meio de parcerias entre unidades interessadas, sem nenhum prejuízo para a manutenção de nossa excelência acadêmica. Ao contrário, a Unicamp continuará sendo uma "Universidade de pesquisa", em que se fará tanto ou mais investigação científica convencional e, ao mesmo tempo, onde se iniciarão, em maior medida do que atualmente, novas linhas de pesquisa em áreas motivadas pelas demandas sociais, sanitárias e industriais, como acontece nas economias mais avançadas.
No que diz respeito à comunicação com a sociedade, cabe ressaltar que um dos princípios norteadores do programa de gestão “Unicamp: construindo o amanhã” aponta para "Uma universidade que abraça e se deixa abraçar pela sociedade". Este princípio fundamenta uma série de ações e propostas concretas que visam destacar a institucionalidade da Universidade como bem público e compartilhar o impacto de suas ações no âmbito do ensino, da pesquisa, da extensão, da cultura, da arte, da inovação e da inclusão. Para que de fato a sociedade nos acolha, é necessário que saiba reconhecer nosso papel insubstituível de formação de pessoas e de geração de conhecimento, do qual essa mesma sociedade é legatária.
Também cabe destacar que, concomitantemente aos esforços de comunicação e integração com a sociedade, não podemos deixar de atuar fortemente junto aos tomadores de decisão das esferas pública e privada. Um aspecto que se sobressaiu na pandemia é que, diante da ameaça concreta, mesmo em meio a polêmicas, boa parte da população pressiona os agentes políticos por uma solução pautada pela ciência, como por exemplo as vacinas. Abre-se assim uma oportunidade interessante para que a Universidade se comunique com os diferentes atores sociais envolvidos, difundindo seus valores, assumindo posições de mediação e destacando a razão de ser da ciência, em todas as suas áreas de conhecimento, como "amiga da verdade".
JU - Nos últimos anos, uma expressiva parcela de docentes e funcionários chegou à aposentadoria. Ao mesmo tempo, as restrições orçamentárias resultantes da conjuntura econômica dificultam a reposição de quadros no mesmo ritmo. Como minimizar os danos e manter a qualidade?
Tom Zé - Conforme comentamos na resposta à segunda questão, é fundamental valorizar as condições de trabalho e de bem-estar de toda comunidade acadêmica. Além disso, o crescimento sustentável da instituição e a garantia de sua excelência passam também pela reposição de seus quadros, que deve ser pautada pela responsabilidade social e institucional. Acreditamos, porém, que o recrutamento de quadros qualificados não é apenas um item de uma planilha financeira. Exige um esforço institucional no sentido de tornar atrativa a carreira docente nos seus diferentes aspectos, isto é, desde o material e econômico até o simbólico, o cultural e o político. Neste sentido vale lembrar que, em várias ocasiões nesta campanha, citamos as palavras do fundador da Unicamp, Professor Zeferino Vaz, que dizia que as três prioridades para uma Universidade eram cérebros, cérebros e cérebros. Foi imbuído desta certeza que Zeferino Vaz procurou e trouxe para a Unicamp os melhores talentos que pode encontrar no país e no exterior. Não podemos perder este espírito pioneiro, independente da época e das dificuldades que lhe são próprias. A partir desses princípios, gostaríamos de dividir a resposta à presente pergunta considerando três aspectos: nossa conjuntura atual, os principais desafios que a ela se impõem, e nossas propostas de solução em cenários a curto e médio prazo.
Um dado conjuntural positivo é que, graças à recente política de reposições, a Unicamp possui quadros, docente e não-docente, com uma quantidade expressiva de pessoas com menos de 10 anos de casa. Para essas pessoas, e para o ambiente que as cerca, é essencial que a política orçamentária mostre claramente a possibilidade de progressão em suas carreiras, tal como comentamos na resposta à segunda questão.
Na outra ponta, temos as pessoas que já adquiriram, ou em breve adquirirão, direito a aposentadoria. Por exemplo, entre os docentes, segundo o sistema S-Integra, temos hoje 1.949 efetivos e 28 temporários. Há 428 docentes que já atingiram a regra de integralidade com paridade, o que representa 22%. Temos ainda outros 63 docentes que obtiveram a regra de aposentadoria sem paridade, ou seja, mais 3,2%. No tocante aos funcionários, temos no quadro Esunicamp 3.173, sendo que 449 (14%) têm direito à aposentadoria integral com paridade e 145 (4,5%) sem paridade. Conclui-se que, no total, 25,2% dos atuais docentes e 18,5% dos atuais funcionários podem se aposentar, sendo desnecessário enfatizar o terrível efeito que isto traria às nossas atividades-fim.
Para os que se encontram diante da possibilidade de se aposentar, é essencial que a Unicamp se mostre um ambiente acolhedor e colaborativo de modo que, independentemente da decisão formal de se aposentar ou não, a instituição não perca, de um momento para o outro, essas pessoas: seus cérebros, seus talentos e sua história.
