Pesquisa
A ciência vai aos pampas
Importante descoberta de professor
da Unicamp ganha as páginas da Science
Luiz Sugimoto
No lado argentino da imensa planície dos Pampas, existe uma área perto da cidade de Río Cuarto cortada por depressões alongadas, algumas com cinco quilômetros de comprimento e vários metros de profundidade. A causa deste fenômeno, em solo tão regular e plano, certamente alimentou o imaginário da população local por muitos anos.
Em janeiro de 1992, o cientista norte-americano Peter Schultz, reconhecido mundialmente por seus estudos sobre meteoritos, teve publicado um artigo na revista Nature, onde tratava essas depressões como sendo o registro do primeiro impacto de um meteorito sob baixo ângulo (rasante) documentado na face da Terra, similar ao efeito de uma ‘bomba’ lançada sub-horizontalmente. Em geral, choques desse tipo se dão sob ângulos mais elevados (maior de 30 graus). O meteorito teria entrado na atmosfera em altíssima velocidade (acima de 20 km por segundo) e atingido o solo com apenas 5 graus. Depois do primeiro choque, o objeto desmembrou-se e escavou a superfície, repicando por mais duas vezes e criando novas depressões.
É um tipo raro de evento na natureza e mais raro ainda de ser preservado até os dias de hoje. Segundo Schultz, ele teria ocorrido entre 5 mil e 10 mil anos atrás, sendo presenciado por antigos habitantes dos Pampas. Para dar suporte a esta hipótese, o geólogo americano apresentou evidências de difícil contestação. Ele encontrou, dentro das depressões, pedaços de meteoritos e um produto bastante comum desses impactos: os “tektitos”, denominação técnica de um vidro que resulta do choque e conseqüente fusão das rochas e solos constituintes da superfície terrestre.
A hipótese de Peter Schultz, entretanto, acaba de ser contestada em artigo publicado pela revista Science no último dia 10 de maio. Os líderes da pesquisa são os geólogos Philip Bland, da Open University (Inglaterra), e Carlos Roberto de Souza Filho, do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp. Assinam o artigo mais nove cientistas.
Arsenal Em maio do ano passado, esse grupo multidisciplinar chegou à cidade de Río Cuarto munido de um arsenal de dados. Souza Filho teve acesso a fotografias tiradas pelo satélite espião americano Corona na década de 60. O cientista brasileiro é também principal investigador de um novo satélite científico, o Advanced Spaceborne Thermal Emision and Reflection Radiometer (Aster), que enxerga objetos com dimensões de até 15 metros e trabalha com bandas espectrais que vão além do visível (possui infravermelho e separa, por exemplo, água, diversos tipos de sedimentos, vegetação, entre outros elementos da paisagem).
“Schultz havia pesquisado uma área restrita, com apenas 10 feições. Ao ampliarmos o campo de observação através de imagens de satélites, conseguimos levantar 400 feições adicionais, com as mesmas características”, lembra o pesquisador. “Em algumas delas, encontramos fragmentos de meteoritos, além de uma quantidade expressiva de vidro. Achamos que tínhamos descoberto o maior campo de crateras de impacto de baixo ângulo da face da Terra”, brinca.
Mas um detalhe os preocupou: se as 400 crateras alongadas fossem resultado do impacto de um único meteoro, as direções deveriam convergir (de forma radial, como se fossem aqueles raios estilizados de um sol como centro), o que não foi verificado. Além do mais, essas depressões estavam distribuídas numa região muito ampla, o que dificilmente seria gerado como produto de um impacto supostamente rasante.
Três eventos Embora fosse grande o desejo de anunciar a descoberta das centenas de depressões nos Pampas, os cientistas optaram pela cautela. Decidiram datar as idades da queda dos meteoritos, da formação dos vidros e da superfície das depressões. Com isso, resolveram um grande problema. Os meteoritos na região eram de composição distinta e, principalmente, de idades diferentes: um deles caiu há cerca de 36 mil anos e outro há mais de 52 mil anos. A superfície das depressões tem aproximadamente 4 mil anos, sendo bastante recente.Os vidros, não só na área estudada pelo geólogo americano, mas num raio de 800 quilômetros, apresentam idades consistentes, em torno de 480 mil anos.
