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Por uma cerâmica de mais qualidade
Método desenvolvido no IG classifica minerais usados por indústrias do segmento


A primeira solicitação de patente feita pelo Instituto de Geociências (IG) da Unicamp junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) foi recentemente divulgada pela Agência de Inovação Inova Unicamp. Trata-se de um método de classificação e qualificação de minerais destinados às indústrias cerâmicas, desenvolvido pelo professor Carlos Roberto de Souza Filho e pelo pesquisador colaborador Juliano Alves de Senna, ambos do Departamento de Geologia e Recursos Naturais do (IG). O trabalho envolve uma solução prática para um dos grandes desafios enfrentados por empresas mineradoras em relação à classificação e qualificação precisa de minérios destinados à produção de cerâmicas.

Ao permitir a distinção dos vários tipos de minérios, adequados a cada um dos diversos segmentos de produção cerâmica, o método possibilita o planejamento técnico de lavra, promovendo um melhor controle de qualidade do material extraído. A tecnologia desenvolvida, que utiliza a espectroscopia de refletância, pode ser aplicada a praticamente todas as etapas das cadeias produtivas que envolvem matéria-prima cerâmica: das análises in situ, no local de exploração, até o processamento industrial. O professor Carlos Roberto destaca o fato de a patente provir da área de Geociências, o que é raro no Brasil e inédito na Unicamp.

Os diversos tipos de cerâmicas produzidas pela indústria exigem argilas de composições específicas. Alguns componentes que naturalmente acompanham as argilas podem impedir o seu processamento industrial ou até inviabilizá-lo. Um exemplo disso é o solo que ocorre no campus da Unicamp, constituído de mais de 50 % de caulinita – um argilomineral de cor branca, fundamental para a indústria cerâmica. Entretanto, neste material prevalece a cor avermelhada devido à mistura da caulinita com minerais ricos em ferro em sua composição, os quais “tingem” o mineral branco, dando-lhe a cor vermelha. Esta característica impede a aplicação deste material na fabricação de produtos cerâmicos nobres, como a porcelana branca. Trata-se de um exemplo extremo, mas que ilustra bem o problema, afirma o professor.

Também existem minerais que, apesar de brancos, ao entrarem no processo industrial, geram defeitos no processamento cerâmico. Contaminantes não corantes, como é o caso de minerais de carbonato de cálcio, podem produzir bolhas nas peças cerâmicas, gerando produtos com graves defeitos estruturais. Sendo assim, estes constituintes (contaminantes), corantes ou não, precisam ser eliminados antes da industrialização. A permanência destes materiais indesejáveis pode impedir o uso da argila a que estão misturados, levando a perda de um grande volume de matéria-prima transportada. Como a extração de matérias-primas cerâmicas no Brasil ainda não obedece a um controle de qualidade rígido, os problemas decorrentes de uma composição não adequada à fabricação de uma determinada cerâmica aparecem com relativa frequência.

Este cenário faz com que materiais desnecessariamente explorados sejam descartados, gerando tanto desperdício de recursos logísticos, como “passivos ambientais”. Isso acontece, ressaltam os pesquisadores, mesmo em um estado industrializado como São Paulo, o que faz imaginar as dimensões que esses problemas assumem no País com um todo. Juliano Senna atribui essa ocorrência ao baixo valor agregado à matéria-prima cerâmica, diferentemente do que se verifica com minérios metálicos, a exemplo de ouro, níquel e outros, cujas minas utilizam tecnologias mais modernas.

Em algumas lavras de argila, a extração ainda é feita de forma artesanal. Nesse caso, utiliza-se um instrumento similar a um arco, com uma haste flexionada e extremidades ligadas por um fio de aço. Este simples instrumento é utilizado para separação de tipos de argila plástica (manualmente moldável) em grandes blocos de baixa consistência. Nas minas de matérias-primas compactas o material é extraído por explosivos, antes da explotação mecânica propriamente dita. Uma vez extraídos, os materiais são conduzidos para plantas de processamento-beneficiamento. Nesta etapa, os fragmentos são moídos em frações menores. A granulometria adequada a cada material depende da composição e da sua específica utilização. É nesta configuração que as matérias-primas cerâmicas, como as argilas, chegam à indústria para utilização.

Para os pesquisadores, o método por eles desenvolvido permite monitorar a qualidade da matéria-prima cerâmica de várias maneiras. Através da criação ou aprimoramento das técnicas de planejamento da lavra; da avaliação in situ das matérias-primas cerâmicas antes e durante o processo de extração; da utilização de um método de análise à distância e não destrutivo, para detecção da qualidade da matéria-prima; do emprego de amplo banco de dados para a classificação dos vários tipos de matérias-primas; e da exploração específica dos minerais desejados. Consideram que o emprego do método, de ponta a ponta, da extração do material à industrialização, leva a uma grande economia de recursos, além de não gerar passivo ambiental.

