Objetivo real é economizar água
Professor explica funcionamento dos reservatórios; medida deve durar dois anos

CARLOS TIDEI

Energia elétrica alternada não se armazena, portanto não pode ser estocada. Toda energia produzida, quando não é utilizada, perde-se. Analisada por este aspecto a atual crise, pode parecer que o esforço coletivo para economizar energia será em vão. Ledo engano. Na realidade, o que todos estão procurando economizar é a água, a principal fonte de eletricidade no Brasil, combustível de mais de 80% da energia consumida. Se for reduzido significativamente o consumo de energia nestes meses de estiagem, é possível manter os reservatórios das hidrelétricas em um nível satisfatório que evite os temíveis apagões.
Na pior das hipóteses, se o apagão for inevitável, essa economia poderá ao menos reduzir o tempo de corte no fornecimento, diminuindo o impacto da falta de energia em toda a sociedade brasileira. É o que afirma o professor Sigmar Maurer Deckmann, da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp. “Nossa Universidade deve servir como exemplo para toda a comunidade. Como órgão governamental, precisa assumir sua parcela de responsabilidade para minimizar a crise”, acredita Deckmann.

O racionamento de energia pode se estender por até dois anos. É o tempo estimado para que novas fontes de energia, como as termelétricas, sejam viabilizadas, e o sistema de estoques de água em reservatórios seja recuperado de acordo com a demanda. O importante neste momento, de acordo com Deckmann, é voltar a investir imediatamente no setor energético e tocar projetos que estão na fila das propostas viáveis. As termelétricas são a melhor solução a médio prazo, porque uma usina hidrelétrica demora muitos anos para ser construída.

O gasoduto da Bolívia já está na região, sem ser usado para produzir energia, por um problema de câmbio para custear o gás, cotado em dólar. “Foi falta de sensibilidade dos governantes diante de uma crise iminente e inabilidade em negociar melhor a questão das termelétricas. Mas não é o momento de apontar culpados da crise, tampouco de traçar planos mirabolantes visando fontes de energia alternativa”, avalia o professor.

Para entender – Não é difícil entender como a falta de investimentos no setor energético se traduziu na crise de hoje. Houve um progressivo aumento da demanda nos últimos anos e o sistema passou a operar com capacidade máxima de geração. Ou seja, se até agora não ocorreram problemas de falta de energia elétrica foi porque as hidrelétricas passaram a gerar mais energia que a capacidade de reposição de água nos reservatórios.

Ao se dimensionar uma usina hidrelétrica, o cálculo é baseado na vazão média do rio. Quando a estação é de cheia, significa que a barragem possibilita reservar água para o período da seca. Na estiagem usa-se a reserva para compensar o déficit de água. As usinas são projetadas com capacidade excedente de geração para os casos de manutenção de equipamento. Quando se desliga uma turbina em operação, coloca-se uma máquina reserva no lugar enquanto dura o serviço. Acontece que, se estas turbinas também forem colocadas em operação para atender à crescente demanda, ocorre uma drenagem maior de água.

Potencial hidrelétrico é água estocada. Como os reservatórios são plurianuais, e já fazem vários anos que as hidrelétricas operam no limite de sua capacidade, o resultado é uma crise sem precedentes. À medida que o nível dos reservatórios fica mais baixo, diminui a pressão da água – cai a eficiência da conversão hidráulica – e é necessário maior volume para produzir a mesma quantidade de energia, acelerando ainda mais a taxa de esvaziamento e a falta de “combustível”.

Uma só opção – A única saída agora é tentar administrar o consumo para recuperar o controle dos níveis dos reservatórios até a época das chuvas. A economia que se pretende fazer deverá ser convertida em menor vazão de água nas turbinas. Otimizando a utilização dos reservatórios pode-se eventualmente freiar a drenagem. E será necessário manter o racionamento para não ter nova crise no próximo ano, na época da estiagem. “Numa previsão otimista, na segunda rodada de chuvas, ou seja, no verão de 2002 para 2003, se for mantida a economia de energia, a situação pode voltar à normalidade”, calcula Deckmann. O apagão pode ser evitado com a redução drástica da produção energética, para recuperar o nível dos grandes reservatórios, onde é mais eficiente guardar água.

Os grandes reservatórios normalmente se encontram nas cabeceiras dos rios. Ao longo do rio estão as chamadas usinas fio-d’água, porque têm reservas menores e aproveitam as águas despejadas das maiores. Todas as usinas abaixo da principal aproveitam essa água e a última opera com água depreciada energeticamente. Quando chega no mar, ela não tem mais interesse energético nenhum. Desta forma é fundamental que a economia seja centrada nas cabeceiras do rio. Acontece que se forem fechadas as comportas na usina principal, todas as outras abaixo ficam sem água para funcionar. Então, este processo deve ser controlado para que não haja um impacto ambiental generalizado.

Sobre o feriado – “A proposta do governo de criar um feriado na semana para obter uma significativa redução do consumo é inteligente, mas na segunda-feira, ou na sexta, não seriam as melhores opções, porque caracterizariam um feriado prolongado, gerando uma demanda de energia que não ocorreria, por exemplo, se o feriado fosse numa quarta-feira”, pondera Deckmann. O maior impacto, segundo ele, seria a interrupção do processo industrial.

Outras fontes alternativas de energia, como energia solar ou eólica (cata-ventos) não são viáveis a curto prazo, além de representar alto custo. A energia solar é eficiente para aquecimento de água (para produzir energia elétrica teria que ser armazenada em baterias) e a eólica funciona apenas em algumas regiões onde os ventos são permanentes.

Em casa, sim. E no trabalho?

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