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Campinas, junho de 2001 - ANO XV - N. 163.........
     
   
 

Plantas que fazem mal
Crista de galo’, ‘bico de corvo’ e ‘confrei’ podem provocar cirrose

PAULO CÉSAR NASCIMENTO

fitoterapia, ou uso terapêutico de plantas medicinais, é um hábito identificado em praticamente todas as civilizações ou grupos culturais conhecidos desde os primórdios da humanidade. No passado, as plantas representavam a principal arma terapêutica conhecida, e sua intensa utilização resultou em conhecimentos empíricos que foram transmitidos de geração para geração.

O acúmulo dessas informações pelo homem primitivo propiciou o surgimento da cultura popular da arte de curar e também da farmacoterapêutica, que se tornou uma das bases importantes para o nascimento da indústria farmacêutica. Como diversas moléculas vegetais com estrutura complexa dependem de síntese biológica, e a síntese em laboratório não pode ser feita ou é economicamente inviável, vários produtos industrializados, entre medicamentos e cosméticos, têm sido desenvolvidos a partir de ervas medicinais, com base nas indicações populares.

Atualmente, há uma ampla gama de chás, sucos, xaropes, tinturas, óleos, pomadas, cremes, loções, sabonetes, shampoos e desodorantes à disposição do público naturalista nas farmácias homeopáticas e lojas de fitoterápicos. Mas até que ponto seu uso indiscriminado é seguro para a saúde?

Os riscos são grandes, conforme atestou pesquisa desenvolvida na Unicamp pela química Cáritas de Jesus Silva Mendonça, como parte do estudo para sua tese de doutorado “Alcalóides Pirrolizidínicos em plantas brasileiras de interesse alimentar e medicinal: identificação e toxicologia”. Realizado com bolsa do CNPq, o trabalho foi orientado pelo professor Gil Eduardo Serra, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), e co-orientado pelo professor Lauro Euclides Soares Barata, do Instituto de Química (IQ).

Plantas contendo alcalóides pirrolizidínicos (uma substância tóxica produzida no processo de bio-síntese da planta) são amplamente consumidas como remédios caseiros ou alimentícios, na forma de saladas e sucos, em alguns países como Índia,
Afeganistão, Estados Unidos, Rússia e Brasil. Entre os exemplos mais comuns estão a “crista de galo” (Heliotropium índicum), o “bico de corvo” (Heliotropium transalpinum) e o “confrei” (Shymshitum oficinalis) usado em saladas.

Pesquisa inédita – No Brasil, até então, não havia um trabalho investigativo sobre essa categoria de vegetais. Coube pioneiramente a Cáritas comprovar, após sete anos de pesquisa, que o consumo contínuo dessas plantas com alcalóides pirrolizidínicos pode provocar a cirrose hepática, com risco de chegar ao câncer através da destruição das células do fígado.

Inicialmente ela procurou identificar a presença da toxina em plantas desidratadas colhidas no herbário do Instituto de Biologia (IB) da Universidade. O exame compreendeu 23 espécies do gênero Senécio braziliensis (popular maria-mole ou flor das almas), típico do Sul do país, e 32 espécies do gênero Elpatorium laevigatum (mata-pasto ou cambará falso), muito encontrado no Sul e Sudeste, cujas folhas são usadas para curar feridas e no preparo de sucos contra febres.

Posteriormente analisou oito espécies de plantas in natura, colhidas em diferentes épocas do ano. Além de amostras de arnica silvestre, de Senécio braziliensis e de Elpatorium laevigatum, também colheu e testou em laboratório espécies dos gêneros Heliotropium indicum e Heliotropium transalpinum (utilizados na forma de chás para tratar úlcera, complicações renais ou para combater doenças do aparelho respiratório), Ageratum conyzoides (popular mentrasto), Crotalaria lanceolata (conhecida como chocalho de cascavel) e Crotalaria spectabilis, comumente encontradas em pastagens.

