A
vida artificial já foi dotada de inteligência pelas mãos
de muitos cientistas. Agora, especialistas de diferentes
partes do mundo tentam dotar essas criaturas de consciência
artificial, dando-lhes também capacidade de memória. Na
Unicamp, os experimentos com o “robô consciente” se iniciam
de um jeito divertido: o desenvolvimento de um jogo que
tem como personagem uma criatura capaz de executar tarefas
que exijam memória episódica – capacidade de lembrar de
coisas realizadas há algum tempo e usar essas lembranças
em decisões a ser tomadas em determinado instante.
“A primeira experiência
é tentar incorporar a memória episódica”, explica Ricardo
Gudwin, professor da Faculdade de Engenharia Elétrica e
de Computação (FEEC) da Unicamp e coordenador na Unicamp
de um projeto, financiado pelo CNPq, que conta com a colaboração
da Universidade de Memphis para o desenvolvimento de consciência
artificial.
Ainda em andamento, o projeto
é, possivelmente, o primeiro a estudar o desenvolvimento
de uma mente artificial com consciência no ambiente de um
jogo de computador. Gudwin enfatiza que os jogos atuais,
apesar da alta capacidade para tomada de decisões, percepção,
aprendizado, comportamento emocional oferecidos pela inteligência
artificial, não têm capacidade de memória episódica ou consciência.
“Queremos criar uma mente artificial para essa criatura
e temos várias técnicas e vários tipos de capacidades cognitivas
que podemos passar para ela”,
O projeto, financiado pelo
CNPq, foca basicamente três grandes capacidades cognitivas,
que são a fronteira da inteligência artificial, de acordo
com Gudwin: consciência, memória episódica e evolução de
linguagem. Trabalhando inicialmente com a questão da consciência
e posteriormente com a questão da memória, a ideia inicial,
segundo o professor, é atribuir ao robô tarefas complexas
a ser executadas no ambiente do jogo. Uma delas, estudada
pela mestranda Elisa Calhau de Castro, é fazer com que o
personagem seja capaz de olhar blocos diferenciados por
cores – que aparecem em momentos diferentes – e lembrar
deste contato anterior em atividades futuras. “Estamos criando
um modelo mental para esses blocos de tal forma que o robô
possa se lembrar de um bloco que já viu no passado (quando
e onde), encontrar um caminho até ele e guardar, de maneira
seletiva, toda a trajetória realizada. Esse é o problema
que queremos resolver.”
De acordo com Gudwin, no
jogo, a criatura precisa fazer composições com certos tipos
de blocos para ganhar pontos. Os criadores podem pedir três
blocos azuis, quatro amarelos e dois verdes, por exemplo,
para uma dessas composições. “A criatura sairá em busca
de blocos destes tipos. Entretanto, com o auxílio de sua
memória episódica, ela já sabe onde encontrar os blocos
azuis e amarelos, por exemplo, por ter deparado com eles
anteriormente em sua exploração do ambiente e vai diretamente
até eles. Terá que procurar, explorando o ambiente, somente
por blocos verdes. Depois, caso seja necessário novamente
montar outra composição como essa, ela lembrará que aqueles
blocos já foram usados e sairá buscando por novos blocos
dessas cores em outros lugares”, explica Gudwin.
Em outro exemplo do uso
da memória episódica, as criaturas devem ser capazes de
armazenar alimentos perecíveis e não-perecíveis, importantes
para sua sobrevivência no jogo, e buscá-los depois de algum
tempo no lugar onde guardaram, tendo de passar pelos blocos.
“Existem diversas situações, como, por exemplo: o alimento
perecível que se decompõe tem de ser consumido rapidamente
e ele tem de voltar para pegar esse alimento antes que ele
se decomponha”, explica. O problema do alimento está sendo
resolvido por ele ao lado de sua orientanda Elisa. A ideia
é jogar com memória episódica de alimentos perecíveis e
não-perecíveis.