O principal desafio vem das despesas com inativos, que cresce de forma acelerada em função de novas aposentadorias, atingindo 42,5% em 2019. Não há́ perspectiva de diminuição desse crescimento e, em geral, tais aposentadorias demandam reposição para a garantia de qualidade das atividades prestadas. Também a participação das despesas com sexta-parte e adicional por tempo de serviço na folha de pagamento tem sido crescente e chegou a 23,6% em 2019.
Acrescenta-se a essas preocupações a estagnação ou redução das receitas não orçamentárias. Em 2019, essas receitas foram da ordem de R$ 798,4 milhões, com destaque para as agências de apoio Fapesp (R$ 175,9 milhões), Capes (R$ 86,4 milhões) e CNPq (R$ 56,7 milhões), além dos recursos oriundos do SUS (R$ 230,9 milhões). As agências de fomento têm sido submetidas a expressivos cortes orçamentários, o que compromete os repasses às universidades. Ademais, o não reajuste dos valores transferidos pelo SUS também compromete o financiamento das atividades da área de saúde, o que é agravado pelo atual momento crítico de aumento da demanda de serviços e de elevação das despesas.
Por fim, a reforma tributária em discussão no Congresso Nacional deverá unificar os impostos indiretos, incluindo o ICMS, que é a base de arrecadação das universidades. É imperiosa uma ação diligente para assegurar a existência de mecanismos compensatórios que evitem descontinuidade no financiamento da Universidade.
Dado o cenário de mais curto prazo já descrito na resposta à questão 2, e tendo em vista as restrições impostas pela Lei nº 173, nossa candidatura enxerga o ano de 2021 como uma valiosa ocasião de pactuar com a comunidade docente a execução de ações efetivas de valorização de suas carreira, incluindo nisto a discussão sobre a reposição de quadros. Propomos concretamente a criação de fóruns de discussão que, obviamente, não excluem nem substituem a importante participação nos conselhos constituídos na universidade. Ao contrário, acreditamos que a partilha de ideias em tais fóruns contribuirá para dar a conhecer e despertar o interesse, sobretudo de docentes e servidores mais jovens, para a vida institucional. Cabe aqui ressaltar a importância da presença das entidades representativas, ADUnicamp e STU, na legitimação e enriquecimento desses fóruns. Em resumo, reiteramos a relevância de uma repactuação coletiva das relações decisórias na Unicamp, que se reflita tanto nos procedimentos de priorização das progressões de carreira como nas discussões e propostas de solução visando a reposição de quadros.
Para o horizonte de médio prazo, correspondente ao período 2022-2024, conforme também comentando na resposta à questão 2, nossa proposta está claramente colocada no programa de gestão “Unicamp: construindo o amanhã”:
- Contratar de 150 a 200 docentes e pesquisadores no período para repor parcialmente as aposentadorias, investimento este estimado em R$ 25 milhões.
- Destinar igual volume de recursos para a contratação de servidores técnico-administrativos.
Acreditamos que as medidas acima são estratégicas para a valorização do exercício profissional de toda a comunidade e para garantir o crescimento sustentável da Universidade. Para implementá-las, em conjunto com a retomada das progressões, será necessário contar com um aporte de recursos das reservas financeiras estratégicas da ordem de 20 a 25%, dada a expansão de despesas e investimentos superior à das receitas em 2022. Para o biênio 2023-2024, é possível projetar um cenário mais positivo que o de 2021-2022, prevendo, inclusive, uma recomposição de parte das reservas financeiras estratégicas.
JU - Uma das questões mais sensíveis aos servidores técnico-administrativos diz respeito ao quadro de carreiras em diversos segmentos. Como conduzir esse tema de maneira a reduzir as tensões internas?
Tom Zé - Um dos princípios norteadores do programa de gestão “Unicamp: construindo o amanhã” aponta para "Uma universidade que valoriza, incentiva e empodera os seus quadros", pois, como repetimos inúmeras vezes em nossa campanha, acreditamos que o maior patrimônio da Unicamp são seus recursos humanos: as pessoas. Valorizar a pessoa implica valorizar seu trabalho, o que passa por uma remuneração digna, um plano de carreira consistente, a pela afirmação de sua autonomia e de sua possibilidade de crescimento profissional. Assim, projetos simples, como tornar o ambiente de trabalho mais saudável e prazeroso, até os mais complexos, como a formulação de uma política sólida de carreiras e salários, farão parte das prioridades de nossa administração.
