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Campinas, junho de 2001 - ANO XV - N. 163.........
     
   
 

O risco da especulação

Um risco também analisado pelo estudo da Unicamp é o do uso do programa para a especulação e favorecimento dos proprietários de terras. Esta foi a principal crítica que motivou o pedido de um Painel de Inspeção do Banco Mundial para avaliar se o programa proposto estava ou não fugindo de seus objetivos.

O Painel não verificou irregularidades graves nas visitas que fez a vários projetos, mas isso não atenuou as críticas, principalmente as feitas por assessores de movimentos sociais. “Muitos fazem a crítica pela ação de grupos de interesse que capturaram verbas sociais sem enxergar as vantagens da prosperidade trazida pela melhor distribuição de ativos e de renda”, analisa José Maria da Silveira.

Tomando como base os índices da Fundação Getúlio Vargas para o Nordeste, o estudo de avaliação sobre o preço da terra mostra que os mecanismos de controle do PCT estão mantendo o valor dos imóveis em faixas aceitáveis. Gera um endividamento médio de aproximadamente R$ 6 mil por família, um valor que varia de acordo com a localização e os recursos naturais disponíveis na propriedade.

“A grande maioria dos envolvidos adquiriu a terra e ficou com um excedente que permitiu acesso aos recursos de investimento comunitário, demonstrando que a negociação da terra foi afetada pelo interesse das associações em receber um crédito a fundo perdido”, lembra José Maria. O problema tem uma fórmula de cálculo que faz com que só quando se adquire a terra dentro de certos parâmetros de preço, os beneficiários passem a ter direito ao incentivo dos investimentos comunitários a fundo perdido.

Nesta fase inicial do PCT, as negociações também foram favorecidas por outros fatores, segundo a avaliação. Primeiro: não existe um mercado de terras no Nordeste, fato comprovado por um trabalho de Bastiaan Reydon e Ludwing Puerta, do NEA/IE da Unicamp, que também foi publicado pelo Nead. O trabalho dá conta de que alguns cartórios da região registram cinco negócios em dez anos.

O pesquisador Marcelo Marques de Magalhães, do Instituto Interamericano de Ciências Agrárias, que também participa da avaliação, informa que esta inexistência de mercado de terra no Nordeste dificulta o processo de negociação para compra, o que demanda a atuação dos órgãos estaduais responsáveis pelo programa no sentido de avaliar o imóvel e impedir que a impaciência dos compradores os leve a aceitar preços elevados. “Isso reforça a tese de que o mecanismo do PCT funciona, já que é a única margem de negociação das terras na região”, conclui Marcelo.

“É claro que o mecanismo do programa ajuda, pois o incentivo do investimento comunitário contribui para que as comunidades façam acordos indesejáveis com os proprietários”, argumenta. A avaliação mostrou que nessa fase inicial os proprietários de terra não estavam organizados para se aproveitar da oportunidade de vender a terra à vista a um preço favorável.

O segundo ponto: os proprietários estavam mal informados e meio amedrontados com a possibilidade de expropriação. “No futuro isso será um desafio para o programa, o que tende a se reduzir à medida que a liquidez dada pelo programa seja vista como uma boa oportunidade de negócio pelos fazendeiros.nto.

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Barreiras do mundo real

Não foi fácil para os pesquisadores do Programa Cédula da Terra admitirem. Mas a pobreza também dificulta sua execução no Nordeste brasileiro. Segundo o estudo de avaliação preliminar, certos grupos usam o financiamento a fundo perdido a que têm direito para construir casas nas propriedades, comprometendo a capacidade do projeto.

“Há também o caso de uma comunidade que investiu US$ 22 mil na compra de um trator (e implementos), que na maior parte do tempo é usado como meio de transporte para os associados”, relata o professor José Maria da Silveira, um dos executores do trabalho de avaliação do Núcleo de Estudos de Economia Agrícola do IE.
José Maria detectou que uma grande porcentagem das famílias que criaram associações do PCT compõe uma categoria de pobres que ainda não afundou para além da linha da pobreza, uma distinção feita pelo volume de bens que possuem, os chamados ‘ativos’ no jargão da economia. “Elas têm alguma espécie de ativos e pelo menos uma vez foram assistidas, seja por governos ou entidades. É uma pobreza assistida com acesso a programas sociais, o que facilitou a assimilação do Cédula da Terra”, analisa o professor.