Os pesquisadores são engenheiros geólogos de formação, daí suas preocupações centradas nos processos. Há cerca de dez anos, com a chegada de Juliano ao Laboratório de Espectroscopia de Reflectância (LER), montado pioneiramente na Unicamp e no país pelo professor Carlos Roberto, surgiu a idéia do estudo voltado para caracterização de argilas de finalidade cerâmica. O docente antevia que os métodos que comumente já utilizava para investigações na área do sensoriamento remoto sobre minerais metálicos (ouro, cobre, ferro, entre outros) seriam promissores também para qualificar diversos tipos de matérias-primas cerâmicas. Na medida em que os estudos avançavam, percebeu-se que os métodos de espectroscopia sob investigação naquela época ainda não tinham sido utilizados para os fins buscados pelos pesquisadores. Faltava um método capaz de qualificar cada material e indicar seu uso específico na indústria. E foi isso que os pesquisadores perseguiram por muitos anos.

Software
Sobre o desenvolvimento da pesquisa, o professor Carlos Roberto esclarece: “A partir da patente estamos trabalhando em outras etapas. Vamos elaborar um software que permita a qualquer pessoa, a partir de uma medida da matéria-prima in situ, obter informações não somente a respeito do comportamento espectral dos materiais, assim como também associar determinadas características espectrais a um uso específico desse material na indústria cerâmica”. Esses dados espectrais, prossegue o docente, são gerados por um espectrorradiômetro (instrumento ótico), que mede quanto os objetos refletem a luz (radiação) incidente. “Na medida que os materiais têm diferentes composições, sua resposta à incidência de radiação solar natural (ou equivalente artificial) é única”, esclarece. Segundo o docente, parte dessa resposta é possível ser acessada através do nossos olhos, no espectro visível, mas é na região do infravermelho do espectro, onde também operam esses equipamentos, que as feições são mais diagnósticas e permitem uma qualificação precisa dos materiais.

O método sob patenteamento baseia-se também em uma biblioteca espectral, que corresponde a materiais de referência, e em uma série de programas computacionais pré-desenvolvidos que permitem processar e analisar os espectros. Falta agora elaborar um software mais sofisticado, que reúna as habilidades de cada programa individual em um único pacote. A ideia é criar um software capaz de processar todas as informações dos registros espectrais e passível de ser operado por um técnico comum, sem necessidade de conhecimentos profundos em Geologia, Física, Matemática e Computação.

E esse é o diferencial do trabalho, a inovação, diz Carlos Roberto: “Ainda era um desafio conseguir qualificar essas matérias-primas na fase extrativa e durante o processamento cerâmico de forma expedita e confiável. O que faltava era um método para isso, um processo prático. O software que pretendemos produzir como follow-up dessa iniciativa avançará ainda mais nessa direção. Por meio do mesmo será possível, para qualquer pessoa, caracterizar os diversos usos para cada argila interativamente nas minas ou em áreas de prospecção”.

Com a nova técnica, um espectrorradiômetro seria utilizado na mina pelo gerenciador de lavra, responsável pelo planejamento de curto prazo, determinando o que deve ser extraído. O que hoje é realizado visualmente e com grande margem de erro, não levará mais que do que minutos com a utilização de um equipamento como esse e softwares acoplados, com a vantagem da grande precisão e operação em todas as etapas da lavra e sem a necessidade de qualquer preparação dos materiais sob análise.

Embora o processo utilize por ora medidas pontuais, os pesquisadores pretendem adaptar, num futuro próximo, uma plataforma que permita que as medidas sejam feitas por um sensor imageador (equivalente a uma câmera fotográfica digital, mas com dezenas a centenas de canais espectrais). Desta forma, não haverá mais necessidade de medidas ponto-a-ponto. Esta tecnologia permitirá, em poucos segundos, visualizar interativamente a frente de lavra e determinar, simultaneamente e numa ampla área, que tipo de material existe a cada centímetro quadrado, por exemplo.

“Além de softwares mais robustos e de fácil interação, pretendemos desenvolver ainda uma câmera imageadora especificamente voltada para aplicação na indústria cerâmica”, acrescenta o docente, sem esconder o entusiasmo. Este recurso permitirá que nas frentes de lavra e nas esteiras transportadoras da matéria-prima, ou mesmo na fase de processamento e/ou transformação, possa ser utilizado um equipamento adaptado à identificação de impurezas e/ou contaminantes prejudiciais ao processo. “Desta forma, partículas indesejáveis podem ser separadas através de um mecanismo apropriado acionado automaticamente pelo sistema. É o método levado aos processos industriais”, finaliza.

 

 






 
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