O atual cenário econômico, já comentado em questões anteriores, impacta as políticas de gestão de pessoas e este impacto, se mal administrado, pode levar às tensões internas. De modo semelhante ao comentado na questão anterior, nossa postura será de diálogo e de chamada à participação. Propomos que, no início da gestão, seja realizado um Seminário, utilizando formas de comunicação condizentes com a realidade do momento, incluindo todos os segmentos para o nivelamento de informações sobre a Carreira PAEPE: histórico, conceitos, aspectos legais, expectativas e perspectivas futuras. Serão organizados debates e fóruns de discussão, tantos quanto forem necessários, buscando obter a máxima participação possível e envolvendo o STU e demais lideranças, tais como os representantes nos conselhos da Universidade.
Os recursos destinados à progressão devem ser debatidos e deliberados por ocasião da definição do orçamento anual da universidade. Conforme apontado na resposta à questão 2, nos propomos a destinar, no período 2022-2024, um volume de recursos para a progressão de servidores técnico-administrativos equivalente ao destinado à de docentes, sendo este tal que garanta a progressão de todos os docentes em pelo menos um nível.
As aspirações de nossa futura gestão vão além de reduzir tensões, e visam reconhecer o protagonismo das servidoras e dos servidores nos destinos da instituição, pois acreditamos que é a partir desse reconhecimento que se constrói uma política de gestão fundamentada em colocar a pessoa no centro. Dessa forma, damos a cada profissional um propósito de trabalho, de modo que se veja protagonista e capaz de criar novas soluções com o outro, para o outro e para a comunidade.
É com base nesse fundamento que nosso programa de gestão enuncia diversas propostas concretas, bem definidas, voltadas para: incentivar e promover a formação e o aprimoramento dos quadros da Universidade; promover as melhorias e os avanços que se mostrarem necessários para a carreira PAEPE; garantir e promover o bem-estar do corpo de funcionários, incluindo, entre outras, as ações junto ao GGBS; estimular condutas positivas no ambiente de trabalho, com ações preventivas para coibir práticas abusivas; etc.
Iremos agir para que se consolide uma carreira duradoura, com mecanismos de atualização permanentes e bases sólidas para o reconhecimento do mérito, da busca constante de aperfeiçoamento profissional e do esforço e dedicação pessoal dos servidores. A avaliação de mérito, considerando resultados de desempenho, deve ser um dos pilares para progressão na Carreira. Há de se propor e estimular o engajamento e o compromisso com o trabalho e com os resultados. Em resumo, o desempenho e a qualificação profissional deverão se constituir na mola propulsora para o crescimento na Carreira.
Por sua própria natureza, a Universidade deve estimular a busca de novos conhecimentos, o aprimoramento no exercício do trabalho e o desenvolvimento educacional das pessoas. É coerente, portanto, que, em seus critérios de avaliação, promova e reconheça essas mesmas características em seus trabalhadores. Com isto, contribui-se para que os servidores tenham um norte para a sua atuação, uma maior segurança de avaliações justas, o que necessariamente levará a um clima de maior concórdia e serenidade no ambiente de trabalho.
JU - Em escala global, a ênfase nas avaliações de qualidade de pesquisa vem se deslocando da mera atenção à produtividade para questões de impacto e relevância. Como a Unicamp deve responder a essa mudança cultural?
Tom Zé - Nos últimos anos, as agências de fomento brasileiras e internacionais utilizaram de forma disseminada a medida per capita de artigos científicos publicados como forma de avaliação da pesquisa. Esta métrica, entretanto, não se atrelou necessariamente à qualidade da pesquisa desenvolvida, estimulando ainda uma competição nos ambientes universitários de todo o mundo. As avaliações de mérito passaram a ser baseadas, quase que exclusivamente, em quantidade de publicações por tempo de atividade do pesquisador, o que não necessariamente privilegia a qualidade e a relevância social da pesquisa. Uma consequência negativa desta estratégia foi também o aparecimento de vários periódicos de baixa qualidade, o que contribuiu, ainda, para uma mudança no modelo comercial de editoras que começaram a cobrar pela publicação dos trabalhos científicos (open access).
Os resultados de pesquisa devem ser disseminados, a produção científica é consequência da boa pesquisa e prestigia a instituição do pesquisador. É, portanto, importante publicar. Mas sem dúvida, o mais importante está em publicar com qualidade, impacto e relevância, o que, necessariamente, demanda certo tempo de gestação e de amadurecimento da pesquisa. A Unicamp tem, em suas origens, uma clara vocação à pesquisa, que deve ser permanentemente renovada em seus propósitos e estratégias. Uma Universidade como a nossa tem que se pautar pela ambição em pesquisa e isto passa pela busca do novo, do relevante, daquilo que gera impacto social.
A Unicamp é uma instituição jovem, mas já atingiu um padrão de qualidade em pesquisa que a coloca bem acima do padrão médio brasileiro, em todas as áreas de conhecimento. Novos desafios se apresentam a partir desse patamar já alcançado e acreditamos que é papel da administração da Universidade promover discussões visando elaborar e, subsequentemente, sinalizar direcionamentos sobre qualidade e relevância em pesquisa. Cabe ainda, para isto, estarmos atentos a dois aspectos que não são contraditórios, como podem parecer num primeiro olhar mais superficial, mas que se complementam: a relevância social em vista das necessidades do país e os temas de ponta em prioridade nos grandes centros internacionais.
