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Campinas, maio de 2001 - ANO XV - N. 162.........
     
   
 

..Agricultura orgânica: uma
agricultura sustentável?

MARIA ALICE DA CRUZ

a última década, práticas de agricultura com baixo uso de insumos – às vezes chamadas biodinâmica, ecológica, orgânica – foram adotadas por pequenos agricultores em áreas
rurais próximas a regiões industrializadas. As principais causas apontadas pelos agricultores para adoção dessas práticas foram os elevados preços dos adubos e praguicidas e a consciência a respeito dos efeitos de agrotóxicos sobre a saúde humana, vida silvestre e a degradação de recursos naturais. A proximidade de grandes centros consumidores, onde parte da população esclarecida valoriza essas iniciativas, tem permitido a manutenção e a evolução desses agroecossistemas.

Alguns princípios gerais são normalmente obedecidos quando o agricultor busca maior sustentabilidade ecológica e independência de insumos químicos no agroecossistema, sendo que rotação de culturas, manutenção da diversidade, manejo ecológico de pragas e doenças, integração entre produção vegetal e animal são essenciais e interferem diretamente com a escolha de tecnologias.

Embora com diferentes motivações, muitas vezes puramente econômicas, o agricultor orgânico deve orientar-se de acordo com normas técnicas que regem esse sistema de produção. A base dessas normas é a proibição do uso de agrotóxicos, a conservação dos recursos naturais, como água e solo, e a implementação da biodiversidade, sendo o primeiro item obrigatório para caracterizar qualquer sistema orgânico.

Um conjunto diverso de insumos alternativos se desenvolveu nos últimos anos em susbstituição aos agroquímicos (adubos e pesticidas), alguns com eficiência comprovada e muitos questionáveis. A dependência de adubo de origem animal externo ao agroecossistema é uma realidade para todos os sistemas orgânicos. Por outro lado, o controle biológico natural se estabelece com facilidade em agroecossistemas livres de agrotóxicos e é amplamente difundido. Mas a venda de inimigos naturais, como joaninhas, já é um negócio nos Estados Unidos. O uso de inseticidas biológicos, tais como Bacillus thuringiensis para o controle de pragas do grupo dos lepidópteros e alguns coleópteros é ferramenta importante e bastante usada por agricultores orgânicos. A vertente insumista também existe na agricultura orgãnica e há o risco de uma tendência exagerada à substituição de insumos, que também movimenta um mercado específico, tornar-se mais importante do que a busca de sustentabilidade em agroecossistemas alternativos.

Uma vez que a diversificação genética, de espécies e a redução de uso de agroquímicos são princípios para uma agricultura sustentável, até o momento a biotecnologia não contribuiu para o desenvolvimento desses sistemas, embora tenha potencial de fazê-lo. O desenvolvimento de linhagens de cultivos resistentes a condições de estresse hídrico ou a solos pobres, por exemplo, poderia ajudar na direção de uma agricultura mais sustentável.

Parâmetros socioeconômicos – A adoção de práticas orgânicas pelo agricultor depende de um conjunto de fatores que vão além das características do ambiente físico e do conhecimento a respeito das opções tecnológicas disponíveis. Observamos que muitas dessas tecnologias vêm sendo adotadas em diferentes graus. No entanto, muitos dos agricultores que gostariam de manter áreas de vegetação nativa, alta diversidade, com integração de produção animal em seus sistemas, usar cobertura morta, utilizar rotação de seus cultivos com leguminosas, não o fazem por ter limitação de mão-de-obra, que é basicamente familiar, além da limitação de terra e necessitam de retornos econômicos a curto prazo, o que nem sempre essas práticas garantem, principalmente nos primeiros anos após serem adotadas. Assim, a incorporação de um paradigma em que o conjunto de parâmetros – boa produtividade, estabilidade na produção, conservação dos recursos e da biodiversidade, e equidade social sejam adotados para mensurar a performance de agroecossistemas – pressupõe mudanças profundas em nível socioeconômico. Não pode ser reduzido a questões tecnológicas ou de disponibilidade de informação. A racionalidade do agricultor abarca todo o contexto socioeconômico em que está inserido para tomar suas decisões e garantir a sua continuidade e reprodução no sistema.

