O
pai da criança
É
possível fazê-lo com a mulher já grávida?
R
Nós tivemos algumas experiências, e também dá
resultado.
Existe até um grupo, no Japão, que propõe o tratamento a
partir do momento que se inicia a gravidez.
P
E como o senhor vê essa abordagem?
R Nós não
concordamos, porque a gente sabe que não são 100% das mulheres que
respondem ao estímulo imunológico só do marido. Sabe-se que
a origem do problema é um excesso de semelhança entre os dois, não
existe igualdade. Essa falta de igualdade permite que até 85% das mulheres
respondam ao estímulo do marido isoladamente. Mas tem uma parcela da população
que não responde ao marido.
P
Qual o procedimento nesses casos?
R As mulheres precisam
de um estímulo adicional. Para esse grupo, a gente associa o que chamamos
de um doador não aparentado, mais o marido.
P
Qual seria a função do doador?
R Ele funciona
mais como um estimulador inicial para o sistema imunológico e consegue
com isso um estado de ativação. É como se o sistema
imune da mulher ficasse preparado. E aí, além de reconhecer as células
do doador, ela desenvolve também a capacidade de reconhecer as células
do marido. Raramente temos que usar mais que um doador: menos do que 0,1% das
pacientes. É engraçado porque elas perguntam quem elas devem escolher
como doador. E pode ser qualquer pessoa que não seja parente sanguineamente
relacionado.
P
Qual é o impedimento?
R Essa semelhança imunogenética
que existe entre os casais ocorre mais ou menos na proporção de
1% da população dos casais. A chance de você pegar uma outra
pessoa também parecida da população, em geral, é tão
rara que é bem provável que vá dar certo com qualquer um
que você selecione. A gente tem essa experiência de que realmente
funciona.
P
Quais são os mecanismos de controle?
R Sempre que
a gente vai sugerir o tratamento, tanto para o marido e especialmente para o doador,
são feitos exame laboratoriais. Pedimos sorologias para ter a certeza de
que a pessoa não tenha nenhuma doença que possa ser transmitida
pela transfusão. Mais freqüente que a Aids é a hepatite B.
Nós temos vários maridos que têm hepatite.
P
Quantos casais o senhor já atendeu?
R Mais de 800,
entre minha clínica particular e a Unicamp.
P
E qual o percentual de sucesso?
R No primeiro grupo que foi
tratado na Unicamp, entre 93 e 97, nossa casuística apontou que 81% das
mulheres tiveram filhos. Eram mulheres que estavam tentando engravidar, tinham
pelo menos 3 abortos antes. Agora estamos fazendo a segunda fase do levantamento.
Calculo que devam ter nascido 250 crianças com esse tratamento.
P
Existe algum levantamento de eventuais problemas de saúde decorrentes
do tratamento nessas crianças?
R Não, o único
problema que a gente ainda encontra com as mulheres tratadas é que há
uma incidência maior de retardo de crescimento intra-uterino. São
crianças que tendem a nascer com baixo peso, numa proporção
um pouco maior do aquela observada na população geral.
P
Em que proporção?
R O normal é 7% e,
na nossa casuística, chega a 12%. Isso obriga, inclusive, os obstetras
que acompanham essas mulheres, a terem um cuidado maior no fim da gestação
para não haver problema de aumento nos casos de sofrimento fetal etc.
P
Esse tipo de problema pode causar algum tipo de seqüela?
R
O retardo de crescimento, se for bem acompanhado, não tem problemas.
São crianças que têm bom desenvolvimento depois. Uma coisa
que sempre me perguntam é se a incidência de malformações
é maior ou menor nesse grupo. Também não é maior.
Até hoje, dentro dessas 250 crianças, uma nasceu com Síndrome
de Dow, o que está dentro do esperado. A gente tem um caso para cada 800
nascimentos, só que essa população com mulheres com aborto
têm uma idade maior.
P
Qual a média de idade das mulheres que se submetem ao tratamento?
R
A nossa média de idade beira os 37 anos. Agora estamos numa segunda
fase desse tratamento, já dando atenção para um outro grupo
de mulheres, não só para aquelas que têm aborto habitual.
São mulheres que estão em programa de fertilização,
mas a gente sabe que não são todas que conseguem na primeira, na
segunda ou na terceira. São mulheres que não têm nenhum problema
de saúde, produzem belos embriões em laboratório, mas na
hora que você põe o embrião dentro do útero você
não consegue ter a implantação, existe uma falha. E, para
aquelas que têm o que a gente chama de falhas repetidas em programas de
fertilização, a gente observa que têm um comportamento muito
igual aos das mulheres que têm aborto recorrente. Na verdade, imunologicamente,
elas se comportam como as mulheres que têm aborto.