A Unicamp deve ocupar também uma posição de destaque em políticas de pesquisa. Ao mesmo tempo em que estimula internamente a qualidade, deve ocupar espaços importantes junto aos órgãos de fomento estaduais e nacionais para contribuir, com sua personalidade institucional, com a definição de parâmetros e critérios de avaliação de pesquisa e de programas de pós-graduação. A Unicamp tem também a vocação histórica de procurar "fazer a diferença", na vida acadêmica e no bem-estar da sociedade. É perseverando nesta disposição que chegará, de forma mais natural a novos patamares de relevância, e consequente prestígio, científica em todas suas áreas de atuação.
Uma das formas de aumentar o impacto e a relevância da pesquisa desenvolvida na Unicamp é aumentar o seu grau de interdisciplinaridade e de internacionalização. Para que isso possa acontecer é necessário estimular a interação entre as diferentes áreas de pesquisa da Unicamp tendo como base temas desafiadores cuja solução exija essa interação. Outro ponto imprescindível são as ações de mobilidade internacional para todas as categorias profissionais da universidade (estudantes de graduação e de pós-graduação, funcionários, docentes e pesquisadores) e a busca institucional de colaborações em escala global, identificando áreas estratégicas e respeitando as particularidades e os interesses das unidades.
Esses dois temas são muito caros para a chapa Unicamp: construindo o Amanhã e pretendemos, se eleitos, trabalhar para implementar programas mais focados de internacionalização e de interação entre as unidades de ensino e pesquisa, buscando a fertilização cruzada que leva ao aumento da qualidade e da relevância da pesquisa de todos os envolvidos. Em resumo, entendemos que a Unicamp deve abraçar o compromisso de protagonizar o desenvolvimento de pesquisa relevante e de qualidade que atenda aos anseios das comunidades que nos circundam, no Estado de São Paulo, no Brasil e nas parcerias internacionais.
JU - Ainda no âmbito da avaliação de qualidade de pesquisa, as medidas de impacto e relevância usuais são as mais adequadas, considerando a missão da Unicamp?
Tom Zé - Não totalmente, pois uma parte importante das avaliações de qualidade da pesquisa tem um foco mais voltado para a produtividade medida pelo número de publicações per capita. Conforme comentado anteriormente, isto não leva em consideração, necessariamente, a qualidade da pesquisa e o impacto de seus resultados para as comunidades, seja local, nacional ou internacional, em que a universidade está inserida. Cabe ressaltar que, no contexto das medidas atuais, o Brasil no geral e a Unicamp em particular evoluíram muito nos últimos anos, sendo que o Brasil já responde por 2% do volume total de artigos publicados no mundo. É um dado positivo, sem dúvida, mas que não traduz o impacto da pesquisa brasileira nos destinos das que são desenvolvidas no mundo.
Um outro aspecto importante é que muitas dessas medidas de impacto e relevância usuais são baseadas em parâmetros que não consideram explicitamente as diferenças entre as áreas de conhecimento. Isto leva a uma tendência de relegar a uma posição de menor importância as áreas de conhecimento cuja relevância de pesquisa é menos mensurável por esses modelos. Dessa forma, parte dos pesquisadores são necessariamente atraídos a temas de pesquisa não necessariamente atrelados aos interesses do país, mas sim àqueles desenvolvidos nos países com maior tradição científica e tecnológica. O ranqueamento oriundo dessas metodologias de avaliação gera frustração em parte da comunidade acadêmica, pois elenca algumas pesquisas como muito importantes e outras como não tão relevantes, grosso modo com base nos índices de citações dos artigos. Isto incide diretamente, por sua vez, nas definições de acesso ao financiamento de pesquisa.
Apesar de um inegável papel histórico para a evolução da atividade científica, no Brasil e no mundo, esse modelo já clássico de métrica de qualidade em pesquisa apresenta também falhas e injustiças. Um exemplo atual foi o descaso com que as pesquisas com RNA mensageiro foram tratadas durante muitos anos. Esta pesquisa básica, tida como sem importância e de baixa relevância, permitiu o desenvolvimento de vacinas de alta performance contra o coronavírus, em apenas 10 meses, e deve permitir que o mundo saia de uma pandemia que já causou a perda de milhares de vidas humanas. No futuro breve, os resultados desta pesquisa básica vão ser utilizados para o desenvolvimento de tratamentos de inúmeras enfermidades.