De acordo com os dados obtidos em nossa pesquisa, atualmente os pequenos agricultores orgânicos da região se mantêm em virtude de um esquema de ocupação de um mercado em expansão. Há um nível mínimo de organização que permite a comercialização de forma coletiva em feiras e mercado especializado. Atualmente já existe o a figura do empresário intermediário, mas com características um pouco distintas do encontrado para sistemas convencionais, tendo relevância na organização da produção e garantia de escoamento. Mesmo com intermediário, o retorno econômico ainda é satisfatório para o produtor, uma vez que seus produtos são comercializados a preços acima dos produtos convencionais.

Atualmente, cada agricultor mantém, no entanto, completa independência e autonomia quanto à forma de organizar e estruturar seu agroecossistema. A expansão desse mercado é evidenciada pelo fato de algumas empresas já estarem articulando contratos para exportação de produtos orgânicos. É de grande importância o acompanhamento das respostas dos agricultores às tendências de ampliação de demandas, exportação, e ao ingresso de grandes grupos agroindustriais e supermercados na produção e comercialização de produtos orgânicos. Com a tendência evidente de ampliação de mercado, a questão da escala para organização de agroecossistemas sustentáveis e de produção orgânica, que muitas vezes é colocada como barreira à entrada da agroindústria neste setor, poderá ser analisada a partir de dados concretos.

A intensa demanda de mão-de-obra, que aparece como característica dos sistemas de produção orgânica atuais, está muito mais associada, especialmente em horticultura, ao que podemos chamar de maquiação dos produtos e atividades pós-colheita, tais como embalagens, selos etc., do que com as demais etapas do processo produtivo. No entanto, certamente a mecanização mais adequada, com o desenvolvimento de máquinas menores e mais leves, com características compatíveis com o desenho de agroecossistemas diversificados poderia elevar ainda mais a eficiência desses sistemas, reduzindo a demanda de mão-de-obra e elevando a produtividade.

Espaço a ser ocupado - Finalmente, há que se considerar que a experiência dos agricultores orgânicos e sua relação com o sistema de cultivo acaba levando a uma otimização da alocação do esforço para a produção. Observamos, porém, que há um grande espaço a ser ocupado pelo desenvolvimento de tecnologias direcionadas ao aprimoramento desses sistemas, tornando-os mais tecnica, ecológica e economicamente sustentáveis.

Quanto à sustentabilidade social, observamos que há uma grande carga de trabalho familiar nos sistemas orgânicos estudados, mas as relações de contrato de trabalho não diferem das relações gerais do setor. Portanto, adotar tecnologias de produção agrícola ecologicamente mais adequadas não implica, de forma alguma, a adoção de relações sociais mais equitativas. Além disso, o prêmio pago por produtos sem agrotóxicos ou orgânicos torna-os acessíveis apenas a uma elite que pode pagar mais por esses produtos. Os projetos de ampliação da produção orgânica atual visam o atendimento especialmente do mercado europeu. Não podemos esperar, a curto prazo, uma redução de preços por aumento de oferta. Portanto, embora a produção orgânica apresente muitas vantagens sob o ponto de vista ecológico, ela não atende às necessidades de uma população local, não aumenta a segurança alimentar dessa população e, em escala regional e global, contribui com um item adicional para desigualdades sociais.

A eqüidade como parâmetro de sustentabilidade de sistemas de produção de alimentos pressupõe uma concepção de relações humanas e sociais distintas da encontrada no modelo político e de desenvolvimento baseados apenas em leis de mercado e capital. Quando apontamos as contradições acima, fica evidente que, para uma produção ecológica, econômica e socialmente sustentável de alimentos, direcionada à segurança em qualidade e quantidade de alimentos para as populações humanas, não bastam soluções técnicas e práticas ecologicamente corretas.


* Maria Alice Garcia é professora do Departamento de Zoologia do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp

 

 

 


 
 
 

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