Apesar da importância para
a compreensão e o desenvolvimento de consciência artificial,
o jogo é só o caminho para a adoção dessa tecnologia em
um grande número de outras aplicações. Não há nada de revolucionário
em estudar consciência artificial, mas, de acordo com Gudwin,
muitas outras áreas poderão se utilizar dos princípios do
jogo. “O jogo é um trabalho de prospecção para entender
como implementar mecanismos de consciência artificial e
para validar esse tipo de benefício que a gente espera”,
acrescenta.
Conquistada
esta etapa, os cientistas estariam avançando em relação
aos mecanismos da inteligência artificial já conhecidos
e usados para resolver problemas comuns de jogos de computador,
por exemplo.
De acordo com Gudwin, existem
outros pesquisadores trabalhando com memória episódica,
mas suas pesquisas trabalham somente o que chamam de memória
autobiográfica. “Memória que a criatura tem das ações que
ela mesma realizou – ela sabe que pegou, guardou, mas não
é capaz de se lembrar do que viu, do que outras fizeram.
Então queremos incorporar nesse nosso experimento a capacidade
de se lembrar do que viu, do que vivenciou, do que experienciou”,
afirma Gudwin.
Bernard Baars
Em busca de aprimorar conhecimentos em uma nova área de
pesquisa tratada como Consciência de Máquinas, os pesquisadores
da Unicamp depararam com a teoria da consciência do neurobiologista
holandês Bernard Baars, que publicou em 1988 o livro”A teoria
Cognitiva da Consciência”, no qual desenvolveu um modelo
para explicar a consciência humana. Posteriormente, o pesquisador
Stan Franklin, da Universidade de Memphis, criou uma implementação
computacional da consciência de Baars e desenvolveu um modelo
de agentes de software conscientes a partir das convicções
do pensador. “Trata-se do uso responsável da palavra consciência.
Esses agentes são conscientes, segundo Baars. Isso nos entusiasmou,
pois havia toda uma teoria por trás desse conceito computacional
de consciência. Por isso fizemos um convênio com a Universidade
de Memphis para entender como o software funcionava”, diz
Gudwin. A teoria, depois de analisada e muito criticada,
é hoje uma das majoritárias, por ter bastante ressonância
na comunidade científica, segundo o professor.
Na parceria, os cientistas
de Memphis cederam o software para que os brasileiros vissem
como funciona. “Pela análise do software, conseguimos enxergar
o que a consciência de fato fazia para a criatura, qual
o benefício que ela trazia. Isso para o próprio Franklin
não estava claro”, declara Gudwin.
Os pesquisadores brasileiros
trabalham agora com a compreensão das vantagens que a consciência
traz à criatura.“Em um primeiro momento, queríamos entender
o que era essa consciência. Agora, queremos entender quais
os benefícios que ela traz. É algo ainda não muito claro
na comunidade”, diz Gudwin. Franklin, segundo Gudwin, justificava
que a criatura era consciente porque seguia fielmente a
teoria de Baars e isso intrigava os brasileiros, que, por
sua vez, queriam entender o que isso traria de vantagem
para a criatura que estavam criando.
A questão para eles era:
afinal de contas, o que é essa consciência? A resposta foi
encontrada no modelo de Baars, segundo Gudwin. “O modelo
de Baars, analisado e compreendido, permite que digamos
o seguinte: consciência é um processo por meio do qual a
partir de um hardware paralelo, é capaz de emergir um comportamento
sequencial ou um processo serial (compreensão das coisas
em série).”
A teoria de Baars foi a
mais convincente para os pesquisadores da Unicamp. Na própria
literatura internacional, Gudwin diz ter encontrado muitos
trabalhos fazendo o uso da palavra “consciência” sem o cuidado
apropriado. “Em muitos casos, acontece o que chamamos do
uso ingênuo do termo ‘consciência’– quando o cientista olha
para a coisa, acha que parece ter consciência e começa a
falar que tem consciência, quando na verdade não tem nenhuma
base para essa afirmação. Daí, a coisa vai para um caminho
que não é o mais interessante”, questiona.
A ‘secretária’ que agenda
palestras