A pesquisa desenvolvida em uma universidade pública e de qualidade, como a Unicamp, é diversa na sua origem: engloba desde a ciência básica, voltada a questões fundamentais sobre a nossa existência no planeta, até as pesquisas mais sofisticadas. Nestas incluem-se as que podem ser utilizadas na resolução de problemas pontuais de diferentes setores industriais; ou a proposição de políticas públicas para áreas de saúde, educação, transporte, alimentação, segurança, gerenciamento dos espaços urbanos; ou ainda muitos outros temas relevantes para a geração de qualidade de vida em escala local, nacional e global.
A pesquisa mundial evoluiu muito nos últimos 50 anos e, de maneira geral, os problemas mais relevantes e impactantes necessitam de respostas que contam com o envolvimento de muitas áreas de conhecimento. Temos observado com muita frequência que quanto mais desafiadora for a pergunta a ser respondida maior é o nível de entrelaçamento de várias áreas diferentes de conhecimento, e, quanto maior o entrelaçamento de diferentes áreas de conhecimento, melhor é a qualidade dos resultados da pesquisa e maior o seu impacto. A produção científica em uma universidade pública deve conduzir ao maior conhecimento da sociedade e à reflexão sobre os variados processos que a caracterizam, e as métricas adequadas para sua avaliação devem refletir esse propósito.
Uma das propostas abraçadas pela chapa Unicamp: Construindo o Amanhã visa estimular a interação acadêmica entre as várias áreas de pesquisa da Unicamp. Pretendemos implementar um programa de pesquisa que estimule a interdisciplinaridade, a internacionalização e que contribua para o aumento do impacto da pesquisa desenvolvida pela Unicamp. Uma maior atividade conjunta entre pesquisadores de diferentes unidades levará naturalmente a uma compreensão mais ampla e à valorização mútua entre as áreas de pesquisa, expandindo seus horizontes de atuação. Com isto, pretendemos ainda estimular discussões internas visando desenvolver um modelo de avaliação institucional que permita mensurar a relevância e a qualidade da pesquisa desenvolvida na Unicamp, respeitando as particularidades de cada área de pesquisa e o impacto social que lhe é próprio, e incluindo itens que permitam o seu espelhamento com os modelos internacionais. O objetivo fundamental é contribuir para que a Unicamp mantenha o seu protagonismo como geradora de conhecimento e gestora de política científica com impacto local, nacional e internacional.
JU - Qual deve ser o papel do reitor frente a situações de conflito na comunidade interna, envolvendo estudantes, funcionários e docentes, levando em conta o histórico de ocupação da Reitoria num passado recente?
Tom Zé - Embora esta pergunta pareça fora de contexto, uma vez que a conjunção de fatores que ocorreu no passado recente de 2016 não tem como se repetir, trata-se de uma questão essencial, que nos permite expor como consideramos a responsabilidade institucional e a liderança política para a resolução de problemas internos.
O reitor tem a responsabilidade institucional clara de garantir o funcionamento e a integridade da Universidade, e é da sua liderança política que decorrerá o êxito na solução de eventuais conflitos e problemas. Isto é um princípio básico a partir do qual reafirmamos que, sob o imperativo da autonomia universitária, o diálogo e a articulação com os diretores de unidades, assim como a integração dos docentes, funcionários e alunos, por meio de seus representantes, serão as formas prioritárias de condução de nossa reitoria.
A universidade possui regras claras de conduta de professores, funcionário e alunos, expostas em seu Regimento Geral, e mantém as instâncias de recursos que garantem direitos de cada corpo da comunidade: essas devem ser as diretrizes básicas presentes em cada eventual situação. Por sua vez, se a reitoria não pode esquivar-se das responsabilidades legais que o cargo e a instituição impõem, deixamos claro aqui que não há lugar para a repressão em nossas decisões, se ocorrerem conflitos de difícil solução. A história da Unicamp se caracteriza por conduzir momentos de crise por meio de diálogo e aproximações e, sobretudo, por encontrar no interior da Universidade, sem interferências externas, o equilíbrio e o respeito à institucionalidade.
Vale mencionar que este último ano que passamos, fortemente afetado pela pandemia, colocou em suspenso problemas vigentes fundamentais, como as questões salariais e as de permanência estudantil. A crise sanitária mostrou a todos uma universidade que não gostamos e não queremos, com o vazio das salas de aula e dos prédios, sem a convivência e sem a interação presencial. É de se esperar, com serenidade, que problemas antigos e novos deverão emergir quando retomarmos o cotidiano presencial no campus. As demandas de setores da comunidade fazem parte da gestão pública e, diante disto, a gestão “Unicamp: construindo o amanhã” será definida e caracterizada pelo diálogo, como é próprio da vida universitária e do convívio civilizatório. A solução dos problemas e conflitos que poderão advir começa pela sua prevenção, por meio do debate transparente a respeito das possibilidades da gestão quanto a quaisquer questões colocadas sobre uma mesa de negociações.
