.Loucura
encubada?
CARLOS
TIDEI
Certamente
a população brasileira consumiu carne de
gado europeu, suspeita portanto de contaminação
pelo mal da vaca louca, até fevereiro deste ano,
quando e somente por pressão do embargo
de importação de carne brasileira pelo Canadá
(e do Comitê Científico da União Européia
sediado em Bruxelas, Bélgica) foram tomadas
algumas providências sanitárias adequadas
para proteção da saúde dos brasileiros.
Se algum consumidor foi contaminado no Brasil e desenvolveu
a doença, ou a possui encubada, dificilmente haverá
registro, tanto por falta de um mapeamento específico
como por falhas de diagnóstico.
O
fervor nacionalista mobilizou a sociedade brasileira,
com alguns setores promovendo manifestações
de boicote a produtos canadenses, como os portuários
de Santos e membros da Abredi (Associação
Brasileira de Restaurantes Diferenciados) que provavelmente
serviram carne importada aos clientes. A imprensa brasileira,
em geral, preferiu endossar o nacionalismo e creditar
o embargo à disputa comercial na área de
aviação, e até o presidente da República
declarou guerra comercial contra o Canadá.
Passados os discursos acalorados, chegou o momento de,
serenamente, técnicos e especialistas da área
reverem posições para melhor proteger a
saúde do consumidor brasileiro.
Diante
da necessidade de iniciar uma campanha de educação
e conscientização do segmento produtivo
(pecuária) de carne bovina, bem como o segmento
industrial (matadouros e frigoríficos), a Sociedade
Brasileira de Ciência e Tecnologia de Alimentos
(SBCTA) promoveu no dia 20 de abril, no auditório
da Faculdade de Economia e Administração
(FEA) da USP, em São Paulo, o simpósio A
Indústria de Produtos Cárneos e a Encefalopatia
Espongiforme Bovina (EEB), com participação
de especialistas da Unicamp, USP, UFL e Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O
maior perigo é o excesso de auto-confiança
de que não existe a doença no Brasil. É
um tremendo engano pensar que estamos isentos do problema,
alerta o professor Jaime Amaya Farfan, da Faculdade de
Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, um dos organizadores
do evento. Segundo ele, apesar de o Brasil ter sido declarado
como de risco 1 (o mais baixo atualmente entre
os exportadores), existe a necessidade de discutir a problemática,
na ausência do fator emocional inicial, para despertar
no produtor e no industrial a consciência que leve
à prevenção e à manutenção
da categoria de baixo risco em EEB.
Maior
rebanho O Brasil possui o maior rebanho bovino
comercializável no mundo todo, estimado em mais
de 150 milhões de cabeças. A possibilidade
de proliferação da doença da vaca
louca no País é baixa, mas não é
zero, principalmente porque a grande maioria
das criações é extensiva, ou seja,
sem a participação de concentrados com ingredientes
de origem animal. Eventualmente, no entanto, alguns
rebanhos podem receber reforços contendo proteína
de origem animal, pondera Farfan. Neste caso pode
ocorrer a contaminação cruzada, pelo consumo
da ração animal composta por resíduos
de abate transformados em farinhas, principalmente de
bovinos e suínos. A ração e a propagação
vertical seriam as mais prováveis causas de disseminação
da EEB. Este fato não elimina, porém, a
possibilidade de consumo interno de carne e gado importados
de países onde a doença já se manifestava
nos últimos dez anos. Especialistas em saúde
acreditam que a EEB não chegue a ser um problema
de saúde pública.
Em
1989 e 1990 foram importados 179 animais das raças
Jersey e Charolêsa do Reino Unido e a associação
de criadores transpareceu que cerca de 100 desses bovinos
podem ainda estar vivos. A ilha de Jersey acumula 152
casos de EEB desde 1988. O Brasil importou cerca de 100
mil toneladas de carne européia em 91, das quais
18 mil toneladas vieram da Irlanda. Entre 89 e 91 a Irlanda
registrou 46 casos de EEB e um aumento considerável
nos anos seguintes, tendo atingido um acumulado de 599
ocorrências no início deste ano.
O
Ministério da Agricultura levou dois anos para
preencher os formulários sobre a inexistência
da doença no país, mesmo depois de ter permitido
a importação de mais de 4 mil reses da Europa
no auge da epidemia, entre 1989 e 1994. A doença
atinge mais o gado leiteiro, por isso o nome de vaca louca,
e existe a possibilidade da contaminação
vertical (da vaca para o bezerro), com incidência
entre 5% e 15% nos rebanhos contaminados, detalha
Pedro Eduardo de Felício, professor da Faculdade
de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp e um dos palestrantes
do simpósio. A transmissão vertical da doença
pelo sêmen do touro não foi registrada, assim
como a transmissão horizontal (contato indivíduo
com indivíduo).
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