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>>PESQUISA
O
corpo também pensa
Tese de doutorado aborda os movimentos corporais
como manifestação da inteligência
JOÃO
MAURÍCIO DA ROSA
A
pessoa que levanta um copo de água faz isso com a mesma
naturalidade de quem lê um jornal e caminha ao mesmo tempo.
Esses dois gestos, nos quais pouco reparamos, exigem ajustes
motores bastante complexos e são exemplos singelos da
autonomia do corpo, o chamado sistema periférico.
Ou seja, os movimentos ocorrem sem comando do cérebro
(o sistema central), numa prova de que o corpo também
pensa.
Este é um dos princípios da tese de doutorado
Educação Física: o comportamento
corporal como uma possibilidade de manifestação
da inteligência humana, defendida pelo professor
Maurício Teodoro de Souza, na Faculdade de Educação
Física (FEF) da Unicamp.
Para
a perspectiva evolucionista, alguns gestos realizados durante
os milhões de anos da existência humana, e que
hoje nos parecem muito simples, foram construídos durante
nosso desenvolvimento e incorporados de modo muito eficaz,
diz o pesquisador do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Inteligência
Corporal Cinestésica (Nepicc). Imagine que você
está lendo e andando. Você não fica elaborando
sua marcha, pois este é um movimento que já possui
autonomia. Caso tropece, o sistema irá entrar em funcionamento
para resolver o problema, explica.
Ao
contrário deste exemplo, os gestos de dirigir um carro
ou digitar no computador exigem interferência cerebral
para provocar o que os estudiosos chamam de feedback
ou comunicação de retorno. Nesse caso, acho
interessante lembrar que, quanto mais interagimos com o meio
ambiente, mais o nosso sistema perceptual age para nos informar
como estamos realizando a tarefa, raciocina Maurício.
O
professor entende que manifestar um comportamento inteligente
significa solucionar uma situação-problema determinada
pelo contexto sócio-cultural e elaborar novos produtos
para garantir sua sobrevivência. Os gestos de dançar,
nadar ou correr são classificados como habilidades gerais
e, portanto, movimentos globais. E, quando usados para a resolução
de situações-problema, podem ser considerados
manifestação de inteligência, assim como
as habilidades específicas (dobradura, pintura, cirurgia,
detalhes de movimentos realizados por esportistas etc.),
adianta.
Este
processo estaria em evolução desde os primórdios
e, seu principal exemplo, na sobrevivência da espécie.
Há milhões de anos, a humanidade vem solucionando
questões referentes a sua sobrevivência e criando
produtos para melhor conviver nos mais diversos tipos de ambiente,
argumenta.
Através
desta abordagem antropológica, o autor procura não
valorizar apenas o aspecto biológico ou ambiental da
evolução humana, mas a verificação
de que os comportamentos são manifestações
da inter-relação e interdependência da estrutura
biológica com a transmissão cultural dos hábitos
comunitários herdados pelo homem para melhor sobreviver.
Entendermos
os comportamentos corporais como manifestação
do funcionamento mental é compreender a motricidade humana
em sua complexidade, que declara a dinâmica de interações
do organismo humano, explica o professor.
Ligação
íntima Maurício lembra que os estudos
em neurociência vêm enfatizando uma íntima
ligação entre o uso do corpo e o desenvolvimento
de outros poderes cognitivos. Desta forma, conclui-se que no
uso hábil do corpo podemos explicar, por analogia, a
relação dos processos de pensamento com as atividades
físicas.
Desde
as primeiras décadas do Século XX vem-se observando
as relações dos comportamentos corporais com as
funções normais, segundo o professor. O
interessante de nossa abordagem, baseada na teoria das inteligências
múltiplas, é a equiparação das manifestações
corporais ao status de inteligência denominando-a
de inteligência corporal cinestésica , percebendo
que é possível, no sentido específico,
estimular e observar sua manifestação nas aulas
de educação motora, acabando por contribuir, no
sentido amplo, para a escolarização de um modo
geral.
Por
isso, Maurício ressalta a importância da valorização
do período infantil e o conteúdo da educação
motora no nível escolar, resgatando a importância
do movimento no desenvolvimento do ser humano.
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A
proposta original
O
trabalho de Maurício Teodoro de Souza foi elaborado a
partir da proposta original de compreensão da manifestação
corporal como inteligência de Howard Gardner. Professor
adjunto de Neurologia na Boston School of Medicine e de Psicologia
na Harvard University, Gardner começou seus estudos na
área das ciências cognitivas em meados da década
de 70. É um dos responsáveis pelo Project Zero
na Harvard Graduate School of Education desde os anos 80. Seu
livro explanando sobre as inteligências múltiplas
foi publicado no Brasil em 1994, com o título Estruturas
da Mente: a teoria das inteligências múltiplas.
Em
seu trabalho, o professor da Unicamp buscou maior fundamentação
específica para a área de educação
física, um fato que Gardner, o autor da teoria, não
fez, preferindo deixar a sugestão para outros interessados.
Mas Maurício deixa claro que, se o conceito específico
de inteligência corporal cinestésica, literalmente
falando, atribui-se a Gardner, outros autores como Jean Piaget,
citado pelo próprio autor, se referem à importância
do movimento na inteligência humana.
O
pesquisador também se refere ao trabalho do filósofo
português Antonio Damásio, que entre outros aspectos,
ressalta a importância de uma visão diferenciada
do pensamento cartesiano (causa-efeito). Sobre Damásio,
o trabalho mais presente de Maurício Teodoro é
O erro de Descartes, que contesta a visão
cartesiana de que o ato de pensar é uma atividade separada
do corpo. Damásio enfrenta esta dicotomia afirmando
que o corpo contribui com um conteúdo essencial para
o funcionamento da mente normal. E que, se não fosse
amparada no corpo, poderíamos ter uma mente, mas duvida
que fosse a mesma que temos hoje.
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