“Acreditamos que são três eventos diferentes e independentes, que Schultz aparentemente juntou num único. Concluindo: nenhuma daquelas feições, as de Schultz ou as nossas, é de impacto de meteorito”, observa Carlos Souza Filho. “De certa forma foi um pouco decepcionante, pois você nunca começa uma pesquisa visando comprometer o trabalho dos outros, pelo contrário, o objetivo é acrescentar, entender melhor os fenômenos e ampliar o conhecimento científico”.
Como explicar Na busca de explicações, os cientistas procuraram o centro meteorológico da Argentina e levantaram a direção dos ventos nos últimos 20 anos. Perceberam que os ventos corriam em paralelo às feições de cada localidade. Concluíram então que as crateras alongadas foram provocadas pela erosão eólica, segundo a direção principal dos ventos. “Num vôo de Córdoba a Buenos Aires, você percebe esses ‘arranhões’ no solo”, afirma Souza Filho. Sobre a presença de meteoritos dentro das feições, o geólogo da Unicamp informa que é comum a queda desses fragmentos interplanetários numa taxa constante, por toda a superfície da Terra.
“Os meteoros se vaporizam ao entrar na atmosfera. Os maiores conseguem atravessá-la, chegando na forma de pequenos pedaços à superfície num passado recente, um desses meteoritos atingiu um carro estacionado nos Estados Unidos. Isto, colocado em milhares de anos, justifica que fragmentos sejam encontrados com tanta freqüência nas feições dos Pampas. Embora eles tenham caído há milhares de anos, a erosão eólica foi a maior responsável por estarem expostos hoje na superfície pampeana essencialmente na base dessas depressões”, ensina o pesquisador.
Questão pendente Resta um problema interessante: como explicar a existência dos “tektitos”, com idades em torno de 480 mil anos, seja nas depressões ou em cortes profundos no solo, em um raio de até 800 quilômetros? O grupo fez mais duas viagens a Río Cuarto atrás da resposta. A única justificativa plausível, de acordo com o professor brasileiro, é que houve realmente um grande impacto há quase 500 milênios, espalhando os fragmentos de vidro por toda a região.
“Provavelmente, aconteceu uma extinção regional da vida nos Pampas, devido à quantidade de energia liberada pelo impacto, mas a vida foi restabelecida gradativamente, visto que áreas mais afastadas não foram afetadas”, estima Souza Filho. Simulações de impactos investigadas pelos pesquisadores, também publicadas na Science, indicam que um meteoro (ou pedaço dele) com 500 a 1.000 metros de diâmetro causaria esse estrago, abrindo uma cratera de pelo menos 5 quilômetros de diâmetro. “Felizmente, a probabilidade de um impacto desta proporção ocorrer na Terra é, talvez, de uma ou duas vezes a cada milhão de anos. Se fosse mais freqüente, provavelmente nossas crises seriam outras, que não apenas as econômicas”, ilustra.
A equipe está preparando nova viagem, depois de reestudar cuidadosamente as imagens de satélites, agora com o objetivo de descobrir a cratera soterrada sob os sedimentos recentes que recobrem os Pampas. “Voltaremos nos próximos meses”, anuncia Souza Filho, com um sorriso de quem já tem uma boa idéia de onde caiu o meteorito gigante.
Pesquisa poderá ser vista pela TV
Este artigo publicado em 10 de maio pela Science é um “furo” jornalístico acompanhado pela Maverick Television. O Ministério das Relações Exteriores da Inglaterra encomendou a essa produtora de TV (que faz documentários para várias emissoras daquele país, como a BBC) a tarefa de verificar e filmar a participação de pesquisadores ingleses em missões científicas fora da Europa.
Além de Philip Bland, a Maverick convidou também Carlos Roberto de Souza Filho, do Instituto de Geociências da Unicamp, para a filmagem ocorrida em fevereiro deste ano. A Science, até a data em que publicou o artigo, possuía direitos reservados sobre os resultados. Agora, esse documentário será televisionado em várias partes do mundo, incluindo o Brasil.
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