Finalmente, cabe nesta resposta uma postura de esperança e de otimismo, que são boas características para uma gestão serena e dinâmica. Nosso programa é voltado para o futuro da Unicamp, conforme expressa nosso slogan. Foi elaborado e construído por muitos profissionais da Universidade e podemos afirmar, categoricamente, que todas as áreas e segmentos participaram e estão contemplados em nosso projeto. Em nossa campanha já temos demonstrado, com palavras e posturas, que a gestão que queremos é aberta e movida pelo diálogo. Os acontecimentos recentes em nosso país demonstram a necessidade de que esse espírito de diálogo se manifeste para além dos muros da Universidade, sendo uma responsabilidade da Unicamp promove-lo em todos os setores da sociedade externa em que se faça institucionalmente presente.
Em especial, em nosso programa de gestão, reconhecemos o papel do reitor em capitanear esse processo, com responsabilidade, presença, discernimento, envolvimento e sabedoria. Não apenas aprendemos com os fatos do passado, mas temos clara noção da realidade que nós cerca e daquilo que a Unicamp poderá fazer em favor da nossa sociedade civil que tanto carece da tolerância e respeito às diferenças.
JU - A relação recente do governo do Estado com a comunidade acadêmica tem sido tumultuada, com ameaças de corte no orçamento das instituições, o que exigiu grande mobilização para evitar medidas que, caso aprovadas, colocariam em risco as atividades de ensino e pesquisa. Em sua opinião, como a reitoria deve se portar diante dessas ameaças e qual a sua política de interação com o governo estadual?
Tom Zé - A solução para esse complexo problema está em uma posição política externa à Unicamp mais assertiva e em uma melhora nos fluxos de comunicação da Universidade com a sociedade. É indiscutível que exista hoje por parte de algumas autoridades políticas no âmbito do executivo, mas também do legislativo, judiciário e dos órgãos de controle, uma posição contrária, e até mesmo hostil em alguns casos, às universidades públicas paulistas. Essa posição tem sido construída em parte por desconhecimento da diversidade e importância das atividades realizadas pelas Universidades públicas.
Há também na posição contrária e hostil motivações ideológicas e interesses privados que gostariam que o Estado minimizasse sua atuação na área da educação, da saúde e da pesquisa científica. Esse foi o caso da instauração da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) para apurar as suspeitas de irregularidades na gestão das universidades públicas paulistas, que terminou com a elaboração de um relatório frágil e inconsistente, que mostra ainda um elevado desconhecimento por parte dos deputados estaduais sobre o papel, relevância e desafios da universidade pública, gratuita e de qualidade.
Um dos maiores danos das informações distorcidas ou limitadas é que contribuem para que uma parcela da mídia e da sociedade em geral formem uma opinião distorcida ou equivocada sobre a universidade pública. É preciso ampliar a compreensão dos cidadãos, que financiam a universidade, acerca da importância que a universidade pública e os institutos de pesquisa têm concretamente em suas vidas. Assim, como propõe nosso programa de gestão “Unicamp: construindo o amanhã” é fundamental construir pontes com a sociedade e melhorar o fluxo de comunicação externa.
Algumas das propostas que constam do nosso programa são: a) levar a rádio e TV Unicamp a um novo patamar de protagonismo, como parceiras institucionais de relevância para a divulgação de conteúdo; b) aprimorar a difusão e a divulgação científica de pesquisas em andamento na Unicamp, em todas as áreas do conhecimento; c) oferecer conteúdo de caráter cultural, socioeconômico e político mais densos, com participação de membros da Universidade e de agentes sociais (órgãos decisórios, movimentos sociais, entidades científicas, artistas, etc.); d) criar o programa “Conheça a Unicamp” para divulgar informações sobre a atuação da Universidade, com breves entrevistas com docentes da Unicamp sobre pesquisas acadêmicas e seu interesse para a sociedade; e) tornar as mídias institucionais acessíveis a deficientes visuais e auditivos.
Na mesma linha de argumentação, a Unicamp deverá ampliar a comunicação nas redes sociais, incluindo o Portal da Unicamp e ferramentas como Facebook, Instagram, Twitter e Youtube, para: a) divulgar clippings periódicos sobre eventos culturais e acadêmicos, bem como pesquisas da Universidade para diferentes públicos; b) facilitar o acesso a todos os acervos online da Unicamp; c) aperfeiçoar a divulgação dos cursos, serviços e ações conjuntas de extensão universitária, por meio de vídeos curtos de divulgação e de outros recursos; d) criar o podcast “Unicamp explica”, abordando assuntos de interesse geral como saúde, clima, alimentação, cultura, direitos humanos, etc.; e) realizar pesquisas a respeito da percepção social sobre a Unicamp, como base para aprimoramento de nossa política de comunicação.
