O
Laboratório de Engenharia Ecológica e Informática Aplicada
(LEIA), da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da
Unicamp, é responsável por um dos 110 projetos escolhidos
para o Caderno de Propostas para Municípios, organizado
pelo Inova nos Municípios, programa da Agência de Inovação
Inova Unicamp que busca fomentar parcerias entre a Universidade,
prefeituras e órgãos públicos. O projeto em questão oferece
a municípios a possibilidade de assessoria da Unicamp para
o estabelecimento no meio rural de sistemas integrados de
produção de alimentos, energia e serviços ambientais (Sipaes).
A idéia é que, em conjunto com os pesquisadores da Universidade,
o município dê apoio ao pequeno produtor, para que este
diversifique suas atividades de maneira complementar, possibilitando
alternativas de renda, por meio da instalação de microdestilarias
de álcool e açúcar em sua propriedade, além da manutenção
de áreas tradicionais para a plantação de alimentos, cana
e atividade pecuária.
O professor Enrique Ortega, do LEIA, explica que a inspiração
para o desenvolvimento veio de Minas Gerais, mais especificamente
do geólogo e produtor rural Marcelo Guimarães Mello, que
implantou em sua propriedade, a Fazenda Jardim, uma microdestilaria
que permitiu a produção de álcool fora da monocultura, sem
grande usina, numa atividade de autodesenvolvimento integrada
à produção de leite e de carne, tradicionais do Estado.
Segundo Ortega, o modelo de Mello é indicado para agricultores
no Brasil e em outros países tropicais, em razão da facilidade
de plantação da cana em todas as regiões e, também, da oportunidade
de geração de emprego e de fixação do homem na lavoura a
partir de um investimento reduzido em uma pequena área rural.
O professor descreve a complementaridade do processo. Ele
coloca que a cana plantada mesmo em pequena escala, em áreas
de três a seis hectares, alimenta um sistema de diversos
produtos, pois pode gerar etanol, bagaço e vinhoto. O bagaço
da cana é complementado para ser utilizado como alimento
para o gado. “A cana tem pouca proteína. Torna-se, então,
necessário fazer o balanço, por meio do enriquecimento com
uréia ou leguminosas”, coloca o professor. Além disso, o
gado pode beber o vinhoto, que é o resíduo da destilação
do etanol e contém minerais. O gado alimentado produz esterco
de qualidade que pode ser utilizado na plantação da propriedade
ou ser vendido para outros produtores. “A colheita da cana
é feita em seis meses e, enquanto isso, está sendo produzido
alimento para o gado”, complementa.
Quanto
ao etanol produzido nas microdestilarias de álcool, o professor
destaca que as normas do setor impedem a venda do produto
direto para o público. Entretanto, há a possibilidade de
estabelecimento de parcerias com cooperativas e órgãos públicos
e privados, como a prefeitura local, para uso do etanol
entre os associados. Segundo Ortega, o Estado de São Paulo
não possui muitas iniciativas que proponham tal estrutura
no meio rural, por isso a assessoria da Universidade pode
ser um diferencial para prefeituras interessadas em promover
melhorias na qualidade de vida no campo. “A microdestilaria
possibilita um sistema de produção de energia para outras
atividades, entre as quais secagem e processamento de alimentos,
fazer doces e compotas”, completa.
Entre os benefícios do novo sistema, o professor destaca
que a tecnologia usada na microdestilaria proposta não é
protegida por propriedade intelectual e, por isso, pode
ser implantada apenas com o assessoramento de pessoas que
já utilizaram o sistema. Além disso, o investimento necessário
é de aproximadamente R$ 160 mil para produzir 200 litros
por dia durantes seis meses. “A rentabilidade é boa, mas
ainda estamos terminando os estudos econômicos”, coloca.
Ortega acompanhou a experiência de implantação da microdestilaria
em Angatuba, cidade da região de Sorocaba e localizada a
200 quilômetros de Campinas. Na cidade, a implantação das
microdestilarias rendeu a famílias da zona rural uma renda
de R$ 4 mil a R$ 5 mil reais mensais a partir da plantação
de cana e produção de etanol. O combustível abastece a frota
de veículos oficiais da prefeitura através de uma parceria,
e também permite o fornecimento de açúcar para as escolas
municipais.