Outro fator observado foi o de comunidades com fortes laços criados pela religião, como as evangélicas. Seus associados declararam nas entrevistas que preferem o acesso à terra por meios distintos daqueles usados pelo movimento social.
Em todos os casos a avaliação permitiu constatar que o programa cumpriu um de seus objetivos principais: o de atingir famílias pobres, mas motivadas para o trabalho associativo. “Na maioria dos casos, porém, este objetivo foi atingido graças ao desempenho dos executores do programa”, destaca José Maria”, lembrando que também na negociação das terras houve uma mão externa para evitar prejuízos.

Autonomia – Assim como todo processo de reforma agrária, o PCT tem como meta principal a sustentabilidade e a autonomia dos beneficiários. Para José Maria, o programa pode tornar-se auto-sustentável em algumas regiões, mas para tanto depende de vontade dos governos estaduais e municipais, responsáveis pela arbitragem na compra das terras e divulgação dos programas. Depois disso, da assistência técnica.
“Apontar a necessidade fundamental de dar assistência técnica aos assentados parece chavão, mas tem que ser feito, pois é um problema generalizado no campo brasileiro”, ressalta. Segundo ele, a avaliação preliminar não deixa dúvidas de que o problema torna-se crucial no caso do PCT, uma vez que os beneficiários não dominam todo o ciclo de produção agropecuária e tampouco têm verniz para o gerenciamento de uma propriedade, apesar da origem comum no meio rural. “Como diaristas, conhecem apenas as tarefas pontuais e não a produção desde cultivo e até o mercado”.

Outro aspecto observado na pobreza: alguns novos proprietários tendem a mimetizar em seus projetos produtivos as atividades dos ex-donos das terras adquiridas, dedicando-se, por exemplo, a criar gado, que não exige tanta mão-de-obra.

Livro vai divulgar avaliação

O trabalho de avaliação do Programa Cédula da Terra começou em julho de 1997 e teve vários desdobramentos, continuando quase ininterruptamente até os dias atuais. O resultado da avaliação preliminar será publicada no livro Estruturas de Governança e Avaliação de Políticas Públicas, sem data definida para distribuição.

Para ser levado a campo, o trabalho começou com a elaboração de uma metodologia a ser aplicada nos questionários, um calhamaço de 40 páginas e 1.150 indagações, com cada entrevista demorando cerca de três horas. A elaboração da metodologia motivou a criação de uma equipe composta por pesquisadores da Unicamp, USP e Universidade Federal de São Carlos (UFScar), coordenada pelo professor Antonio Marcio Buainain, do IE.

A equipe central do programa é composta por José Maria da Silveira, professor do IE; Marcelo Marques de Magalhães, agrônomo consultor do Instituto Interamericano de Ciências Agrárias; Hildo Meirelles de Souza Filho, PHD em economia e professor da UFSCar; Rinaldo Artes, doutor em estatística do Instituto de Matemática da USP; Carolina Junqueira Homem de Melo, mestranda em economia do IE; Celeste Maria Diaz Cônsul, estatística doutoranda do Instituto de Química da Unicamp; Daniele da Silva Pires, economista mestranda em economia na PUC-São Paulo; e Marcelo Melo, do IE.

O trabalho de campo envolve estudantes de graduação, mestrado e pós-graduação das universidades federais da Bahia, Pernambuco, Ceará e Maranhão. Em Minas o trabalho é conduzido pelo Instituto de Estudos de Cidadania Pró-Città, Organização Não-Governamental. Ao todo, o trabalho de campo envolve 64 entrevistadores.

O relatório final trará dados de 2,6 mil entrevistados em 120 municípios dos cinco estados beneficiados pelo PCT. Os questionários utilizaram um sistema de coletas e análises de consistência de dados informatizado, feito sob medida para o programa pela Intraweb Sistemas, empresa de soluções e desenvolvimento de softwares criada por ex-alunos da Unicamp.

 

 
 
 
 

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