Além disso, será necessário promover a comunicação por meio de ações em espaços físicos, tais como a) estimular a inserção dos assuntos da Universidade nos veículos de imprensa local e regional, a partir de ações integradas com a sociedade; b) realizar periodicamente nos campi da Unicamp, a partir da parceria com as Prefeituras da região, ou com outros órgãos públicos e privados, eventos artísticos para o grande público: teatro, concertos e exposições, aproveitando eventualmente os espaços públicos da Universidade; c) criar o programa “Ciência pelo mundo afora” para desenvolver métodos de difusão científica integrados, com foco nas parcerias interinstitucionais da Unicamp; d) criar, em parceria com a Comvest, o programa “Unicamp nas escolas públicas”, visando levar estudantes da Unicamp egressos do ensino público para conversas em escolas da região de Campinas; e) desenvolver o projeto “Unicamp na Rua”, que buscará levar docentes e estudantes para pontos estratégicos da região de Campinas, para divulgar à sociedade conhecimentos produzidos na Unicamp, bem como escutar as pessoas sobre suas demandas e sobre como a Universidade pode contribuir para atendê-las; f) fortalecer as parcerias e a comunicação com os diversos segmentos da sociedade: poder público, mídia, empresariado, sociedades científicas, movimentos sociais, setor educacional, órgãos de saúde e organismos internacionais.
Em um período de prolongada crise econômica no país com impactos negativos sobre as contas públicas, que se refletem nas dificuldades tributárias e fiscais, é natural que se acirre a disputa dos recursos públicos pelos diferentes segmentos da sociedade. É dentro desse contexto que deve ser entendida as ameaças de perda da autonomia universitária e/ou de corte no já apertado orçamento das universidades públicas, que envolvem o significativo montante de recursos de 9,57% da cota-parte do Estado paulista do ICMS. E há outros riscos e ameaças tão importantes quanto, como uma iminente reforma tributária, que deverá fundir o ICMS com outros impostos indiretos, o que trará para a universidade a necessidade de assegurar mecanismos de transição para o seu financiamento, sem a perda de autonomia universitária. São desafios políticos que demandarão uma posição muito mais assertiva da universidade pública.
Sendo assim, é fundamental uma maior interlocução com os atores políticos e a sociedade como um todo. Como analisado em nosso programa, a Unicamp possui, em seu organograma, o Escritório de São Paulo, subordinado ao Gabinete do Reitor. Nos tempos em que vivemos, em que as universidades públicas - nelas incluídas as estaduais paulistas - sofrem ataques muitas vezes baseados na desinformação e no mal entendimento de nossas atividades, é fundamental fazermos usos de canais institucionais para aprimorar a comunicação com os representantes públicos. Devemos valorizar o papel do Escritório de São Paulo, criando condições mais efetivas de contato, discussão e disseminação das atividades da universidade, com foco no setor público e empresarial de mais alto nível. Também estudaremos a possibilidade da criação de um escritório similar em Brasília, com vistas às mesmas ideias de valorização da Unicamp, porém junto à comunidade política e ao setor público federal.
Em síntese, é fundamental transmitir para a sociedade que a Universidade pública paulista é parte da solução, não do problema, para o desenvolvimento social, econômico e científico do Estado e do Brasil.
JU - Como avalia a importância das políticas de ações afirmativas e de inclusão social na Unicamp e como lidar com o desafio das políticas de permanência e de apoio ao estudante, levando em consideração o crescimento de discentes com menor renda?
Tom Zé - A vocação primeira da Universidade é formar a pessoa humana e gerar conhecimentos em consonância com uma política de direitos humanos. Isso leva a instituição a reconfigurar os seus valores para acolher uma maior pluralidade de culturas, saberes e expressões individuais. Por um lado, a comunidade interna precisa reconhecer a riqueza dessa ideia de diversidade; por outro, os acontecimentos externos suscitam uma reflexão profunda sobre o papel da universidade na sociedade. Face ao exposto, esse é o momento de criar estrutura e investir sem receio, e com clareza, no que se compreende por uma universidade cidadã, que reconhece e deseja que os direitos das pessoas estejam presentes e ativos dentro e fora de seus limites. Entendemos as políticas de ações afirmativas nesse contexto e com um papel importante de garantir o princípio constitucional da igualdade.
Historicamente, a Unicamp sempre esteve atenta às lutas democráticas pela igualdade de direitos e oportunidades. O vestibular, desde que se tornou uma responsabilidade da instituição, sempre teve uma orientação clara: permitir o acesso a candidatos com um perfil acadêmico aberto aos principais desafios da sociedade. A prova de redação notabilizou-se pelo conjunto variado de temas e habilidades, sintonizado com os dilemas da sociedade. Isso rendeu à Unicamp um capital simbólico inestimável e a projetou como uma das instituições mais sensíveis ao espírito do tempo. Os programas de bonificação no vestibular, a implantação das cotas étnicos-raciais e do vestibular indígena são uma sinalização contundente da universidade que queremos e da diversidade que esperamos ver na nossa comunidade. Estamos em um momento importante de consolidação e ampliação dessas políticas, que precisam ser pensadas no âmbito dos estudantes, funcionários e docentes. Para isso, precisamos da participação da nossa comunidade e de toda a sociedade. Dessa interação, com o apoio da nossa administração, levaremos a Unicamp a um novo patamar. Em parceria com a Diretoria Executiva de Direitos Humanos (DEDH), podemos ampliar e apoiar a comunidade de negros e indígenas, bem como melhorar as condições de acessibilidade e permanência. Para isso, é premente investir em estrutura, com pessoal e orçamento específico, que viabilize a atuação da DEDH.
