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Peixe é usado como bioindicador de
contaminação causada por pesticida
Bióloga analisa concentração de
endosulfan por meio de
exames em órgãos vitais de pacus
MARIA
ALICE DA CRUZ
O
pacu, Piaractus mesopotamicus, revelou-se como um bioindicador
eficiente na verificação de toxicidade aguda ao endosulfan
em peixes. O uso do produto foi proibido em diversos países
da Comunidade Europeia por ser nocivo ao ambiente e à saúde
humana. Amostras de órgãos de pacu analisadas por Aline Tagliaferro
em sua dissertação de mestrado, orientada pela professora
Sarah Arana, do Departamento de Histologia e Embriologia do
Instituto de Biologia da Unicamp, apresentaram lesões danosas
mesmo quando expostos a baixas concentrações do pesticida.
A partir de uma análise anatomohistopatológica em órgãos vitais
dos peixes, a pesquisa permitiu comprovar que também neste
caso o fígado é um biomarcador eficiente para determinar a
intensidade da contaminação. Os resultados devem auxiliar
futuras pesquisas com agrotóxicos e contribuir nas decisões
de órgãos competentes, como a Anvisa, que já elaborou projeto
para a proibição do composto, além de colaborar no mapeamento
das alterações induzidas por agrotóxicos deste tipo.
O projeto teve como objetivo
inicial avaliar os efeitos da toxicidade aguda e subletal
do endosulfan em pacu, espécie, segundo a orientadora, de
grande importância para o ecossistema e também para a pesca
esportiva e a piscicultura. Além do fígado, a pesquisadora
estudou as alterações histopatológicas nas brânquias e no
rim. “Mas o rim e as brânquias concentram muitas alterações
por parasitas, das quais algumas podem ser confundidas com
as lesões por contaminação química”, disse Aline. A orientadora
complementa, afirmando que as informações sobre o biomarcador
facilitarão o trabalho de pesquisadores em estudos futuros
sobre contaminação química em peixes.
A expectativa de Aline é que
a pesquisa estimule uma fiscalização mais eficiente e a exigência
do cumprimento da lei por parte das empresas. O agrotóxico
já foi banido há alguns anos da Comunidade Europeia e dos
Estados Unidos por ser comprovadamente nocivo ao ambiente
e à vida humana, segundo a pesquisadora. Na sua opinião, a
rigorosidade no cumprimento da lei evitaria acidentes como
o ocorrido no Rio Paraíba. “Gostaria muito que esses resultados
contribuíssem para a conscientização da sociedade, das empresas
e para o cumprimento da lei, bem como para sua fiscalização”,
diz Aline.
A
preocupação de Aline e Sarah está no residual que fica
nas águas a longo prazo, e não apenas em impactos imediatos,
como os provocados em Resende, Rio de Janeiro. Outros acidentes
são recorrentes em proporção menos alarmante, deixando
resíduos na água. “Essas substâncias são lançadas,
e os peixes ficam expostos por muito tempo, embora em baixas
concentrações”, informa. Mas a investigação feita a
partir de exposição aguda por Aline, focada no comprometimento
de órgãos vitais (análise histopatológica) de alevinos
de pacu, sugerem que os sinais comportamentais do animal podem
mudar quando avaliados por mais tempo. A pesquisadora observou
os exemplares durante 96 horas para investigar a possibilidade
de recuperação. “Muitos indivíduos morreram, mas alguns
resistiram até o fim da análise”, declara Sarah. Ela acrescenta
que o agrotóxico pode se diluir pelo rio e os peixes podem
migrar para um ambiente não-contaminado. “Por
isso é importante analisar o comportamento desses exemplares
a longo prazo”, acrescentou Sarah.
Os resultados da pesquisa
são uma mostra de como a histologia, antes conhecida pela
eficiência na área médica, tem aplicação importante também
em estudos sobre impacto ambiental. Uma série de projetos
desenvolvidos sob coordenação ou orientação de Sarah,
desde que ela optou pela linha de pesquisa relacionada a doenças
de peixes, serve de subsídios para que os órgãos competentes
estabeleçam normas mais rigorosas de utilização de pesticidas.
A pesquisa também é importante para mapeamento da exposição
da ictiofauna brasileira a contaminantes. Ela acrescenta que
os experimentos que mantêm a legislação brasileira indicam
como bioindicadores espécies não-ativas, como o zebrafish,
a truta arco-íris, aceitas como modelo animal internacionalmente,
porém, distintas das espécies brasileiras. Então a pesquisa
torna-se importante também por trabalhar com espécies nativas,
como o pacu.
A concentração de atividades
agrícolas na Bacia Pantanal Mato Grosso intensifica a presença
de pesticidas em águas de córregos, rios e sedimento na região
do Pantanal. De acordo com Sarah, o endosulfan desperta maior
preocupação por sua ação muito danosa sobre organismos aquáticos
e ser um dos inseticidas mais utilizados na agricultura.
Acidente
no Paraíba
fez Anvisa proibir importação
Anvisa proibiu, em setembro do ano
passado, a importação e o registro de agrotóxicos à
base de endosulfan. A proibição foi acelerada depois
do acidente corrido no Rio Paraíba, em Resende, em novembro
de 2008, em que o derramamento de 8 mil litros de endosulfan
provocou a morte de toneladas de peixes, além da interrupção
do abastecimento de água ao longo de 400 metros do Rio
Paraíba.
O acidente em Resende teve proporções
nunca registradas em nenhum lugar do mundo, segundo
Sarah, mas outros acidentes que acontecem, em números
menores, acabam deixando resíduos nas águas dos rios.
Ao saber do acidente, a professora se colocou à disposição
do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (Ibama) e de outros órgãos para
levantamento de dados. “Fiquei chocada. A concentração
era altíssima.
Bióloga de formação, Sarah doutorou-se
em patologia para dedicar-se ao trabalho com doenças
de peixes. “Não havia muito interesse nessa aplicação
da histologia em patologias de peixes. Hoje tem mais
profissionais envolvidos, mas na época em que iniciei
os estudos havia pouca literatura”, diz.
Em 1989, com a criação da Associação
Brasileira de Patologistas de Organismos Aquáticos,
outros jovens foram estimulados a desenvolver pesquisas
na área. Hoje, muitos problemas enfrentados pelos piscicultores,
até mesmo com relação è qualidade de peixes que
vão para o mercado, foram resolvidos, graças à orientação
dos especialistas. Uma das instruções importantes
diz respeito à qualidade da ração que deve ser oferecida
aos animais, pois não havia controle da qualidade.
Ela enfatiza que o Brasil é um grande
produtor de pescado, e o brasileiro, um potencial consumidor.
E, com a ajuda dos patologistas de peixes, esta variedade
tem sido oferecida com qualidade cada vez melhor à
população.
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