O
risco da especulação
Um
risco também analisado pelo estudo da Unicamp é
o do uso do programa para a especulação
e favorecimento dos proprietários de terras. Esta
foi a principal crítica que motivou o pedido de
um Painel de Inspeção do Banco Mundial para
avaliar se o programa proposto estava ou não fugindo
de seus objetivos.
O
Painel não verificou irregularidades graves nas
visitas que fez a vários projetos, mas isso não
atenuou as críticas, principalmente as feitas por
assessores de movimentos sociais. Muitos fazem a
crítica pela ação de grupos de interesse
que capturaram verbas sociais sem enxergar as vantagens
da prosperidade trazida pela melhor distribuição
de ativos e de renda, analisa José Maria
da Silveira.
Tomando
como base os índices da Fundação
Getúlio Vargas para o Nordeste, o estudo de avaliação
sobre o preço da terra mostra que os mecanismos
de controle do PCT estão mantendo o valor dos imóveis
em faixas aceitáveis. Gera um endividamento médio
de aproximadamente R$ 6 mil por família, um valor
que varia de acordo com a localização e
os recursos naturais disponíveis na propriedade.
A
grande maioria dos envolvidos adquiriu a terra e ficou
com um excedente que permitiu acesso aos recursos de investimento
comunitário, demonstrando que a negociação
da terra foi afetada pelo interesse das associações
em receber um crédito a fundo perdido, lembra
José Maria. O problema tem uma fórmula de
cálculo que faz com que só quando se adquire
a terra dentro de certos parâmetros de preço,
os beneficiários passem a ter direito ao incentivo
dos investimentos comunitários a fundo perdido.
Nesta
fase inicial do PCT, as negociações também
foram favorecidas por outros fatores, segundo a avaliação.
Primeiro: não existe um mercado de terras no Nordeste,
fato comprovado por um trabalho de Bastiaan Reydon e Ludwing
Puerta, do NEA/IE da Unicamp, que também foi publicado
pelo Nead. O trabalho dá conta de que alguns cartórios
da região registram cinco negócios em dez
anos.
O
pesquisador Marcelo Marques de Magalhães, do Instituto
Interamericano de Ciências Agrárias, que
também participa da avaliação, informa
que esta inexistência de mercado de terra no Nordeste
dificulta o processo de negociação para
compra, o que demanda a atuação dos órgãos
estaduais responsáveis pelo programa no sentido
de avaliar o imóvel e impedir que a impaciência
dos compradores os leve a aceitar preços elevados.
Isso reforça a tese de que o mecanismo do
PCT funciona, já que é a única margem
de negociação das terras na região,
conclui Marcelo.
É
claro que o mecanismo do programa ajuda, pois o incentivo
do investimento comunitário contribui para que
as comunidades façam acordos indesejáveis
com os proprietários, argumenta. A avaliação
mostrou que nessa fase inicial os proprietários
de terra não estavam organizados para se aproveitar
da oportunidade de vender a terra à vista a um
preço favorável.
O
segundo ponto: os proprietários estavam mal informados
e meio amedrontados com a possibilidade de expropriação.
No futuro isso será um desafio para o programa,
o que tende a se reduzir à medida que a liquidez
dada pelo programa seja vista como uma boa oportunidade
de negócio pelos fazendeiros.nto.
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Barreiras
do mundo real
Não
foi fácil para os pesquisadores do Programa Cédula
da Terra admitirem. Mas a pobreza também dificulta
sua execução no Nordeste brasileiro. Segundo
o estudo de avaliação preliminar, certos
grupos usam o financiamento a fundo perdido a que têm
direito para construir casas nas propriedades, comprometendo
a capacidade do projeto.
Há
também o caso de uma comunidade que investiu US$
22 mil na compra de um trator (e implementos), que na
maior parte do tempo é usado como meio de transporte
para os associados, relata o professor José
Maria da Silveira, um dos executores do trabalho de avaliação
do Núcleo de Estudos de Economia Agrícola
do IE.
José Maria detectou que uma grande porcentagem
das famílias que criaram associações
do PCT compõe uma categoria de pobres que ainda
não afundou para além da linha da pobreza,
uma distinção feita pelo volume de bens
que possuem, os chamados ativos no jargão
da economia. Elas têm alguma espécie
de ativos e pelo menos uma vez foram assistidas, seja
por governos ou entidades. É uma pobreza assistida
com acesso a programas sociais, o que facilitou a assimilação
do Cédula da Terra, analisa o professor.