O artigo 206 da Constituição Federal de 1988 assegura igualdade de condições para o acesso e permanência dos estudantes. Cabe, então, à universidade pública desenvolver mecanismos e projetos de acesso e permanência, inquirindo-se sobre como realizar no espírito aquilo que está na letra da lei.
Os desafios para um aluno de baixa renda permanecer na Unicamp são enormes e, muitas vezes, invisíveis para a comunidade. Muitos estudantes deixam suas famílias e amigos na sua cidade de origem e carregam consigo seus sonhos, suas histórias de vida pessoal e suas expectativas em relação ao ensino superior. Todo esse universo simbólico pode rapidamente entrar em crise se não houver, concretamente em nossa instituição, a capacidade de escuta, acolhimento e encaminhamento das demandas trazidas por esses jovens.
O primeiro sinal de acolhimento é garantir a cada um deles um espaço de convívio saudável, tranquilo e respeitoso para com as diferenças pessoais e culturais. A Moradia Estudantil tem cumprido esse papel ao longo de décadas. Ter um espaço assegurado para morar e saber que, após um dia exaustivo, posso gozar da minha privacidade em companhia de meus amigos é um direito inalienável. Garantir acesso às refeições, ao transporte e a outros auxílios que contribuam para a manutenção econômica de cada estudante em condições de vulnerabilidade é realizar a exigência do artigo 206 da Constituição. Contudo, o aumento expressivo de alunos em situação de vulnerabilidade social, e devemos incluir aí não apenas os alunos de baixa renda, mas os indígenas, lgbtq+ e negros, impõe novos desafios e exige respostas concretas a perguntas como:
1. Devemos retomar o projeto de construção da nova moradia? O benefício para a instituição como um todo não é maior do que o seu custo?
2. Se defendemos o respeito às diferenças e às escolhas individuais, não poderíamos ter mais de um modelo de programa de moradia? Por exemplo, não valeria a pena aumentar o valor do auxílio moradia com o intuito de acolher as decisões pessoais?
3. Conservar e reformar a infraestrutura da moradia deveria ser prioridade para os principais órgãos que respondem por tais serviços em nossa instituição?
4. Um modelo comunitário de segurança, com base em regras consentidas pelo conjunto de moradores, poderia ser implementado em uma gestão efetivamente democrática?
Um dos espaços institucionais mais importantes da história da Unicamp é o SAE. Na figura de suas assistentes sociais, o SAE evidencia que a defesa de uma política que reduza as desigualdades sociais e econômicas entre nossos estudantes precisa de mediadores confiáveis e com expertise comprovada. A gestão “Unicamp: construindo o amanhã” entende que assegurar condições e recursos para a atuação do SAE é uma medida efetiva de contribuição para o sucesso das políticas de ações afirmativas. Ademais, no que se refere à política de avaliação e concessão de bolsas, a inclusão de representantes dos estudantes no colegiado do SAE é uma demanda discente que precisa ser avaliada. O SAPPE, outro espaço institucional importante para a permanência estudantil, desenvolve um trabalho exemplar de atenção e cuidado à saúde mental dos estudantes, mas tem estado sobrecarregado. Por isso, entendemos como crucial promover a ampliação das suas ações. Reforça-se aqui a importância da atuação parceira e integrada entre a administração central, o SAPPE, o SAE e as unidades.
Outro aspecto essencial para a permanência é o acadêmico. As dificuldades que estudantes enfrentam para acompanhar disciplinas podem levar à desistência do curso ou a uma formação insatisfatória, ambos críticos para as políticas de inclusão: um insucesso desses graduandos pode corroborar preconceitos e ampliar ansiedades, levando a um consequente enfraquecimento dessas políticas. Um olhar singularizado que contemple a diversidade de perfis e níveis de conhecimento dos ingressantes é uma forma efetiva de apoio à permanência. Repensar o Programa de Apoio Acadêmico, burocrático em sua forma atual, alinhando-o com outras ações, como o oferecimento de trajetórias alternativas no início dos cursos, também contribui para a permanência estudantil. Uma atenção particular deve ser dada ao ingressante indígena. A discussão e construção de caminhos de inserção desses estudantes no ritmo de vida do campus e em seu entorno social, distintos dos que trazem, é importante para o controle da evasão.