P
Qual é o procedimento adotado nesse caso?
R Nós
estamos oferecendo também o mesmo tratamento que é feito nas mulheres
que têm aborto recorrente. E o resultado que a gente tem tido também
é excelente. Se você tem ainda um grupo de mulheres que estão
em procedimento com uma perspectiva de uma taxa de gravidez ao redor de 25%, nos
melhores serviços, a gente tem visto que, depois do tratamento, essa taxa
está subindo para 50% e, às vezes, para 60% de gravidez na primeira
tentativa. O que é um resultado muito bom.
P A possibilidade de sucesso é menor em mulheres que fizeram
maior número de tratamentos?
R
Especialmente se essa mulher teve a transferência e se ela chegou
a ter em algumas dessas transferências um resultado do teste de gravidez
positivo e não houve progressão na gravidez. Certamente, para esse
grupo, tenho certeza que muda.
P
E para aquelas que nunca conseguiram engravidar?
R A observação,
dentro desse grupo geral, aponta para uma melhora aparente. É um trabalho
que vem sendo desenvolvido juntamente com um grupo de São Paulo, que tem
se interessado em aplicar a parte imunológica para as pacientes que estão
em programas de fertilização. Esse trabalho só não
está sendo feito aqui na Unicamp porque o grupo que trabalha com a fertilização
in vitro aqui teve uma série de dificuldades para conseguir fazer deslanchar
o programa de fertilização. Existe, ainda, um terceiro grupo de
pacientes, que passaram por várias tentativas de fertilização
sem resultado e que acabaram desenvolvendo uma outra vertente de problema imunológico.
P
Como assim?
R Por enquanto, estávamos falando de uma
síndrome de má adaptação imunológica da gravidez.
A gente pode usar essa terminologia para mulher que tem aborto habitual e para
esse grupo de mulher que faz tratamento com imunização para conseguir
engravidar em fertilização. Mas esse terceiro grupo é composto
por mulheres que desenvolvem aquilo que a gente chama de hiperatividade das células
NK.
P
O que vem a ser?
R NK é uma sigla que em inglês
quer dizer natural killer- são as células assassinas naturais.
Elas são as células patrulheiras, que fazem a verificação
se tudo está ocorrendo bem do ponto de vista imunológico. Só
que esse agrupamento de células tem uma atividade normal, esperada, ou
seja: encontrou alguém que não é do grupo, vai lá
e desencadeia uma resposta imunológica que promove a morte daquelas células.
Algumas dessas mulheres, de tanto tentar a gravidez, acabam tendo quase que uma
irritação do sistema imunológico, que fica hiperativo. Na
medida em que entra em contato com células embrião, elas desencadeiam
uma resposta automática de liberação de substâncias
que promovem a morte do embrião. É isso que a gente chama de uma
hiperatividade das células NK. Além dessa característica,
essa mulher já tem outros problemas imunológicos associados.
P
Trata-se de um outro histórico...
R É um outro
histórico. Ela tem aquilo que a gente denomina de problemas auto-imunes.
Além de produzir algo contra o embrião, seu sistema imunológico
está tão irritado que ela começa a se auto-agredir. Na verdade,
ela não precisa nem ter uma doença auto-imune, mas ela produz substâncias
que são comuns em doenças auto-imunes.
P
O senhor poderia exemplificar?
R Ela produz, por exemplo,
um anticorpo que reage contra o núcleo da célula. Ou um anticorpo
que reage contra fragmentos do DNA; e tem uma outra coisa que é a síndrome
do anticorpo antifosfolípide. Fosfolípedes são estruturas
moleculares que compõem o arcabouço das nossas células. O
esqueleto das células é feito por tijolinhos de moléculas
e, normalmente, nós não temos anticorpos que reajam contra essas
moléculas. Seria uma coisa ilógica: por que produzir um anticorpo
contra algo que nos pertence?
P
Por que ocorre esse fenônemo?
R Ou por sucessivos procedimentos
de fertilização, ou mesmo por um histórico de interrupção
de gravidez quando o bebê morre dentro do útero, ele libera
vários desses fosfolípedes. A mulher passa, então, a reconhecer
o fosfolípedes como uma coisa anormal, produzindo então o anticorpo
anti-fosfolípide, que leva a um aumento da coagulação sangüínea.