Outro
fator observado foi o de comunidades com fortes laços
criados pela religião, como as evangélicas.
Seus associados declararam nas entrevistas que preferem
o acesso à terra por meios distintos daqueles usados
pelo movimento social.
Em todos os casos a avaliação permitiu constatar
que o programa cumpriu um de seus objetivos principais:
o de atingir famílias pobres, mas motivadas para
o trabalho associativo. Na maioria dos casos, porém,
este objetivo foi atingido graças ao desempenho
dos executores do programa, destaca José
Maria, lembrando que também na negociação
das terras houve uma mão externa para evitar prejuízos.
Autonomia
Assim como todo processo de reforma agrária,
o PCT tem como meta principal a sustentabilidade e a autonomia
dos beneficiários. Para José Maria, o programa
pode tornar-se auto-sustentável em algumas regiões,
mas para tanto depende de vontade dos governos estaduais
e municipais, responsáveis pela arbitragem na compra
das terras e divulgação dos programas. Depois
disso, da assistência técnica.
Apontar a necessidade fundamental de dar assistência
técnica aos assentados parece chavão, mas
tem que ser feito, pois é um problema generalizado
no campo brasileiro, ressalta. Segundo ele, a avaliação
preliminar não deixa dúvidas de que o problema
torna-se crucial no caso do PCT, uma vez que os beneficiários
não dominam todo o ciclo de produção
agropecuária e tampouco têm verniz para o
gerenciamento de uma propriedade, apesar da origem comum
no meio rural. Como diaristas, conhecem apenas as
tarefas pontuais e não a produção
desde cultivo e até o mercado.
Outro
aspecto observado na pobreza: alguns novos proprietários
tendem a mimetizar em seus projetos produtivos as atividades
dos ex-donos das terras adquiridas, dedicando-se, por
exemplo, a criar gado, que não exige tanta mão-de-obra.
Livro
vai divulgar avaliação
O
trabalho de avaliação do Programa
Cédula da Terra começou em julho de
1997 e teve vários desdobramentos, continuando
quase ininterruptamente até os dias atuais.
O resultado da avaliação preliminar
será publicada no livro Estruturas de Governança
e Avaliação de Políticas Públicas,
sem data definida para distribuição.
Para
ser levado a campo, o trabalho começou com
a elaboração de uma metodologia a
ser aplicada nos questionários, um calhamaço
de 40 páginas e 1.150 indagações,
com cada entrevista demorando cerca de três
horas. A elaboração da metodologia
motivou a criação de uma equipe composta
por pesquisadores da Unicamp, USP e Universidade
Federal de São Carlos (UFScar), coordenada
pelo professor Antonio Marcio Buainain, do IE.
A
equipe central do programa é composta por
José Maria da Silveira, professor do IE;
Marcelo Marques de Magalhães, agrônomo
consultor do Instituto Interamericano de Ciências
Agrárias; Hildo Meirelles de Souza Filho,
PHD em economia e professor da UFSCar; Rinaldo Artes,
doutor em estatística do Instituto de Matemática
da USP; Carolina Junqueira Homem de Melo, mestranda
em economia do IE; Celeste Maria Diaz Cônsul,
estatística doutoranda do Instituto de Química
da Unicamp; Daniele da Silva Pires, economista mestranda
em economia na PUC-São Paulo; e Marcelo Melo,
do IE.
O
trabalho de campo envolve estudantes de graduação,
mestrado e pós-graduação das
universidades federais da Bahia, Pernambuco, Ceará
e Maranhão. Em Minas o trabalho é
conduzido pelo Instituto de Estudos de Cidadania
Pró-Città, Organização
Não-Governamental. Ao todo, o trabalho de
campo envolve 64 entrevistadores.
O
relatório final trará dados de 2,6
mil entrevistados em 120 municípios dos cinco
estados beneficiados pelo PCT. Os questionários
utilizaram um sistema de coletas e análises
de consistência de dados informatizado, feito
sob medida para o programa pela Intraweb Sistemas,
empresa de soluções e desenvolvimento
de softwares criada por ex-alunos da Unicamp.
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