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Pódios de Hypolito mascaram situação
da ginástica artística masculina no país
O ginasta Diego Hypolito vive um momento único em sua carreira.
Em novembro último, por exemplo, foi tetracampeão da Super
Final de solo – título inédito conquistado na Croácia
– e alcançou a medalha de ouro na Copa do Mundo, em Stuttgart,
na Alemanha, no aparelho que é justamente a sua especialidade.
Ao longo do ano passado, o atleta conquistou outras quatro
classificações de peso em competições internacionais.
Os resultados da maior referência em ginástica artística
masculina brasileira deixam a impressão de que a modalidade
está bem desenvolvida no país. No entanto, o panorama do
esporte no Brasil é crítico – faltam projetos e políticas
mais efetivas para promoção da modalidade nas categorias
de base.
As conclusões são do estudo
realizado pelo educador físico Maurício dos Santos de Oliveira,
que foi orientado pelo professor Marco Antonio Coelho Bortoleto.
“Constatamos que, embora tenham ocorrido avanços significativos
no quadro financeiro, de organização e infraestrutura disponíveis
para a modalidade, ainda persistem problemas característicos
do esporte amador brasileiro. Convivemos com projetos de trabalho
sem sequência e continuidade, marcados pela improvisação e
pela falta de recursos financeiros para a formação e preparação
dos atletas”, critica Oliveira, que apresentou a sua dissertação
de mestrado na Faculdade de Educação Física (FEF).
O estudo contemplou uma análise
bibliográfica e documental, além de entrevistas com os principais
profissionais – ginastas, árbitros, técnicos e dirigentes
esportivos – envolvidos com esta modalidade no país. Todo
o material levantado permitiu que os pesquisadores descrevessem
o cenário da modalidade e um estudo histórico-crítico do período
compreendido entre 2005 e 2008. “A repercussão internacional
dos resultados de ginastas brasileiros é muito grande. Mas
nos incomoda observar que não temos uma ginástica que seja
condizente com os resultados. Por muito tempo dependemos de
uma organização amadora da modalidade e observa-se que as
conquistas foram resultados de um esforço pessoal dos envolvidos”,
acredita.
O orientador da pesquisa,
professor Marco Bortoleto, reforça as conclusões do estudo.
Segundo ele, não se pode fazer uma avaliação do panorama da
ginástica artística masculina baseando-se apenas nos resultados
de competições. O fato de o Brasil ter nomes de referência
internacional, observa, não significa que o esporte vai bem.
“Isto é uma ilusão, não correspondendo à realidade brasileira”,
analisa. Para ele, o esporte não depende de casualidades e
sim de investimentos constantes, de planejamento em longo
prazo e de políticas bem definidas. “Por mais que se tenha
competição por equipes, trata-se de um esporte individual.
Isto permite que se tenham atletas talentosos com resultados
expressivos, inclusive internacionalmente, sem que necessariamente
a equipe ou a modalidade estejam bem desenvolvidas no país”.
Ele
cita o exemplo das seletivas realizadas em países como Estados
Unidos, China e Japão, onde o número de participantes nas
grandes competições nacionais é significativamente maior,
permitindo que se filtrem os melhores para formar várias equipes
nacionais e também que novas gerações estejam preparadas com
o mesmo nível desportivo. Já aqui no Brasil, destaca o professor,
se trabalha com a minoria da minoria. “O Brasil tem quase
200 milhões de habitantes e um campeonato brasileiro de ginástica
artística com 30 meninos que não passaram por uma seletiva
para chegar à competição. Estão querendo enganar a quem? Isso
é uma lenda. Se nós estamos pensando em ser uma potência olímpica,
em termos de resultado, o trabalho mostra que isso não será
possível”, avalia.
Segundo Maurício Oliveira,
as leis que incentivam o esporte e que arrancam muitos elogios
ainda encontram entraves no seu desenvolvimento. Os clubes
possuem dificuldades em organizar e justificar os projetos
para a Lei de Incentivo ao Esporte, pois o processo demanda
muito tempo e o envolvimento de pessoas especializadas. Se
as equipes já têm os recursos limitados, isto pode restringir
ainda mais. “A grande maioria dos clubes não possui uma estrutura
adequada para elaborar os projetos e buscar os apoiadores”,
explica Oliveira.
