..Agricultura
orgânica: uma
agricultura sustentável?
MARIA
ALICE DA CRUZ
a
última década, práticas de agricultura
com baixo uso de insumos às vezes chamadas
biodinâmica, ecológica, orgânica
foram adotadas por pequenos agricultores em áreas
rurais próximas a regiões industrializadas.
As principais causas apontadas pelos agricultores para
adoção dessas práticas foram os elevados
preços dos adubos e praguicidas e a consciência
a respeito dos efeitos de agrotóxicos sobre a saúde
humana, vida silvestre e a degradação de
recursos naturais. A proximidade de grandes centros consumidores,
onde parte da população esclarecida valoriza
essas iniciativas, tem permitido a manutenção
e a evolução desses agroecossistemas.
Alguns
princípios gerais são normalmente obedecidos
quando o agricultor busca maior sustentabilidade ecológica
e independência de insumos químicos no agroecossistema,
sendo que rotação de culturas, manutenção
da diversidade, manejo ecológico de pragas e doenças,
integração entre produção
vegetal e animal são essenciais e interferem diretamente
com a escolha de tecnologias.
Embora
com diferentes motivações, muitas vezes
puramente econômicas, o agricultor orgânico
deve orientar-se de acordo com normas técnicas
que regem esse sistema de produção. A base
dessas normas é a proibição do uso
de agrotóxicos, a conservação dos
recursos naturais, como água e solo, e a implementação
da biodiversidade, sendo o primeiro item obrigatório
para caracterizar qualquer sistema orgânico.
Um
conjunto diverso de insumos alternativos se desenvolveu
nos últimos anos em susbstituição
aos agroquímicos (adubos e pesticidas), alguns
com eficiência comprovada e muitos questionáveis.
A dependência de adubo de origem animal externo
ao agroecossistema é uma realidade para todos os
sistemas orgânicos. Por outro lado, o controle biológico
natural se estabelece com facilidade em agroecossistemas
livres de agrotóxicos e é amplamente difundido.
Mas a venda de inimigos naturais, como joaninhas, já
é um negócio nos Estados Unidos. O uso de
inseticidas biológicos, tais como Bacillus thuringiensis
para o controle de pragas do grupo dos lepidópteros
e alguns coleópteros é ferramenta importante
e bastante usada por agricultores orgânicos. A vertente
insumista também existe na agricultura orgãnica
e há o risco de uma tendência exagerada à
substituição de insumos, que também
movimenta um mercado específico, tornar-se mais
importante do que a busca de sustentabilidade em agroecossistemas
alternativos.
Uma
vez que a diversificação genética,
de espécies e a redução de uso de
agroquímicos são princípios para
uma agricultura sustentável, até o momento
a biotecnologia não contribuiu para o desenvolvimento
desses sistemas, embora tenha potencial de fazê-lo.
O desenvolvimento de linhagens de cultivos resistentes
a condições de estresse hídrico ou
a solos pobres, por exemplo, poderia ajudar na direção
de uma agricultura mais sustentável.
Parâmetros
socioeconômicos A adoção
de práticas orgânicas pelo agricultor depende
de um conjunto de fatores que vão além das
características do ambiente físico e do
conhecimento a respeito das opções tecnológicas
disponíveis. Observamos que muitas dessas tecnologias
vêm sendo adotadas em diferentes graus. No entanto,
muitos dos agricultores que gostariam de manter áreas
de vegetação nativa, alta diversidade, com
integração de produção animal
em seus sistemas, usar cobertura morta, utilizar rotação
de seus cultivos com leguminosas, não o fazem por
ter limitação de mão-de-obra, que
é basicamente familiar, além da limitação
de terra e necessitam de retornos econômicos a curto
prazo, o que nem sempre essas práticas garantem,
principalmente nos primeiros anos após serem adotadas.
Assim, a incorporação de um paradigma em
que o conjunto de parâmetros boa produtividade,
estabilidade na produção, conservação
dos recursos e da biodiversidade, e equidade social sejam
adotados para mensurar a performance de agroecossistemas
pressupõe mudanças profundas em nível
socioeconômico. Não pode ser reduzido a questões
tecnológicas ou de disponibilidade de informação.