O professor cita como outro bom exemplo deste tipo de sistema
o projeto implantado pela Cooperativa Mista de Produção,
Industrialização e Comercialização de Biocombustíveis do
Brasil Ltda (Cooperbio), que é uma cooperativa organizada
e dirigida por camponeses e médios proprietários de terra
da região noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. O projeto
da Cooperbio prevê a produção de biodiesel e álcool com
matéria-prima gerada por pequenos e médios agricultores,
que são, na grande maioria, das famílias dessa região.
Marcelo Leal, gerente da Cooperbio, conta que a cooperativa
tem 400 produtores associados. Até o momento, nove microdestilarias
foram implantadas para serem usadas por 15 a 25 famílias
cada. Para montar a estrutura do empreendimento foi articulado
um convênio de R$ 2,3 milhões com a Petrobras. Por meio
da parceria, a empresa recebe parte da produção de etanol
e valida o novo modelo tecnológico de produção do combustível,
que insere a agricultura familiar na cadeia de produção
do etanol. O restante do combustível produzido é consumido
pelos próprios produtores ou por associados à cooperativa
como sócios-consumidores em pontos de abastecimento. “Além
do modelo ser mais sustentável, temos mais co-produtos aproveitados
pelos produtores e há melhor distribuição de renda, o que
ocasiona o crescimento da economia local”, afirma Leal.
Leal explica que o investimento para a estrutura das microdestilarias
pode variar entre R$ 160 mil e R$ 200 mil. As mais completas
podem também produzir açúcar e ampliar ainda mais o escopo
de produção dos pequenos e médios produtores rurais. O gerente
descreve o sistema como um modelo tecnológico baseado na
agroecologia e no manejo racional dos recursos naturais.
“Através deste modelo geramos mais postos de trabalho e
renda, influenciamos o desenvolvimento regional e aproveitamos
os recursos e fatores de produção local”, coloca.
Serviços
ambientais
Enrique Ortega também destaca a função ecológica dos sistemas
integrados, associados à produção de álcool e de outros
plantios sem adição de fertilizantes nitrogenados, provenientes
da indústria química. “Ainda faltam estudos, mas a idéia
é de um sistema que não usa fertilizantes nitrogenados e
por isso atua na captação de CO2, além de aumentar a infiltração
de água”, afirma o professor. Ele explica que o uso de fertilizantes
nitrogenados no solo ocasiona a emissão de grandes quantidades
de CO2 na atmosfera. “Quando se coloca o fertilizante nitrogenado
no solo, um terço vai para a planta, um terço fica nos aqüíferos,
contaminando-os, e um terço se volatiliza, gerando óxido
nitroso, que é 22 vezes mais nocivo em termos de efeito
estufa que o CO2”, aponta Ortega.
Ortega diz que o projeto pode ir além, em termos de serviços
ambientais. Ele aponta que comunidades rurais podem atuar
na reciclagem de resíduos de cidades vizinhas, de maneira
que haja um retorno adequado dos nutrientes da cidade para
o campo. “Restos de alimentos provenientes de distribuidores
de alimentos, ou mesmo de casas e restaurantes, podem ser
recolhidos e devolvidos para o campo para a produção de
ração para animais e de adubo”, coloca.
O professor diz que, com um planejamento correto, o produtor
pode ter mata nativa, plantações de florestas para completar
a demanda da propriedade por madeira, e mesmo para consumo
regional. “É uma visão diferente de agricultura, não de
monocultura, mas de como produzir as coisas em um sistema
inteligente que gera mais emprego na área e que é mais ecológico,
mais sustentável, com bastante independência dos recursos
derivados do petróleo”, pontua.
Para as prefeituras e cooperativas interessadas em firmar
parcerias, o professor indica que entrem em contato com
a equipe do Inova nos Municípios. “O Caderno de Propostas
está disponível no site do Inova nos Municípios”, orienta
Ortega. Uma vez firmado o projeto, o laboratório pode fazer
estudos para planejamento em razão das microbacias do município,
além de dar recomendações de políticas de planejamento agrícola,
que serão discutidas nos comitês de bacias hidrográficas,
no plano diretor da cidade e com os vereadores. “Trata-se
de uma proposta para o município interessado no fornecimento
de alimentos, energia e serviços ambientais”, coloca o professor.
Ortega acredita que questões novas, como as mudanças climáticas,
vão dar força a esse tipo de nova forma de organização agrícola,
silvestre e industrial.