Esforço multidisciplinar - Os exames laboratoriais para identificar a presença de alcalóides nas plantas e comprovar seus malefícios constituíram a parte mais exaustiva da pesquisa conduzida por Cáritas. “Foi necessário um esforço multidisciplinar, com a participação de especialistas das áreas de química, toxicologia e histologia da Unicamp”, conta a pesquisadora.

Além do orientador e do co-orientador da tese, ela contou, ao longo do estudo, com o apoio dos professores João Ernesto de Carvalho e Patrícia Corrêa Dias, do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA), e Sara Arana, do Departamento de Histologia e Embriologia do IB.

Para a identificação dos alcalóides, ela empregou um processo que consiste, inicialmente, em preparar com metanol um extrato da planta, aquecê-lo e analisar os diferentes compostos químicos contidos no vapor em um cromatógrafo gasoso acoplado a um detetor (espectofotômetro) de massas. Depois, com o uso de técnicas de ressonância magnética nuclear de próton e de carbono 13, isolou e caracterizou dez diferentes tipos de alcalóides entre os compostos químicos, conseguindo obter extratos purificados da substância.

O passo seguinte foi realizar os ensaios toxicológicos, com a injeção dos alcalóides em 100 ratos, dez para cada tipo de substância isolada. Cáritas aplicou doses diferentes em cada cobaia, para poder melhor controlar e avaliar o efeito da toxina no organismo do animal.

Por último, os ratos foram sacrificados e seus fígados submetidos a análises histológicas, para avaliação microscópica do estado das células. Foi quando Cáritas pôde constatar os danos causados aos órgãos dos animais que haviam recebido doses maiores de alcalóide. “Os alcalóides são hepatóxicos, ou seja, tóxicos para o fígado. A toxina obstrui a circulação sangüínea no órgão e compromete seu funcionamento”, esclarece a química.

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Confusão nos sintomas

A química Cáritas de Jesus Silva Mendonça adverte que, por apresentar sintomas semelhantes, casos de intoxicação por consumo de chás à base de plantas com alcalóides podem estar sendo confundidos com cirrose, câncer ou hepatite, já que o órgão afetado nesses casos é o mesmo. A pesquisadora pondera, entretanto, que a intoxicação depende da concentração da substância na planta e da freqüência do uso do medicamento produzido a partir do vegetal.

Porém, não há no país dados científicos abrangentes sobre plantas medicinais, nem um controle eficaz da qualidade dos produtos fitoterápicos capaz de avaliar a concentração de alcalóides e prevenir intoxicações. Muito menos orientações para a população sobre o uso correto dos medicamentos. Enquanto isso, a ingestão indiscriminada coloca em risco a saúde dos consumidores.

“Os fitoterápicos transformaram-se numa panacéia”, observa Cáritas. “O uso popular de plantas medicinais in natura é cada vez maior e, na mesma proporção, cresce a produção e o consumo de cosméticos e medicamentos ditos naturais. Não se percebe, contudo, uma preocupação em se conhecer melhor os efeitos colaterais da utilização desses produtos, como a toxicidade.”

Produto proibido – A tese de doutorado é uma contribuição da pesquisadora para mudar esse quadro. O que ela pretende, com esta e próximas pesquisas que começa a esboçar, é estimular o aprofundamento do estudo e da sistematização das tradições populares do uso de plantas medicinais no Brasil, como forma de ter uma estratégia para investigação e comprovação farmacológica de seus benefícios e malefícios ao organismo humano.

É o que ocorre na Alemanha, país que tem investido muito no campo da etnofarmacologia (estudo da farmacologia popular de um determinado grupo cultural) para o desenvolvimento de novos medicamentos à base de plantas medicinais.
O trabalho de Cáritas, no entanto, já influenciou uma decisão do Ministério da Saúde. O órgão proibiu no Brasil a produção de um fitoterápico a partir do algerato – popularmente utilizado na forma de chás, emplastros e em banhos para males tão diversos como reumatismo, cólicas menstruais e cálculos renais – depois que a pesquisadora demonstrou o alto grau de toxicidade da planta

 

 
 
 

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