..Come-se
o que se planta
Alimento
orgânico vem conquistando consumidor exigente, mas
popularização esbarra no preço alto
e baixa produtividade
MARIA
ALICE DA CRUZ
uma
terra em que se plantando tudo dá é
preciso saber o que se planta, como se planta, o que se
come. Os alimentos orgânicos vêm conquistando
um mercado exigente, como reflexo dos impactos causados
pela agricultura convencional degradação
do meio ambiente e a redução de mão-de-obra
e de subsídios estatais.
Produtos
ecologicamente corretos são o que o consumidor
procura cada vez mais, constata Adalberto Azevedo, auxiliar
técnico de pesquisa no Núcleo de Estudos
da População (Nepo) da Unicamp, em seu estudo
sobre as atividades agrícolas sustentáveis
praticadas na Divisão Regional Agrícola
de Campinas. Com financiamento do CNPq, ele investigou
as recentes mudanças nos padrões de desenvolvimento
tecnológico e seus efeitos ambientais e sociais.
O
pesquisador afirma que os produtos da agricultura orgânica
são os mais indicados para quem quer uma alimentação
saudável, pois dispensam a utilização
de agroquímicos. A fertilização do
solo é feita com adubo natural, produzido a partir
de leguminosas, como a crotalária, esterco de origem
animal e micronutrientes orgânicos. A infestação
de ervas invasoras, as daninhas, é controlada com
a inserção de predadores naturais dessas
ervas nas lavouras e manutenção do solo
coberto com restos vegetais. Insetos, pragas e doenças
são controlados com a aplicação de
extratos naturais de plantas que atuam como inseticidas
e fungicidas, entre outros meios inofensivos à
natureza, ao consumidor e ao agricultor.
Pessoas
em busca de uma dieta saudável, contudo, também
precisam atentar para o fato de que é pequena diferença
entre as técnicas utilizadas para garantir a higiene
dos produtos hidropônicos e aquelas da agricultura
convencional. Confundidas com alimentos orgânicos,
as hortaliças hidropônicas têm necessariamente
de receber fertilizantes químicos para se desenvolver,
uma vez que são plantadas fora de seu ambiente
natural, em tubos plásticos, por onde circula água
continuamente. Esta água recebe ingredientes químicos
para nutri-la, o que foge completamente do conceito de
cultivo orgânico.
Preço
alto Mas não é somente a falta
de informação que afasta grande parte da
população do mercado de orgânicos.
Segundo Azevedo, o consumidor esbarra em outro obstáculo
a ser resolvido pelos pequenos produtores: o alto preço
desses alimentos. Seus preços são, em média,
40% maiores que os dos produtos convencionais; o trigo
chega a custar 200% acima, e o açúcar, 170%.
A
produção em larga escala levaria à
diminuição dos preços, mas ainda
não se consegue atender à demanda. Em pesquisa
realizada na região de Vargem Grande, Cotia e São
Roque, no interior paulista, a professora Maria Alice
Garcia, do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, questiona
a sustentabilidade da técnica orgânica, à
medida que não atinge, até o momento, a
população regional. A pesquisadora constatou
que os produtos estão restritos a uma elite, além
serem direcionados primordialmente para a rede de supermercados
da cidade de São Paulo.
Entre os fatores que encarecem esses alimentos está
a perda de capital sofrida pelo pequeno agricultor com
o tempo de descontaminação do solo, uma
exigência das agências certificadoras de Agricultura
Natural de Campinas (ANC), visando à obtenção
do certificado de garantia. O tempo de descontaminação
é de 12 meses, o que faz com que o agricultor só
recupere o investimento dois anos depois de introduzir
seus produtos no mercado. Torna-se difícil
atender à demanda logo nos primeiros anos,
afirma Azevedo.
Mão-de-obra
Outra justificativa para o custo elevado é
o suposto aumento de mão-de-obra. Para Maria Alice,
porém, é um argumento que não procede.
Em sua pesquisa de campo, ela observou que a agricultura
orgânica não exige, necessariamente, mais
trabalhadores que a convencional. Depende da cultura e
do conhecimento que o agricultor utiliza para manejar
seu sistema.A aplicação de herbicidas
nem sempre implica redução de mão-de-obra,
especialmente em horticultura. O preço alto, na
verdade, é fixado como um prêmio ao produtor
por não estar usando agrotóxicos. E também
porque a oferta ainda é menor que a demanda,
afirma.
Adalberto
Azevedo, por seu lado, prevê uma mudança
no perfil do consumidor, já que o mercado mostra
um crescimento em nível mundial. Segundo dados
que ele coletou na Coordenadoria de Assistência
Técnica Integrada (Cati) de Campinas, a cidade
de São Paulo, sozinha, tem um potencial de consumo
de US$ 5 milhões anuais. Na década de 90,
o mercado brasileiro de produtos orgânicos cresceu
50% ao ano. A área plantada é de 100 mil
hectares, para uma receita de US$ 150 milhões.
O consumo interno responde por US$ 20 milhões desse
total; o restante é obtido com exportações
para países como Alemanha, França e Japão.
Pelo ranking da certificadora Farm Verified Organic (FVO),
dos Estados Unidos, o Brasil é o 34º colocado
na produção mundial de orgânicos e
o segundo na América Latina.
O
International Trade Center (ITC) aponta como maiores produtores
de orgânicos os Estados Unidos, Europa e Japão.
A taxa de crescimento anual das vendas no varejo, que
há quatro anos era de apenas 1%, ultrapassou 10%
em 2000. No continente europeu, esse aumento é
de 25% ao ano, com uma área de cultivo 25 vezes
maior que a do Brasil. Em escala mundial, a produção
orgânica rende US$ 23 bilhões anuais e o
mercado cresce em torno de 18% ao ano. A Europa é
responsável por 23,6% da produção
do planeta.
O
Programa Brasil Empreendedor Rural, do Ministério
da Agricultura e Abastecimento, prevê maior apoio
do governo para a agricultura sustentável. O Banco
do Brasil e o Banco do Nordeste disponibilizam linhas
de crédito para o cultivo de orgânicos. Um
convênio entre o Instituto Biodinâmico de
Botucatu e a Associação de Agricultura Orgânica
de São Paulo viabiliza o certificado de procedência
exigido pelos bancos para concessão do crédito.
Esses recursos destinam-se a custeio, investimento e comercialização
da safra.
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