Sobre a Lei Agnelo Piva, outra
iniciativa para incentivar o esporte, o problema está na centralização
dos recursos nas confederações esportivas, que não repassam
o montante recebido aos clubes – os grandes responsáveis por
formar os atletas. No programa Bolsa-Atleta, a crítica consiste
justamente no processo burocrático, pois os ginastas precisam
renovar as bolsas e ficam sem os recursos durante os trâmites.
Ademais, de acordo com o pesquisador, apenas ginastas de destaque
no cenário nacional conseguem ter o benefício autorizado,
deixando de fora os atletas que estão em formação no país.
“Mesmo aqueles que alcançam bons resultados, têm dificuldades
em conseguir a bolsa”, observa Maurício.
Outro ponto destacado na pesquisa
conduzida na FEF diz respeito ao percurso que a ginástica
artística masculina ainda terá que trilhar para equiparar-se
à popularidade da modalidade feminina. Ele constatou que,
de certa forma, os investimentos no masculino não foram os
mesmos observados no feminino. Ele cita o exemplo da vinda
de três técnicos ucranianos e as instalações do centro de
excelência em Curitiba. “Embora a Confederação Brasileira
de Ginástica (CBG) não tenha disponibilizado os dados oficiais,
verificamos que toda a estrutura foi montada privilegiando
o feminino, talvez pela maior popularidade das ginastas. Três
entrevistados disseram que a ginástica masculina foi a terceira
modalidade dentro do orçamento da entidade”, declara.
Para as Olimpíadas de 2016,
a serem realizadas no Rio de Janeiro, as previsões dos pesquisadores
não são animadoras. Bortoleto alerta que não se muda uma realidade
em sete anos, especialmente num esporte como a GAM. Especialistas
indicam o período de 20 anos para que seja forjada uma boa
geração de atletas. “É bem possível que Artur Zanetti e Sérgio
Sassaki cheguem às Olimpíadas, pois são as grandes promessas
que estão despontando no cenário nacional, porém não se sabe
se chegarão com uma ginástica no nível das potências internacionais”,
acredita Bortoleto. Para ele, o Brasil contará com dois ou
três talentos esporádicos que dependerão basicamente da sorte.
A preocupação maior, em sua
opinião, é se haverá um leque suficiente de atletas para serem
selecionados. Maurício Oliveira estima que, na categoria juvenil,
na qual estão os atletas que possivelmente representarão o
país nas Olimpíadas de 2016, existam em torno de 15 garotos
participando das competições nacionais. No adulto, a média
é de 30 ginastas. “Trata-se de um quadro muito diferente do
observado em outros países, que contam, no campeonato nacional,
após as seletivas, com cerca de 50 ginastas competindo” afirma
Bortoleto. O contingente maior de atletas possibilita que,
mesmo que um ou outro ginasta da equipe principal se machuque,
haja alguém para substituir num nível semelhante.
No Brasil, a situação é
diferente. Caso um ginasta se machuque – o que é muito
possível de acontecer, pois faz parte do esporte de alto
rendimento –, o outro que entrar no lugar não terá o mesmo
nível do lesionado. Então, provavelmente, a equipe já perderá
as possibilidades de êxito na competição. “Essa é a
realidade brasileira na atualidade, embora algumas pessoas
estejam trabalhando duro para modificá-la”, lamenta Bortoleto.
‘FICHA TÉCNICA
Pesquisa: O
panorama da ginástica artística masculina
brasileira: um estudo histórico-crítico
do período 2005-2008
Autora: Maurício
dos Santos de Oliveira
Orientador:
Marco Antonio Coelho Bortoleto
Modalidade:
Dissertação de mestrado
Unidade: Faculdade
de Educação Física (FEF)
Financiamento:
Capes
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