P
Quais são as consequências?
R O aumento da coagulação
sangüínea faz com que haja uma dificuldade na circulação
de sangue que banha e nutre a placenta, deixando de oxigenar adequadamente a gravidez.
Isso passa também a ser um motivo de aborto ou um motivo que dificulta
o estabelecimento da gravidez.
P
Como clinicamente é tratada a hiperatividade?
R Na
maioria das vezes a mulher não sente nada, ela não tem nenhuma doença
orgânica: ela tem apenas o problema da reprodução. Quando
essa mulher vai se reproduzir, a gente sugere que ela receba uma sobrecarga de
anticorpos fornecidos por nós exogenamente. Essa quantidade, que é
colocada na circulação da paciente, é tão grande que
ela promove uma supressão da atividade dessas células. É
como se, de repente, o sistema imunológico recebesse uma informação
- poxa, tem tanto anticorpo circulando aí, por que eu tenho que trabalhar?
, vamos descansar um pouco. Passa a existir, então, uma redução
da atividade das células NK frente a essa enorme quantidade de anticorpos
que a gente está transferindo para o organismo da mulher. E esses anticorpos
vão permitir que a gravidez se estabeleça e que ela consiga ter
essa resposta fisiológica e leve a gestação até o
final. Temos ainda um outro pequeno grupo de pacientes que estamos seguindo, no
qual observamos que, para aquelas pacientes que estavam em grupos de fertilização
e que a gente detectou que elas tinham uma hiperatividade dessas células
NK. Sugerimos que elas devessem usar essa imunoglobolina humana (anticorpos).
São dois grupos: um que aceitou o tratamento e outro que não aceitou.
P
Quais foram os resultados comparativos?
R Do grupo de 12
mulheres que aceitaram fazer o tratamento, 9 (75%) engravidaram com a fertilização
in vitro. E do grupo de 4 pacientes que não aceitaram, apenas uma paciente
(25%) engravidou. São números pequenos, não dá para
falarmos numa estatística precisa, precisamos acumular mais casos para
comprovar sua eficácia, mas de qualquer maneira é uma porta de investigação.
É bem provável que, no futuro, aquelas pacientes que estão
aí no quarto, quinto, sexto ciclo de fertilização não
vão para o ciclo seguinte sem antes fazer uma avaliação imunológica.
A gente acha que a probabilidade de conseguirmos uma melhora nas taxas de gravidez
no ciclo seguinte é muito grande.
P
No que esse programa da Unicamp se diferencia dos demais?
R
Na verdade, trabalho com mulheres que estão tentando engravidar e que têm
um antecedente ruim de gravidez real. Ela tem o desejo de ter o filho e, para
ela, estamos oferecendo um tipo de tratamento que eu sei qual é o resultado.
Falo da minha estatística, 81%, que é igual à americana.
Então ela sabe quais são suas chances de engravidar. Alguém
pode questionar se isso é melhor do que não fazer nada. Eu acho
que é minha estatística mostra que sim. Aquelas que não fazem
nada abortam numa proporção de 80%. Depois do terceiro aborto, a
probabilidade de abortar a quarta, quinta vez é muito maior do que quando
ela aborta até a terceira vez. Se ofereço à paciente um tratamento
que reduz o risco de ela abortar, eu acho que é um tratamento válido.
Inclusive porque não induz à nenhuma doença, não faço
nenhum mal. É importante que se diga que o tipo de resposta que estou induzindo
na mulher ocorre naturalmente. Nós identificamos no organismo das mulheres
que têm filhos a produção de anticorpos que reconhecem as
células do marido. Isso é uma coisa fisiológica, ocorre em
toda gravidez. Nós temos até um trabalho que foi o início
da minha história dentro da imunologia da reprodução, em
1988, que me colocou em contato com o pessoal de Chicago, com o qual depois acabei
estagiando. Era justamente a verificação de qual era a porcentagem
de mulheres que produziam anticorpo contra as células do marido. Nós
colhíamos as células do feto e fazíamos uma reação
cruzada com o sangue da mãe. Constatamos que mais de 60% das nossas pacientes
aqui do Caism, tinham a produção de anticorpos contra o sangue do
marido.
P
E o projeto Genoma, em que medida ele vai auxiliar nas pesquisas?
R
A partir do momento que você tiver melhor caracterizado que parte
do nosso DNA faz o quê, ou que parte de tal cromossomo faz o quê no
nosso corpo, a possibilidade de manipulação disso é o que
vai mudar tudo.
Segue...