A racionalidade do agricultor abarca todo o contexto socioeconômico
em que está inserido para tomar suas decisões
e garantir a sua continuidade e reprodução
no sistema.
De
acordo com os dados obtidos em nossa pesquisa, atualmente
os pequenos agricultores orgânicos da região
se mantêm em virtude de um esquema de ocupação
de um mercado em expansão. Há um nível
mínimo de organização que permite
a comercialização de forma coletiva em feiras
e mercado especializado. Atualmente já existe o
a figura do empresário intermediário, mas
com características um pouco distintas do encontrado
para sistemas convencionais, tendo relevância na
organização da produção e
garantia de escoamento. Mesmo com intermediário,
o retorno econômico ainda é satisfatório
para o produtor, uma vez que seus produtos são
comercializados a preços acima dos produtos convencionais.
Atualmente, cada agricultor mantém, no entanto,
completa independência e autonomia quanto à
forma de organizar e estruturar seu agroecossistema. A
expansão desse mercado é evidenciada pelo
fato de algumas empresas já estarem articulando
contratos para exportação de produtos orgânicos.
É de grande importância o acompanhamento
das respostas dos agricultores às tendências
de ampliação de demandas, exportação,
e ao ingresso de grandes grupos agroindustriais e supermercados
na produção e comercialização
de produtos orgânicos. Com a tendência evidente
de ampliação de mercado, a questão
da escala para organização de agroecossistemas
sustentáveis e de produção orgânica,
que muitas vezes é colocada como barreira à
entrada da agroindústria neste setor, poderá
ser analisada a partir de dados concretos.
A
intensa demanda de mão-de-obra, que aparece como
característica dos sistemas de produção
orgânica atuais, está muito mais associada,
especialmente em horticultura, ao que podemos chamar de
maquiação dos produtos e atividades pós-colheita,
tais como embalagens, selos etc., do que com as demais
etapas do processo produtivo. No entanto, certamente a
mecanização mais adequada, com o desenvolvimento
de máquinas menores e mais leves, com características
compatíveis com o desenho de agroecossistemas diversificados
poderia elevar ainda mais a eficiência desses sistemas,
reduzindo a demanda de mão-de-obra e elevando a
produtividade.
Espaço
a ser ocupado - Finalmente, há que se considerar
que a experiência dos agricultores orgânicos
e sua relação com o sistema de cultivo acaba
levando a uma otimização da alocação
do esforço para a produção. Observamos,
porém, que há um grande espaço a
ser ocupado pelo desenvolvimento de tecnologias direcionadas
ao aprimoramento desses sistemas, tornando-os mais tecnica,
ecológica e economicamente sustentáveis.
Quanto
à sustentabilidade social, observamos que há
uma grande carga de trabalho familiar nos sistemas orgânicos
estudados, mas as relações de contrato de
trabalho não diferem das relações
gerais do setor. Portanto, adotar tecnologias de produção
agrícola ecologicamente mais adequadas não
implica, de forma alguma, a adoção de relações
sociais mais equitativas. Além disso, o prêmio
pago por produtos sem agrotóxicos ou orgânicos
torna-os acessíveis apenas a uma elite que pode
pagar mais por esses produtos. Os projetos de ampliação
da produção orgânica atual visam o
atendimento especialmente do mercado europeu. Não
podemos esperar, a curto prazo, uma redução
de preços por aumento de oferta. Portanto, embora
a produção orgânica apresente muitas
vantagens sob o ponto de vista ecológico, ela não
atende às necessidades de uma população
local, não aumenta a segurança alimentar
dessa população e, em escala regional e
global, contribui com um item adicional para desigualdades
sociais.
A
eqüidade como parâmetro de sustentabilidade
de sistemas de produção de alimentos pressupõe
uma concepção de relações
humanas e sociais distintas da encontrada no modelo político
e de desenvolvimento baseados apenas em leis de mercado
e capital. Quando apontamos as contradições
acima, fica evidente que, para uma produção
ecológica, econômica e socialmente sustentável
de alimentos, direcionada à segurança em
qualidade e quantidade de alimentos para as populações
humanas, não bastam soluções técnicas
e práticas ecologicamente corretas.
* Maria Alice Garcia é professora
do Departamento de Zoologia do Instituto de Biologia (IB)
da Unicamp
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