Carta
à doutora
M.N.
precisa concentrar-se para apanhar um copo, que vira e
mexe lhe cai das mãos. Pede ajuda para lavar os
cabelos, e o banho, antes um prazer, agora traz apreensão,
pois os movimentos para se ensaboar geralmente vêm
seguidos de forte crise de dor. Nem sempre consegue regar
suas plantas, outro diletantismo proibido. Agradece se
alguém fatia seu bife. Não se esquece de
dar comida aos peixes, mas se fossem gatos, não
poderia acariciá-los porque a lesão nos
dedos impede movimentos finos.
M.N. evita passear nas ruas: é constrangedor ter
de explicar a todos para que servem as talas amparando
seus braços; e os braços imobilizados a
denunciam como vítima fácil aos assaltantes.
Raramente vai ao cinema, a hora e meia na poltrona torna
as dores inevitáveis. Pelo mesmo motivo, reluta
em sair com amigos, temendo estragar a festa.
Mesmo
quando menos intensa, a dor é insuportável,
porque constante. Um minuto sem dor, que seja, é
o sonho acalentado. Para enfrentar a crise, M.N. toma
medicamentos à base de morfina, além de
outros para conseguir dormir. E não encontra remédio
para a dor da alma, fruto da incompreensão dos
outros, insensíveis diante de um sofrimento que
não enxergam. Dor aonde, minha cara, se seus membros
estão inteiros, se não há feridas
aparentes?
M.N.
está afastada do emprego há mais de cinco
anos, com LER diagnosticada em nível 4. E, apesar
de todos os seus pesares, viu-se convocada pela médica
perita da empresa a passar por avaliação
de um psiquiatra, como se a doença pudesse ter
fundo psicológico. Foi quando enviou à perita
a carta abaixo:
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Doutora,
Perdir-lhe-ia
a fineza de me ouvir uma confidência: fiquei perplexa
com sua sugestão de que eu seja avaliada por um
psiquiatra. Pois a senhora me disse a palavra amiga de
que estava interessada em tornar melhor minha qualidade
de vida. E minha insipiência não logra dirimir
em que tal avaliação me seria útil.
Por gentileza, observe o contexto.
Há
cerca de cinco anos fui surpreendida pela LER. Estava
no banco havia mais de treze anos, fazia uma boa carreira,
era respeitada pelos colegas, gozava de um bom conceito
funcional. Era competente em minha área de atuação,
apreciava sê-lo, gostava muito de meu trabalho.
Meu salário atendia de maneira satisfatória
a meu orçamento doméstico. Havendo partido
de um concurso público e caminhando apenas pelos
caminhos de meu esforço, sentia-me vitoriosa.
E
de repente, estava inválida. Atenha-se, por obséquio,
a minha perdas. Perdi uma carreira e uma profissão.
A presença no mundo de trabalho e o exercício
do poder. A possibilidade concreta de um novo trabalho.
A saúde, pela vigência do processo doloroso.
A relativa tranqüilidade econômica de antes,
pela situação nova de redução
salarial. A estabilidade preexistente em meu emaranhado
de laços afetivos e sociais. Afastada do universo
dos que trabalham, o ser empurrada para uma posição
de marginalidade.
A
senhora por certo imagina a experiência difícil
que vivi e continuo a viver. Em vez de por exemplo me
encontrar gerindo uma agência bancária e
usufruindo do bom mundo dos vitoriosos, aqui estou a lhe
escrever esta carta que se não me envilece,
não chega a me enobrecer. É uma carta pedinte
no caso, pedinte de compreensão -, e sabemos
bem o quão desconfortável é pedir.
Aos
poucos me foi sendo oferecida uma consolação:
se o mundo do trabalho me considera inválida, não
o sou no que é essencial: mantenho íntegras
minhas funções mentais e afetivas. Consciência,
liberdade, escolhas, afeto. Se estes atributos não
são apreciados no mercado de trabalho, nem por
isso deixam de ser a excelência da pessoa humana.
Em tal contexto, veja a doutora onde incide a avaliação
psiquiátrica que se me sugere. Nem mesmo a higidez
mental ter-me-ia sido preservada.
Ousaria
lembrar à doutora que possui três boas fontes
para a avaliação de minhas condições
mentais. Meus prontuários funcional, médico
e social. Nele estarão por certo registradas as
ocorrências que me dizem respeito. Se em algum deles
houver indícios de insanidade, a senhora os encontrará.
Pois, como naturalmente é de seu conhecimento,
não há distúrbios mentais graves
que não se reflitam no ambiente de trabalho, e
com intercorrências de saúde e sociais.
O
que lhe peço, de maneira sincera e franca, é
que se empenhe em se ater ao conjunto de minha vida. E
que, como me disse na conversa que tivemos, busque me
ajudar a efetivamente melhorar minha qualidade de vida.
Nem que seja me poupando das incontáveis grosserias
que se me dirigiram nestes cinco anos de afastamento.
Ou dos incontáveis exames subsdiários. Ou
de situações constrangedoras, como a atual.
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Ergonomia:
adaptação do homem ao
ambiente de trabalho e vice-versa
Ao
realizar uma consultoria sobre equipamentos e ambiente
de trabalho para uma empresa do Vale do Paraíba,
o médico Luiz Fernando Macatti, antes de se apresentar
ao operário, foi perguntando: Há quanto
tempo você sente dores no pescoço?.
O trabalhador se surpreendeu: Como o senhor sabe?.
Óbvio, segundo o especialista: Ele trabalhava
em uma bancada de 1,10m, quando a sua altura era de 1,92m.
Ele tinha que sentir dor.
Ergonomia.
Ergo significa trabalho; nomos,
regras. Regras para se organizar o trabalho. Um conjunto
de tecnologias que busca a adaptação confortável
e produtiva entre o ser humano e seu trabalho ou, falando
inversamente, busca adaptar as condições
de trabalho às características do ser humano.
Ergonomia
abrange a compatibilidade de equipamentos (bancadas e
cadeiras à altura, tesouras com molas, almofadas
para os cotovelos, canto de mesas arredondado), ritmo
de trabalho (redução da força na
tarefa, revezamento de funcionários, controle quantitativo
e de repetividade de movimentos, descansos periódicos
no dia-a-dia de labuta) e particularidades pessoais (massa
muscular pequena em relação ao esforço,
insegurança, tensão, dificuldades de inter-relação,
distonia neurovegetativa, desprazer nas funções
que exerce). São os fatores pessoais, biomecânicos
e de organização do trabalho que influenciam
à DORT.
Incisivo
nesta questão da ergonomia, Macatti ensina que
ela deve ser uma preocupação também
nas residências: altura da pia da cozinha, da fechadura
de armários, desenhos do sofá, cama, tanque
de lavar roupas, do banco do automóvel. O teclado
do microcomputador, de acordo com o especialista, já
nos obriga a movimentos incorretos: o normal seria dedilharmos
na vertical, como se tocássemos uma sanfona: na
horizontal, sobre a escrivaninha, estamos tencionando
o pulso.
Quando
carregamos nosso filho, o fazemos apenas com o braço
esquerdo ou direito, é característico, ninguém
muda de braço. Quando lemos um livro depois de
uma jornada de trabalho, às vezes ele cai no rosto
porque seu peso cansa; ou lemos junto ao abajur, deitados
de lado, posição ainda menos confortável,
exemplifica.
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