Loira
infernal
A
profética trajetório de Albino Souza Cruz,
o fabricante de cigarros, e suas musas fatais
RAQUEL
SANTOS
Eu
quero a loura infernal. Assim se pedia Yolanda,
um dos cigarros de maior popularidade do início
do século passado, à venda naqueles botequins.
A loura infernal era a musa inspiradora de
Albino Souza Cruz. Pouco se sabe sobre a artista e modelo
Yolanda DAlencar, mas as fotos mostram muito, pois
ela chegou a posar nua para o rótulo do cigarro.
Várias outras musas ajudaram o empresário
a tornar seu produto um fenômeno da indústria
brasileira: Dalila, Rosita, Primavera, Sudan e Marly,
nomes estampados para atrair principalmente os homens,
embora com a segunda intenção de facilitar
o acesso também às mulheres, então
pouco interessadas na prática de fumar.
A
idéia de utilizar mulheres para vender produtos,
portanto, vem de longe. Souza Cruz foi pioneiro em outras
técnicas de marketing, como a de colocar dentro
dos maços vales depois trocados por prêmios.
Com essas e outras, o português, que nunca experimentou
a droga, iniciou um império que hoje movimenta
milhões de dólares ao ano, graças,
somente no Brasil, a mais de 30 milhões de dependentes.
A
primeira fábrica de cigarros do País foi
fundada em 1903 e hoje é subsidiária da
inglesa British American Tabacco. Albino Souza Cruz escolhia
pessoalmente os nomes das musas. Yolanda tornou-se a mais
famosa e permaneceu no mercado por três décadas,
tempo de sucesso extraordinário para uma marca.
Muitas alterações foram feitas no rótulo
ao longo dos anos. A mulher nua que segurava um tridente
acabou substituída por uma que só mostrava
o rosto e cujos cabelos não eram mais pretos e
sim louros. Mas a intimidade dos fumantes com Yolanda
só aumentava.
Bilhete
da sorte Ano de 1885, Largo do Rossio, Lisboa.
Um garoto de 15 anos, com o irmão caçula
a tiracolo, troca uma moeda por um bilhetinho da sorte
que pega no bico de um canário: És
inclinado a passar águas do mar. Terás de
lutar muito pela vida e por fim serás feliz,
dizia o papelote.
No
dia 15 de novembro do mesmo ano, a primeira parte da predição
se concretizou. Albino Souza Cruz saiu de Santa Eulália
da Palmeira, um lugarejo do interior de Portugal, cruzando
o Atlântico na terceira classe do navio. Cheio de
sonhos, aportou no Rio de Janeiro e, já no segundo
dia em terras brasileiras, começou a cumprir a
outra parte da profecia. Portando uma recomendação,
dirigiu-se à Fábrica de Fumos Veado. Trabalhou
duro por 18 anos na empresa, sendo recompensado por um
sólido conhecimento no ramo e algumas economias.
Com
33 anos de idade, instalou-se num pequeno prédio
do centro do Rio e começou a produzir cigarros
enrolados em papel, uma novidade que em pouco tempo se
espalhou pela sociedade. Da produção artesanal,
passou à industrial. Em 1962, dono da maior indústria
de fumos da América Latina e maior contribuinte
de impostos no Brasil, Souza Cruz retirou-se da presidência.
Faleceu em 1966, aos 97 anos, sem nunca ter provado um
cigarro. Talvez sem remorsos, apesar dos malefícios
à saúde provocados pelo produto que o enriqueceu.
É que os primeiros trabalhos científicos
sobre as conseqüências da atração
pela loura fatal, surgiram apenas em meados da década
de 60.
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A
face nada lúdica da história do cigarro
Uma
pessoa que fuma 20 cigarros por dia, dá um total
de 200 tragadas, pelo menos. Isto significa que o fumante
recebe 73 mil impactos cerebrais de nicotina por ano,
além de estar inalando entre 2.000 e 2.500 substâncias
tóxicas diferentes. Daí, a forte dependência.
É mais fácil um usuário largar as
drogas do que um fumante abandonar o cigarro.
O
tabaco é o único agente que, não
sendo bactéria ou vírus, possui caráter
pandêmico pelos malefícios que causa à
saúde mundial, afirmou o presidente do Comitê
Coordenador do Controle do Tabagismo no Brasil, professor
José Rosemberg, em palestra no Hospital das Clínicas
da Unicamp, em abril último.
As
estatísticas mostram que, a cada 4 dependentes,
pelo menos um morre prematuramente entre os 34 e 69 anos
de idade. Rosemberg explica que atualmente morrem no mundo,
por doenças tabaco-relacionadas, 4 milhões
de fumantes por ano. Se os padrões de consumo não
se reverterem, no ano 2030 morrerão 10 milhões
de tabagistas, sendo sete milhões nos países
em desenvolvimento. Será a maior causa de
mortalidade no mundo, à frente da Aids, trânsito,
violência e tuberculose, alerta.
Os números mais recentes, referentes ao período
de 1990 a 1999, apontam 21 milhões de óbitos
por doenças tabaco-relacionadas. No Brasil a estimativa
é de 80 mil mortes por ano ocasionadas pela droga.
Dentre as 50 doenças que mais atingem os fumantes,
o tabagismo é responsável por 90% dos casos
de câncer do pulmão, 80% da bronquite crônica
e enfisema e 33% dos infartos do coração.
Na faixa dos 45 a 55 anos, o tabaco concorre com 50% dos
infartos fulminantes.
Fumantes
passivos Na opinião de José Rosemberg,
trata-se de um problema cultural que poderá ser
atenuado em parte com a adoção de programas
educacionais e uma legislação específica
proibindo o fumo em lugares públicos. Metade da
humanidade está exposta direta ou indiretamente
à ação nociva do tabaco. Os fumantes
passivos aqueles que não fumam, mas convivem
com usuários em um mesmo ambiente também
entram nas estatísticas. Estima-se que no Brasil
existam perto de 15 milhões de fumantes passivos,
segundo o cálculo de que cada dependente convive
com dois não-fumantes. Quem traga ingere 60% das
substâncias tóxicas, deixando no ar os outros
40%. Embora em menor proporção que
o viciado, é grande a chance de o passivo apresentar
doenças tabaco-relacionadas, afirma o professor.
A
ação da nicotina Após
a tragada, a nicotina chega aos pulmões, onde é
absorvida pelos vasos sangüíneos; em sete
segundos, chega ao cérebro. A estimulação
das células nervosas causam a sensação
de bem-estar. Em pouco tempo, o cérebro acostuma-se
a funcionar com a nicotina, fazendo com que o fumante
tenha de ingeri-la cada vez mais.
Ana Maria Arruda Rosemberg, do Programa do Controle do
Tabagismo em São Paulo e esposa do professor Rosemberg,
destaca que para as mulheres os prejuízos são
ainda maiores: alterações como a menopausa
precoce, rugas, risco de problemas cardio-circulatórios
(quando utilizado juntamente com anticoncepcionais) tornam-se
freqüentes. As gestantes podem ter bebês com
baixo peso, elevam o risco de abortos e de complicações
pós-parto.
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